Janis domesticada
Janis: Little Girl Blue é um filme doméstico sobre uma mulher selvagem. Tão doméstico qu mais vale esperar que passe na televisão, afinal de contas aquele que parece o seu meio mais natural.
Nada parece tão fora de moda no mundo de hoje como a lembrança de Janis Joplin, aquele excesso todo que ela punha na interpretação, quase “expressionista”, de blueswoman a gritar os bofes cá para fora, aquele visual colorido de hippy maltrapilha e cheia de penduricalhos, muito heroin e nada chic. Antes de ser uma das figuras mais trágicas da cultura rock and roll – estatuto confirmado pela morte aos 27 anos – já era uma das espantosas performers que alguma vez existiram em qualquer domínio de actividade, musical ou outra. Reavivar essa memória, que instintivamente diríamos um tanto esquecida, seria sempre uma tarefa nobre.
Janis: Little Girl Blue dedica-se à tarefa e não perde essa nobreza, reforçada pelo imenso trabalho de pesquisa – da informação documental à recolha de imagens arquivos - que por certo lhe está subjacente. Mas está longe de ser o filme que Janis Joplin merecia, a partir do momento em que toda essa informação, todas aquelas imagens, toda aquela música, tudo é domesticado e contido dentro de uma estrutura super-hiper-convencional de documentário televisivo, assente na velha lógica que sobrepõe voz off (por Cat Power) a uma montagem meramente funcional a alternar depoimentos com footage de arquivo.
Mesmo os filmes de Asif Kapadia, que se tem dedicado a biografar estrelas prematuramente desaparecidas (Ayrton Senna ou Amy Winehouse), acabam por ter um outro tipo de relação, mais pensada, mais evocativa, menos estritamente funcional, com a informação e o material que têm para partilhar. Janis: Little Girl Blue é um filme doméstico sobre uma mulher selvagem. Tão doméstico que, francamente, mais vale esperar que passe na televisão, afinal de contas aquele que parece o seu meio mais natural.