PSD pede renovação, mas Passos diz que não inventa
O 36.º congresso social-democrata servirá para aclamar o líder, mas podem ouvir-se algumas vozes críticas que pedem um refrescamento. Passos Coelho afirma que a sua estratégia já está na moção, que é uma reciclagem de propostas.
É a vitória eleitoral nas últimas legislativas que confere a Pedro Passos Coelho a legitimidade para se manter como líder (incontestado, para já) do PSD. Isso é consensual entre os que lhe são fiéis e os que são mais críticos. Neste novo ciclo de oposição, há sociais-democratas que reclamam alguma renovação nas caras ou nos temas do PSD. Mas Passos Coelho e os que lhe são mais próximos asseguram que o ex-primeiro-ministro não precisa de mudar de registo. Rejeitam que se torne num político de “plástico”.
Na abertura do 36.º congresso do PSD, esta sexta-feira à noite, em Espinho, o líder do partido (já eleito com uma votação expressiva de 95% dos votos) deverá fazer um discurso de prestação de contas da governação dos últimos anos. É, aliás, por aí que começa a sua moção de estratégia enquanto candidato à liderança do partido e é nesse texto que se estabelece a cartilha do líder social-democrata. “Eu não invento. A estratégia do PSD está toda na moção. Os temas estão lá, posso é dar mais destaque a uns do que a outros”, disse ao PÚBLICO Passos Coelho. O ex-primeiro-ministro recupera a demografia – tema lançado no congresso de há dois anos – e aponta para uma estratégia de crescimento que passa pela qualificação, inovação e empreendedorismo, política de reindustrialização, atracção de investimento e crescimento verde. É uma estratégia reciclada do programa eleitoral da coligação PSD/CDS nas últimas legislativas. A moção começa por recontar a história do resgate e da “recuperação” do país, passando pelo período do pós-legislativas e pelos “riscos” das medidas tomadas pelo Governo de António Costa.
Para os que são mais fiéis a Passos Coelho faz sentido manter o rumo sem retocar sequer o líder. “Nós não mudámos de problemas, temos de manter a mesma abordagem, a mesma estratégia. Há muitas coisas em Portugal que, para serem superadas, precisam de consistência nas políticas adoptadas e não estarmos a mudar de seis em seis meses para obedecermos a uma conjuntura”, justifica Miguel Morgado, antigo assessor político de Passos Coelho no Governo. Passos Coelho precisa de tirar o fato de primeiro-ministro? “Eu não sei bem o que isso quer dizer. Se a observação for que ele não deixou de ser o líder político que é, ainda bem, acho eu. Acho que as pessoas já perceberam que Passos Coelho não é um político que veste e tira fatos. É ele próprio e ainda bem para o país que tivemos um primeiro-ministro com estas características”, afirma o agora deputado. Miguel Morgado, que pode vir a ganhar relevância no partido neste congresso, assume que “nem o PSD nem o país” precisavam de um “líder feito de plástico, que dissesse uma coisa e depois outra”. E nem a renovação de liderança no CDS-PP, que já está a fazer o seu caminho próprio, é motivo para Miguel Morgado aconselhar refrescamento.
Resposta idêntica é dada por Teresa Leal Coelho, uma das figuras mais próximas de Passos Coelho, quando questionada se o ex-primeiro-ministro precisa de mudar o registo para vingar como líder da oposição. “Não, credo! Estamos a falar do homem que assumiu funções de governação num contexto de pré-bancarrota, que conduziu Portugal num percurso que foi reconhecido dentro – porque ganhámos as eleições – e fora - porque recuperámos a confiança”, sustentou a vice-presidente. A deputada considera que Passos Coelho é o “trunfo” do partido e recusa maquilhar a imagem do líder: “Não acreditamos que se vendam primeiros-ministros como se vendem sabonetes. É precisamente porque alguns políticos enveredaram por esse trilho que o afastamento entre os políticos e os cidadãos se acentuou”.
A “gratidão” do partido ao ex-primeiro-ministro, pelos resultados da governação, pode também justificar a consagração de Passos Coelho neste congresso. Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD, garante que a adesão dos sociais-democratas ao líder é “espontânea” e que assumir o legado da governação “não é um problema”, porque este foi sufragado nas urnas. Mas defende que, como partido na oposição, o PSD precisa de alterar parte da sua imagem: “Temos de combater essa ideia de que estamos amuados. Respeitamos as regras da democracia, a solução governativa é constitucional, achamos é que é uma fraude política”.
Governo-sombra
Na imagem ou nos temas, há sociais-democratas próximos do actual líder que defendem retoques. “Temos que desmultiplicar o PSD em várias caras, para a saúde, educação, justiça. Montar uma equipa sombra de Governo. E isso não se tem visto. Mudar Passos Coelho não se muda, é o que é”, afirma Miguel Pinto Luz, líder da distrital de Lisboa. Este apoiante do presidente do partido elogia a experiência internacional e o domínio das contas públicas do país que tem o ex-primeiro-ministro, face a outras figuras que são críticas da liderança de Passos: “Não me lembro de Rui Rio ser ministro nem de Morais Sarmento ter essa capacidade [sobre a área financeira]. Hoje em dia não basta ter grandes governantes cá dentro”.
Miguel Pinto Luz destaca ainda a necessidade de o PSD ter uma equipa pronta para mobilizar candidatos às autárquicas, lembrando que esse impulso aconteceu em 2000, quando o PSD conquistou a Câmara de Lisboa com Santana Lopes e o município de Sintra com Fernando Seara.
Liberal ou social-democrata?
Tanto Rui Rio como Morais Sarmento, antigos dirigentes do PSD, têm lançado farpas ao líder, nas últimas semanas. O número dois de Durão Barroso coloca Passos Coelho como um líder a prazo. Já o ex-presidente da Câmara Municipal do Porto atingiu Passos Coelho por uma das suas recentes iniciativas políticas enquanto líder da oposição: a crítica ao primeiro-ministro António Costa por intervir no negócio do BPI em nome da estabilidade do sistema financeiro. Rui Rio, que não vai ao congresso, rotulou-a como uma preocupação “liberal” e assumiu que tem uma “perspectiva social-democrata”. A mesma crítica é partilhada por Pedro Duarte, que foi director de campanha de Marcelo Rebelo de Sousa.
A colagem ao liberalismo surge precisamente no momento em que Passos Coelho se apresenta com o slogan “social-democracia sempre”. Teresa Leal Coelho fica surpreendida por questionarem esta posição ideológica. “A social-democracia esteve evidente na governação dos últimos quatro anos. Foi a primeira vez em que os que mais têm foram chamados a pagar mais do que os que têm menos. Só 12% dos pensionistas é que foram chamados a um esforço adicional”, afirmou.
Oposição forte
Num congresso de aclamação de Passos Coelho e em que quase todos os ex-líderes vão faltar, por razões diferentes, espera-se que, mesmo assim, se oiçam algumas vozes dissonantes. Uma delas será a de Paulo Rangel. O eurodeputado defende que, nesta altura, o PSD deveria estar a fazer uma “oposição mais forte”. O novo fôlego já devia “estar em marcha desde as presidenciais”, disse o antigo líder parlamentar esta quarta-feira em entrevista ao PÚBLICO. Paulo Rangel escusa-se, no entanto, a fazer antevisões sobre o tempo de vida do líder à frente do PSD.
Já o ex-deputado Luís Rodrigues, que é visto como um dos críticos de Passos Coelho nos últimos anos, não tem dúvidas em assumir que este deveria ser um momento de disputa pela liderança no partido. “É uma altura em que o PS e o Governo ainda estão em estado de graça. Podíamos ter agora as convulsões internas, para, na altura do próximo congresso, o PSD estar preparado para voltar ao poder”, diz o conselheiro nacional que volta a apresentar uma lista alternativa ao órgão máximo entre congressos.
Apesar de reconhecer que Passos Coelho “tem o mérito” de ter ganho as eleições, Luís Rodrigues considera que um dos maiores erros do líder foi “manter o discurso agressivo e pouco cordial” e não ter dado “esperança” aos eleitores. Neste novo ciclo político, o social-democrata não vê vantagem para Passos Coelho: “As pessoas não querem eleições e isso é uma vantagem do ponto de vista político de quem está no poder e fragiliza quem está na oposição”.
Como caso inédito de um ex-primeiro-ministro que se manteve como líder do PSD, Passos Coelho tem optado por uma estratégia de atirar a responsabilidade total da governação para António Costa. O PSD está de olhos postos na execução orçamental e acredita que a política do Governo dará maus resultados para o país. E nesse momento virá o PSD dizer ‘eu bem avisei’.
Neste congresso, Passos Coelho tem nas mãos a missão de galvanizar o partido e pode até surpreender com caras novas na direcção. Para já, sabe-se que já não contará com o seu antigo braço direito, Miguel Relvas. O ex-ministro pediu para sair do Conselho Nacional, voltando assim a ser militante de base.