Em quatro meses, já há 273 novos dirigentes do Estado sem concurso

As nomeações em substituição, que deveriam ser uma excepção, continuam a ser prática na administração pública. Mais de 30 dirigentes têm de passar pela comissão de recrutamento. Governo garante que vai cumprir a lei.

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António Costa quer fazer alterações ao recrutamento de dirigentes públicos Nuno Ferreira Santos

Desde que tomou posse, o Governo nomeou 273 dirigentes em regime de substituição, um mecanismo que permite preencher temporariamente cargos públicos que estejam vagos. Em alguns casos, os lugares estavam de facto vazios, no entanto houve situações em que o executivo dispensou responsáveis de serviços e organismos do Estado para logo a seguir os substituir. A esmagadora maioria das nomeações diz respeito a chefias intermédias, mas mais de 30 referem-se a altos quadros da administração pública, que têm de passar pelo crivo da comissão de recrutamento. Destas, quase metade aguarda pelo lançamento do concurso obrigatório.

Um dos casos mais recentes é o do presidente do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, função que era ocupada por Paulo de Andrade, escolhido pelo primeiro executivo de Passos Coelho. Na semana passada, durante uma audição na Assembleia da República, o ministro do Planeamento e das Infra-estruturas anunciou o seu afastamento, que foi oficializado em Diário da República três dias depois. A designação do novo líder do organismo público responsável, por exemplo, pela emissão das cartas de condução, foi publicada na terça-feira: Eduardo Feio foi nomeado em regime de substituição devido à “vacatura do cargo”. Por sua vez, Paulo de Andrade, agora afastado, desempenhava as funções também em substituição – uma decisão tomada pelo anterior Governo em Julho de 2015.

Um levantamento feito pelo PÚBLICO, com base nos despachos publicados em Diário da República, permite concluir que, em quatro meses, houve 273 nomeações em regime de substituição feitas pelo actual Governo, que usou pela primeira vez este mecanismo a 5 de Janeiro – um mês e meio depois de tomar posse. A maioria dos despachos de designação destes dirigentes foi publicada em Março (80) e Abril (136). E praticamente metade das nomeações partiu do Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, num total de 134. É, aliás, sob a alçada desta tutela que está o organismo com mais cargos preenchidos em regime de substituição: trata-se do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), com 119 casos. Confrontado com este elevado número, fonte oficial do ministério de Vieira da Silva explicou que “no IEFP dois terços dos dirigentes se mantiveram em funções, o que contraria a ideia que tem vindo a ser veiculada de um ‘elevado número de nomeações’”.

Parte substancial destas nomeações não passa pela Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (Cresap), entidade criada em 2012 pelo Governo de Passos Coelho e que tem a responsabilidade de lançar concursos para cargos do Estado e de avaliar os currículos de gestores públicos. Grande parte destes dirigentes foram designados em regime de substituição para cargos intermédios, que, regra geral, não vão à Cresap. É o caso dos 54 chefes e adjuntos de chefes de finanças escolhidos pelo ministério de Mário Centeno desde Dezembro.

Mas houve, desde que o executivo de António Costa assumiu funções, 33 nomeações em substituição que têm de passar pela Cresap, por meio de concurso. Mais uma vez, o ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social destaca-se, com 19 casos – 12 dois quais no IEFP –, seguindo-se a Economia (quatro), a Justiça e o Planeamento (com dois cada). Também entram nesta lista, com um registo, as tutelas da Cultura, Defesa, Presidência do Conselho de Ministros e Ambiente (que soma ainda outra designação em conjunto com a Agricultura).

Dar nova orientação à gestão

Destes 33 lugares, 17 estão em vias de ser preenchidos definitivamente, embora nenhum concurso tenha sido concluído. Há, aliás, diferentes estádios nestes procedimentos: um está ainda dependente da homologação do perfil do candidato por parte da tutela, dois aguardam a publicação em Diário da República para que o concurso seja lançado e os restantes 14 foram pedidos pelos ministérios, mas as reuniões para definição de perfil só vão realizar-se para a semana. Há no entanto 16 casos em que a Cresap não recebeu qualquer pedido para abertura de concursos, de que são exemplo toda a nova equipa de gestão do Turismo de Portugal, o lugar de director-geral da Direcção-Geral de Política de Defesa Nacional ou de três directoras de centros distritais da Segurança Social.

As nomeações em regime de substituição estão previstas no Estatuto do Pessoal Dirigente para os casos de “ausência ou impedimento do respectivo titular quando se preveja que estes condicionalismos persistam por mais de 60 dias ou em caso de vacatura do lugar”. Houve situações em que os lugares estavam de facto por preencher por inércia do Governo anterior (que tinha os resultados dos concursos na mão, mas acabou por não nomear ninguém). E há casos em que a designação é justificada pelo facto de o anterior titular ter entrado em licença parental, ter assumido outras funções ou por ter pedido voluntariamente a cessação da comissão de serviço.

Mas o actual executivo também afastou, por sua iniciativa e com o argumento previsto na lei de que pretendia imprimir uma nova orientação à gestão, alguns dirigentes, substituindo-os logo a seguir. Além do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, houve também decisões deste tipo com parte da equipa de gestão do Turismo de Portugal ou com o conselho directivo do IEFP, que tinham sido escolhidos na sequência de concursos da Cresap. No caso do IEFP, dois dos vogais exonerados vão impugnar a decisão judicialmente.

Questionado pelo PÚBLICO, o Ministério das Finanças respondeu que “a iniciativa de nomeação em substituição, assim como o desencadear do processo de recrutamento, cabe às várias tutelas”. Já o ministério de Vieira de Silva, o que mais recorreu a esta figura para designar dirigentes, lembrou que “a legislação prevê um prazo de 90 dias para a duração das nomeações em regime de substituição, com excepção das situações em que se encontre em curso um procedimento de selecção, o que determina a necessidade de abertura dos respectivos concursos junto da Cresap dentro desses 90 dias”. E acrescentou que “vai obviamente cumprir a legislação em vigor relativamente à abertura de concursos”, aliás, no caso dos quatro membros da direcção do IEFP já o fez.

90 dias para lançar concursos

O Estatuto do Pessoal Dirigente, alterado no ano passado, estabelece que as nomeações em regime de substituição cessam “na data em que o titular retome funções ou passados 90 dias sobre a data da vacatura do lugar, salvo se estiver em curso procedimento tendente à designação de novo titular”. Os ministérios das Finanças e da Solidariedade, Emprego e Segurança Social explicaram que, por se tratar de um prazo inferior a seis meses, a contagem dos 90 dias faz-se em dias úteis, com base no Código do Procedimento Administrativo. Uma interpretação que é partilhada pela Cresap. A tutela de Mário Centeno considerou ainda que, “de qualquer modo, entende-se que o prazo é um prazo ordenador”, ou seja, indicativo.

A primeira nomeação em regime de substituição feita pelo actual executivo, e que tem de passar pelo crivo da comissão de recrutamento, ocorreu a 5 de Janeiro para o cargo de vogal do conselho directivo do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça. Este lugar, porém, é um dos que já teve direito a pedido de abertura de concurso, aguardando-se a sua publicação em Diário da República. E não existe ainda, de facto, nenhum caso em que o prazo para o lançamento do concurso tenha chegado ao fim. O mais próximo disso é o lugar de presidente do conselho directivo da Administração Regional de Saúde do Norte, nomeado em substituição a 2 de Fevereiro, sem que tenha sido lançado até esta data o procedimento concursal por parte do Ministério da Saúde. A data limite para o fazer termina em Junho.

Questionado pelo PÚBLICO sobre o número de nomeações em regime de substituição feitas pelo actual Governo, o presidente da Cresap lembrou que uma das recomendações que deixou no Parlamento, aquando da revisão do Estatuto do Pessoal Dirigente, foi no sentido de “controlar o exercício de funções em regime de substituição”. Para João Bilhim, é algo que tem de ser usado “com conta, peso e medida” porque, apesar de ser “uma forma de evitar que o cargo fique sem ninguém”, acaba por colocar estes dirigentes em vantagem num futuro concurso. “Ganham currículo, não posso dizer que é neutro. Se exerceram o cargo, os membros do júri não podem ignorar”.

As nomeações em substituição são uma prática corrente quando mudam os governos, como o próprio presidente da Cresap assume. “Alguns membros do Governo anterior usaram e abusaram do [regime de substituição]”, disse. Aliás, já António Costa era primeiro-ministro e continuaram a ser publicados despachos em Diário da República com nomeações em substituição do executivo de Passos Coelho. Agora, a diferença face ao passado é que o actual Governo é o primeiro a entrar em funções já com a comissão de recrutamento a funcionar. Outra preocupação antiga de João Bilhim é o facto de a esmagadora maioria dos dirigentes públicos (existem mais de nove mil dirigentes intermédios no Estado) não passar pela Cresap. “Se houver uma alteração legislativa, ela tem de ir no sentido do reforço das competências relativamente aos dirigentes intermédios”.

O actual executivo está a preparar mudanças no recrutamento dos altos cargos do Estado. Uma das alterações poderá passar por reduzir o número de candidatos propostos pela comissão às tutelas no final dos concursos (de três para dois). Mas poderá haver outras medidas em vista para sanar algumas críticas que têm sido feitas a estes procedimentos, nomeadamente o facto de a existência da Cresap não ter impedido nomeações de dirigentes com ligações aos partidos que estão no governo.

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