Constitucionalistas ‘aprovam’ convidados no Conselho de Estado
Marcelo Rebelo de Sousa tenciona fazer reunir com mais frequência o Conselho de Estado, procurando “desdramatizar” a sua convocação.
A presença do presidente do Banco Central Europeu no primeiro Conselho de Estado agendado por Marcelo Rebelo de Sousa é “uma acção bem conseguida da parte do Presidente da República”. É a opinião de Jorge Reis Novais, professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que considera, no entanto, ser importante acompanhar o formato que o chefe de Estado vai imprimir ao Conselho de Estado, pois este “não é uma segunda câmara parlamentar”.
A participação de convidados no Conselho de Estado (CE) não está prevista na Constituição nem no regulamento deste órgão político de aconselhamento do Presidente da República, aprovado em 1984 por Ramalho Eanes. Mas também nada o impede, como asseguram três constitucionalistas ouvidos pelo PÚBLICO. Mas entre Gomes Canotilho e Jorge Miranda, que não veêm qualquer problema nestes convites, Reis Novais é o mais cauteloso.
“Se fôssemos interpretar à letra as funções do Conselho de Estado, a iniciativa poderia parecer um pouco estranha”, afirma este especialista, que foi assessor para os assuntos constitucionais de Mário Soares e Jorge Sampaio. “Num sentido muito literal, não se vê bem porque é preciso ouvir estas duas personalidades no âmbito do CE. O que acontece é que Marcelo Rebelo de Sousa terá a intenção de dar a este órgão um outro tipo de interesse: ouvir mais opiniões, estimular o debate, animar o CE”, analisa, lembrando que Jorge Sampaio também tinha essa ideia de dar um outro alcance a este órgão, mas sem exorbitar as suas funções.
Nesse sentido, Reis Novais considera que o convite a Mario Draghi “é uma acção bem conseguida” da parte do Presidente, pois vai conseguir captar todas as atenções para uma reunião que de outra forma não as teria.
Este professor alerta, no entanto, para o facto de as funções do Conselho de Estado serem definidas na Constituição e não poderem ser alteradas por regulamento. “O Presidente pode dizer que precisa de ter um melhor aconselhamento das situações e, para tal, de ouvir outras personalidades, mas podia ouvi-los sem ser no âmbito do CE. Será uma situação a acompanhar, veremos como vai ser daqui para a frente”, remata.
Quando foi conhecida a marcação do Conselho de Estado com a presença de Mário Draghi e do governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, o secretário-geral do PCP estranhou. “Achamos, no mínimo, estranho porque o regimento não tem nem uma palavra sobre isso. É a primeira reunião do Conselho de Estado, que tem uma composição determinada, definida pelas instituições. É, no mínimo, estranho. Não queria utilizar outro adjectivo. Aquilo que consideramos que era importante era que reunisse na sua composição nesta primeira reunião”, disse, após uma reunião com dirigentes da CGT, a 28 de Março.
“Não é problema nenhum, pelo contrário”, considera por seu lado Gomes Canotilho, professor de Direito Constitucional jubilado da Universidade de Coimbra. “No mundo moderno, não há nada pior do que não querermos conhecer as compreensões, as ideologias de pessoas cuja capacidade de análise e informação especializada é reconhecida e que estão colocadas nos lugares onde se resolvem os problemas, neste caso as questões económico-financeiras”, defende. E para que não fiquem dúvidas: “É enriquecedor que o Presidente e os conselheiros de Estado sejam bem informados das regras e das sensibilidades existentes nesses órgãos onde tanta coisa se decide”.
No mesmo sentido, o professor jubilado de Direito Constitucional da Universidade de Lisboa e antigo deputado constituinte defende que “o Presidente deve ter a máxima liberdade de convidar quem entender” para o Conselho de Estado. “É um poder livre do Presidente e neste caso concreto, dada a importância do Banco Central Europeu nas decisões sobre Portugal, só vejo vantagens”, sublinha.
Segundo a Constituição, o Conselho de Estado “é o órgão político de consulta do Presidente da República” ao qual compete, genericamente, “aconselhar” o chefe de Estado “no exercício das suas funções, quando este lho solicitar”. Isto além das funções específicas e obrigatórias, como pronunciar-se sobre a dissolução da Assembleia da República e das assembleias legislativas regionais, a demissão do Governo, a declaração de guerra e a feitura da paz, bem como sobre os actos do Presidente da República interino, quando o haja.
Durante a campanha eleitoral, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou diversas vezes que tencionava fazer reunir com mais frequência o Conselho de Estado, procurando “desdramatizar” a sua convocação.