"Sim, sim, é geringonça, mas funciona", atira Costa à direita
Bloco consegue apoio de António Costa para apertar malha nas offshores, mas continua sem resposta sobre o Novo Banco.
Sem perguntas difíceis por parte dos partidos à esquerda, António Costa permitiu-se esta quinta-feira uma tirada sobre o termo "geringonça" em resposta aos comentários ruidosos da direita durante o debate quinzenal.
Estava o primeiro-ministro a responder a Catarina Martins e a dizer que os partidos à esquerda têm “conseguido resolver muitos problemas que à partida eram difíceis tendo em conta o ponto de partida de uns e de outros e temos surpreendido…” quando se levantaram algumas vozes na bancada mais à direita, partilhada por deputados do CDS e PSD.
António Costa começou ríspido: “Sim, sim, é geringonça, mas funciona. É uma grande vantagem, estão a ver? É geringonça mas funciona.” E continuou, depois das palmas da esquerda: “E até posso acrescentar mais: a nós não nos incomoda nada ser geringonça, mas a vocês incomoda-vos muito que funcione.”
Antes, a porta-voz do Bloco pegara na notícia do PÚBLICO, que refere que mais de 10 mil milhões de euros saíram de Portugal para paraísos fiscais entre 2010 e 2014, para desafiar António Costa a apoiar as propostas legislativas apresentadas pelos bloquistas no Parlamento sobre os offshores. “Podemos contar com a vontade do Governo e do PS para que alguma coisa mude e o assalto dos offshores ao nosso país não continue?”
Para responder, António Costa puxou prontamente de uma pequena folha onde trazia anotadas as medidas do orçamento que previam a troca de informação internacional sobre offshores e outras que o Conselho de Ministros vai esta quinta-feira à tarde aprovar em matéria de informação sobre paraísos fiscais, como o acordo com EUA sobre comunicação financeira. Disse também que o ministro das Finanças tomou medidas como a regulamentação da comunicação de pagamentos offshore, alargou as competências da unidade de grandes contribuintes para abarcar empresas e singulares, e decidiu pela disponibilização estatística das transferências, “escondidas há cinco anos” por a divulgação não ser até aqui autorizada.
“Este é num combate no qual o BE não está sozinho e no qual pode contar com o Governo para combater os offhores que são uma ameaça para a concorrência, transparência e combate à criminalidade organizada e transnacional”, assegurou António Costa.
Mudando a bitola para o Novo Banco, a dirigente bloquista voltou a insistir, como há 15 dias, na solução de nacionalizar aquele banco e exigiu de Costa a “garantia de que não será vendido se a venda for feita cm prejuízo”. Mas o primeiro-ministro não se desviou do que tem dito sobre o assunto: “Eu não fecho porta nenhuma (…) Entre a solução de manutenção do controlo público, a de nacionalização, a de fusão com outra entidade pública ou de alienação ou qualquer outra, não a devemos fechar antecipadamente. Eu não a fecho antecipadamente.”
Disse ter sido um “atrevimento ligeiro ter-se apresentado a resolução do Novo banco como uma solução sem custos para os contribuintes”. E acrescentou que a única coisa com que se compromete é não defender, “nunca, nada que não seja a melhor solução para o contribuinte”.
Costa promete ao PCP campanha de valorização da produção nacional
A Jerónimo de Sousa, que defendeu que a “solução para os problemas nacionais não é a submissão à União Europeia” e que é preciso “romper com os constrangimentos” ditados por Bruxelas – numa alusão indirecta aos programas de estabilidade e de reformas com que o PCP não concorda -, António Costa haveria de dizer que “nem sempre é possível compatibilizar” as várias mudanças necessárias.
O líder do PCP haveria depois de propor que o Governo invista numa grande campanha de valorização dos produtos portugueses e marcas nacionais junto dos consumidores e das grandes superfícies comerciais como forma de aumentar a produção do país e substituir as importações. E defendeu a necessidade de, em simultâneo, cortar nos custos da energia limitando os preços máximos e facilitar o acesso ao crédito. António Costa pegou novamente nos papelinhos para lembrar, por exemplo, que o preço do gás baixa em Julho, que a taxa de passagem por Espanha está a ser negociada e que o Governo vai relançar a campanha Portugal Sou Eu.
Regressando ao tema dos paraísos fiscais, Jerónimo de Sousa quis saber se o Governo PS arranjou forma de salvaguardar os processos à guarda do Banco de Portugal dos casos dos regimes especiais de regularização tributária (RERT) de 2005, 2010 e 2011 que o líder do PCP apelidou de “lavadouro público para dinheiro sujo de grandes capitalistas e banqueiros”. É que seria suposto os dossiers serem destruídos no final de 10 anos. “Há pessoas que beneficiaram do RERT e aparecem agora envolvidas nos Papéis do Panamá, e podem ser abertos processos pelo Ministério Públicos”, lembrou o secretário-geral comunista. O primeiro-ministro disse que as Finanças estão a “adoptar medidas para assegurar, nos termos da lei, que os documentos não serão destruídos”.
“A Europa precisa de nós”
Já no final do debate, o líder da bancada do PS, Carlos César, deixou um recado para as instâncias europeias. “Senhor primeiro-ministro quando levarem estes programas a Bruxelas apresente os nossos cumprimentos e diga-lhes que nós precisamos deles mas que a Europa também precisa de nós”, recomendou. Costa agarrou na deixa para sublinhar o recado e elogiar o programa nacional de reformas: “A Europa precisa de nós, de Portugal a crescer”.
O primeiro-ministro aproveitou a resposta à interpelação de Carlos César para rebater os argumentos do PSD e do CDS-PP. “A dificuldade que a oposição tem em atacar as medidas do Governo. E por isso é sempre amanhã que os mercados é que se vão assustar, que a Comissão Europeia não vai permitir, amanhã é que vai ser. Os amanhãs vão passando e vão transformando-se em ontem”, disse, passando depois a dirigir-se à bancada do CDS onde voltou a focar boa parte da sua intervenção. A bancada do PS aplaudiu de pé.
Já depois de todas as intervenções, o líder da bancada do PSD pediu para esclarecer o teor do quadro disponibilizado aos deputados por Costa. “Não é nenhum plano de contingência. Este documento é aquilo que disse que era. É um documento de trabalho, nem secreto nem escondido”, respondeu o primeiro-ministro, reiterando que se trata de uma discriminação, dos valores agregados do Plano de Estabilidade. Uma posição que deixou Luís Montenegro satisfeito.