Marcelo à procura de um lugar na história… de Moçambique
O Presidente da República aterra esta terça-feira num país à beira de ver fechado o financiamento internacional e a braços com um conflito militar mal disfarçado. As expectativas em torno desta visita avolumam-se, de Roma a Maputo. Mesmo que Belém sacuda a ideia de mediação.
Marcelo Rebelo de Sousa chega esta terça-feira a Moçambique, um lugar onde já foi feliz, à procura de um lugar na história. Não o faz de forma evidente, nem a diplomacia o permite, mas a primeira visita de Estado do Presidente da República de Portugal está rodeada de sinais que permitem perceber que nada do que se passa na sua “segunda pátria”, como lhe chama, lhe é indiferente. E se a situação de Moçambique se assemelha, neste momento, a um barril de pólvora, Marcelo tentará pelo menos pôr água na fervura.
Entre uma dívida insustentável, escondida pelo Governo durante anos e agora revelada — e que já levou à decisão de suspender os programas de apoio do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial — e um conflito militar não declarado entre a Frelimo (no poder desde a independência) e a Renamo, Moçambique recuou ao passado e já parecem longe os tempos em que o país lusófono era visto como um caso de sucesso em África.
O imperativo agora — defende ao PÚBLICO o economista Jorge Matine, do Centro de Integridade Pública, uma organização não-governamental moçambicana — é travar a violência e iniciar um novo processo de “reconciliação nacional”, no qual Portugal pode ter um papel importante. E é isso que espera também o padre italiano Angelo Romano, da Comunidade de Santo Egídio, organização de leigos católica que teve um papel fundamental na mediação das negociações que levaram à assinatura do Acordo Geral de Paz entre Frelimo e Renamo, em Roma, em 1992, após 16 anos de guerra civil.
Dois dias antes de embarcar para Maputo, Marcelo fez uma visita-relâmpago a Itália, dois dias dos quais um apenas para agenda privada, da qual fez também parte a passagem pela Comunidade de Santo Egídio. Segundo Angelo Romano afirmou à Lusa, o encontro com o Presidente português tinha como objectivo a procura de "um caminho para o diálogo" entre Frelimo e Renamo.
Marcelo foi mais lacónico, ao dizer apenas que o encontro foi “muito útil” para recolher informações sobre Moçambique e que aconteceu a pedido da própria Comunidade. “Temos esse ponto em comum, gostamos de Moçambique e foi muito útil ouvir a posição da Comunidade de Santo Egídio”, disse, considerando que este é o “momento oportuno” para a viagem: “Se não fosse, não teria proposto esta data e não teria sido aceite pelo Presidente moçambicano. É oportuno para Portugal e é oportuno para Moçambique”.
Que diferença faz Portugal?
Que papel pode então ter Portugal neste momento em Moçambique, além do “fortalecimento das relações entre os dois países nas vertentes económica, institucional, cultural e de cooperação”, que são o objectivo explícito desta primeira visita de Estado? Se, como disse fonte diplomática ao PÚBLICO, “o Presidente não vem cá para mediações”, até porque “não são os estrangeiros que têm de encontrar soluções”, também é certo que os encontros que Marcelo manterá com os três partidos representados no Parlamento — Frelimo, Renamo e MDM — permitirão tomar o pulso à vontade que os próprios moçambicanos têm de ultrapassar por si os seus diferendos.
Para Jorge Matine, qualquer tentativa de mediação portuguesa tem de desfazer um “mito”. “Há uma tradição muito forte, no país e em África, de muita interferência [externa] nos conflitos, ao nível dos interesses económicos e em recursos naturais. Talvez seja um exercício importante para Portugal o de perguntar qual é a diferença que pode fazer”, concretiza.
Essa potencial mediação que a diplomacia portuguesa pode entabular no novo diálogo de paz em Moçambique deve, porém, obedecer a um “interesse genuíno” pelo país africano, nota Matine. “Portugal é um aliado natural, não só por razões históricas, mas também pelo futuro. É uma porta de entrada para muitos moçambicanos para o mundo europeu. Portanto, não vejo um papel secundário para Portugal.”
Entre as possíveis acções de Marcelo Rebelo de Sousa está o “estabelecimento de uma via de diálogo” com o líder histórico da Renamo, Afonso Dhlakama, “para aproximar as partes” do conflito, diz ao PÚBLICO o editor-executivo do semanário Savana, Francisco Carmona. “Penso que o Presidente Marcelo vai querer sair muito bem na fotografia e, por isso, vai tentar jogar esse papel.”
Na ordem do dia está também o escândalo da dívida escondida, que levou instituições como o FMI e o Banco Mundial a suspenderem os empréstimos ao país. Em Maputo, observa o jornalista, há a expectativa de saber que posição irá adoptar Portugal, como actual líder do grupo de 14 países dadores de ajuda directa a Moçambique.
Papel que, aliás, é desempenhado por José Augusto Duarte, embaixador do Portugal em Maputo e que lidera este G14, ao mesmo tempo que já desempenha as funções de assessor diplomático da Presidência portuguesa, em acumulação, até que termine o seu mandato diplomático, a 21 de Junho.
Seja como for, Belém leva a Moçambique uma mensagem de optimismo “O Presidente vai a Moçambique para construir o futuro e reforçar o presente”, disse ao PÚBLICO fonte diplomática. Que não escamoteou a importância de garantir o financiamento ao país. Questionado sobre o impacto da suspensão dos empréstimos, a mesma fonte afirmou que terá “um efeito pesado, caso se verifique”. Ou seja, ainda há esperança que tal acabe por não acontecer.