Os obstáculos que Portugal enfrenta para adoptar a solução italiana no malparado

Se, por um lado, a Europa não permite ajudas estatais, por outro, não parece fácil convencer o capital privado a formar o “banco mau”.

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António Costa espera encontrar solução em Junho. Nuno Ferreira Santos

Limitado pelas exigências das autoridades europeias relativamente às ajudas estatais, pela falta de espaço orçamental do Estado e pela fragilidade da situação financeira do sector bancário em Portugal, a solução que o Governo pretende encontrar para o problema do crédito malparado continua envolta em muitas dúvidas e incertezas, apesar de o primeiro-ministro afirmar que a decisão pode chegar já durante o mês de Junho.

Não são muitas as opções em cima da mesa e a prova disso está naquilo que está a acontecer em Itália. Inicialmente, o Governo liderado por Matteo Renzi pretendia adoptar uma solução semelhante à aplicada alguns anos antes na Irlanda e em Espanha, em que os respectivos governos criaram e capitalizaram (pelo menos em parte) um chamado “banco mau”, que se dedicou à aquisição dos activos tóxicos (principalmente crédito malparado) aos bancos, para os depois vender ao longo do tempo.

No entanto, as autoridades reguladoras da concorrência na União Europeia não permitiram que a Itália avançasse para esse tipo de solução, por poderem estar em causa ajudas estatais não permitidas. E por isso, o Governo italiano, como deverá acontecer também com o governo português, teve de encontrar outra solução.

O que está a ser feito neste momento em Itália, depois de vários meses de negociação com Bruxelas, é uma combinação de duas medidas. Por um lado, o Estado ajuda, emitindo garantias públicas sobre o crédito malparado que é detido pelos bancos. Desta forma, esses activos tóxicos tornam-se mais atractivos para serem comprados por outros investidores. E para que não seja considerada uma ajuda estatal, a UE exige que os bancos paguem ao Estado pelas garantias que emite, a um preço de mercado, o que significa que há aqui um custo imediato envolvido para os bancos.

Depois, por outro lado, o Governo está a tentar dinamizar a criação de um veículo, formado com capitais privados provenientes dos bancos mais saudáveis do sistema financeiro italiano, e que terá como função, não só adquirir o crédito malparado com garantia estatal, como também contribuir para a capitalização dos bancos com maiores necessidades nesse capítulo.

Em Portugal, este tipo de solução, embora possa evitar que haja um impacto negativo imediato para o valor do défice público, tem o potencial para se deparar com sérias dificuldades na sua implementação. Em particular, há muitas dúvidas sobre a capacidade de se encontrar investidores privados interessados em formar o veículo que irá comprar o crédito malparado e ajudar a capitalizar a banca.

Teodora Cardoso, a presidente do Conselho das Finanças Públicas, expressou esta sexta-feira as suas dúvidas sobre a viabilidade de adaptar a Portugal, tanto o modelo espanhol e irlandês, como o modelo italiano.

No caso da solução encontrada nos primeiros dois países, com a criação de um “banco mau”, a economista lembrou, citada pelo Negócios, que "exige a capacidade do Estado para capitalizar este banco, o que seria muito difícil no actual contexto (…), dada a situação das contas públicas”.

E no que diz respeito à solução italiana, Teodora Cardoso lembra que esta “requer que os bancos com lucros financiem este fundo que ajudará a recapitalizar os bancos em dificuldades". "O problema é que cá a rendibilidade é baixa por todo o lado. Não vejo os bancos bons que pudessem substituir o Estado no financiamento deste banco mau", afirmou.

Também esta sexta-feira, o responsável máximo de um dos principais bancos portugueses mostrou pouco entusiasmo pelo projecto. "Daquilo que entendo parece-me que não será um projecto do interesse do BPI. É para um banco que tenha muitos activos problemáticos e que não estão convenientemente provisionados, o BPI não está nessa situação, não tem necessidade de participar no processo", começou por dizer Fernando Ulrich. O presidente do BPI acrescentou ainda que “se der benefícios aos bancos, o BPI quererá beneficiar, mas se é para resolver problemas, não tem interesse".

Apesar destas dúvidas, António Costa disse esta sexta-feira no parlamento que a solução do problema do crédito malparado na banca portuguesa pode ser encontrada já em Junho. O primeiro-ministro disse que esta "não passa necessariamente por um banco mau” e que “há várias soluções possíveis".

O problema do crédito malparado acumulado na banca portuguesa é visto como um dos principais entraves a que as empresas portuguesas possam obter, a um preço razoável, os empréstimos de que precisam para investir. De acordo com os dados do FMI, entre os países da chamada periferia europeia, Grécia e Irlanda eram de longe os países que registavam no final de 2014 um maior peso do crédito malparado no total dos empréstimos concedidos.

Portugal, com um nível próximo dos 12%, surgia um pouco abaixo da Itália, mas acima da Espanha. Entre estes países, apenas a Itália e Portugal é que registaram em 2014 um agravamento deste indicador. 

Em Portugal, à semelhança do que acontece noutros países, a maioria do crédito malparado a empresas encontra-se no sector da construção e imobiliário. 

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