O Banif era um “banco péssimo” mas Carlos Costa garantiu que era viável

Documentos mostram que governador do Banco de Portugal convenceu Vítor Gaspar da viabilidade do banco e da necessidade de capitalização pública. Ex-ministro das Finanças reagiu com “surpresa”.

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António Varela disse ontem aos deputados que foram as instituições europeias que forçaram a resolução MIGUEL MANSO

No dia 15 de Novembro de 2012, o governador do Banco de Portugal (BdP) submeteu ao ex-ministro das Finanças, Vítor Gaspar, “uma proposta de decisão” sobre o Banif. Esse era, segundo Carlos Costa, “um dos temas críticos das negociações” para a conclusão da sexta avaliação da troika. Resolver a situação do Banif, e com urgência, explicava o governador na carta, “é necessário para que se conclua positivamente a referida avaliação”.

Nessa carta, Costa defende uma injecção de 1,4 mil milhões de euros de dinheiro público no banco. E considera que esta é a melhor solução – afastadas que estavam, por Gaspar, as hipóteses de liquidação ou nacionalização. Sobrava outra: a resolução. Mas, na longa exposição do governador, essa é considerada uma opção desvantajosa, não só por nunca ter sido testada, como por causar mais riscos para o sistema financeiro. Curiosamente, essa seria a opção defendida pelo mesmo responsável para um banco muito maior, o BES, um ano e meio depois. E agora, em Dezembro de 2015, para o mesmo Banif...

Vítor Gaspar reagiu “com surpresa”. Não só pelos valores em causa, mas também pelos “riscos” que o governador apontava à hipótese de resolução. O ex-ministro das Finanças do anterior Governo PSD/CDS reagia negativamente à posição do BdP por estar “limitando consideravelmente as opções ao dispor do Estado”. Gaspar contestava, com uma fina ironia nas entrelinhas, até a interpretação que o governador apresentava das competências constitucionais do Governo e do supervisor. E lançava uma frase acutilante: “O recurso ao financiamento público (…) faz supor um funcionamento do sistema de prevenção”. Ou seja, o BdP falhou no Banif, se é preciso recapitalizar o banco.

Mas o ponto que se torna hoje ainda mais actual é o que Gaspar faz questão de sublinhar: o Banif era, segundo a apreciação do BdP na altura, “uma instituição de crédito viável.” Gaspar duvidou e enviou 21 perguntas para o governador. Mas terá sido Carlos Costa a atestar essa viabilidade. Sem isso, a capitalização pública teria sido impossível.

O resto é conhecido. O Governo injectou 1100 milhões de euros no Banif, a 16 de Janeiro de 2013. E agora, três anos depois, o banco acabou, tendo outro Governo sido obrigado a injectar uns adicionais três mil milhões.

"Um banco muito, muito mau"

António Varela, que foi o administrador que Gaspar convidou para representar o Estado na administração do Banif, confirmou quinta-feira aos deputados, da comissão de inquérito, que exprimiu as suas dúvidas sobre a viabilidade do banco ao ex-ministro, antes de aceitar o cargo.

Varela não hesitou em qualificar o banco que encontrou nessa altura, e onde o Estado investiu. O Banif "privado", em 2012, "era um banco muito, muito mau, era um banco péssimo". Tinha uma "estratégia errada", que dependia de "investimentos completamente disparatados", uma "política de concessão de créditos com elevadíssima exposição ao imobiliário". E mais: "Não tinha sistema informático, não tinha avaliação de risco".

Em resumo: "Era pois difícil que não corresse mal. O que se escusava era que tivesse corrido tão mal." No entanto, Varela, que deixou recentemente o BdP, considera que o Estado tinha as mãos atadas no momento em que injectou capital público (Governo anterior) e quando se viu a braços com a resolução (Governo actual). 

A responsabilidade maior atribui-a às instituições europeias – DG Comp, Comissão Europeia e BCE. São, nas suas palavras, "instituições que estão muito longe do escrutínio democrático". E o Banif, tal como a maioria dos bancos portugueses, representam muito pouco: "Estamos a falar de peanuts para essas entidades."

Em Bruxelas e Frankfurt, assegura, há um "pensamento quase que cínico", que se traduz num encolher de ombros: "Os portugueses que tenham lá os problemas, foram eles que os arranjaram eles que os resolvam".

Sobretudo quando se aproxima o Natal, como foi o caso do Banif, cuja resolução foi decidida no dia 20 de Dezembro passado. "As instituições europeias querem prolongar as férias de Natal." E reforçou a nota. "É por sentir revolta por esse tipo de situações que decidi dar essa nota."

António Varela estranha a “coincidência” que ocorreu nos dias que antecederam a resolução do banco e quando já era administrador do BdP (de Setembro de 2014 a Março de 2015): enquanto se dedicava no banco central a preparar "um plano que permitisse criar um banco de transição", semelhante ao Novo Banco (que ficou com os activos “bons” do BES), uma tarefa que desenvolvia em articulação com o BCE, o próprio BCE estava no BdP, "no andar de cima a tratar da resolução do Banif". 

Varela revelou ainda que a 18 de Dezembro esteve em São Bento com António Costa e Mário Centeno a analisar o processo de venda livre que estava a ser conduzido pela gestão do Banif, liderada por Jorge Tomé. No encontro, que decorreu pelas 21h30, teve ocasião de manifestar ao Governo que a opção deveria ser a venda do Banif, só depois seria a via da resolução. E manifestou, então, "esperança" no êxito de uma venda. Em resposta ao deputado do CDS, João Almeida, o ex-administrador do Banco de Portugal alega que o Governo tentou ganhar tempo para poder avançar com a alienação do Banif, mas a sua convicção é que nem o BCE, nem a DG Comp queriam esta solução e forçaram a resolução.

"Não havia nada a fazer" e o resultado foi "desastroso" para os contribuintes portugueses. É o que garante o homem que tinha o pelouro da supervisão prudencial e se demitiu, recentemente, por não se “identificar suficientemente com a política e a gestão” da instituição liderada por Carlos Costa.

Eram 22h quando Varela se saiu com uma declaração caustica: "Longe de mim chamar mentirosa à senhora ex-ministra [das Finanças], diria que talvez tenha ‘edulcorado’ a verdade”. Em causa está uma carta enviada por Maria Luís Albuquerque, em Março de 2015, para a DG COmp alegando que os convites que fez para substituir a gestão do Banif foram recusados "por dificuldades" na constituição das equipas. Varela alega que as recusas (foram realizados quatro convites) se ficaram a dever ao facto de o banco necessitar de capital e de não ser possível ir levantar fundos. 

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