Aliado ou oposição de Dilma? O maior partido brasileiro decide esta terça-feira
Vice-presidente Michel Temer vai tentar unir o partido e apresentar-se como alternativa credível para assumir a presidência do Brasil.
A sobrevivência política da Presidente brasileira Dilma Rousseff está nas mãos de um partido “pega-tudo”, sem ideologia. A confirmar-se o que a imprensa e o próprio palácio presidencial já dão como certo, o maior aliado do governo, o PMDB, deverá formalizar esta terça-feira a sua ruptura com o governo de Dilma. Com a saída do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) da coligação do governo, o apoio parlamentar de Dilma para travar o processo de impeachment (destituição), que já estava seriamente em risco, cairá vertiginosamente. Dilma precisa de 171 votos, o que corresponde a um terço da Câmara dos Deputados, para enterrar de vez o impeachment. Com 69 deputados, o PMDB, de centro-direita, tem a maior bancada parlamentar, além de liderar as duas câmaras do Congresso. O Partido dos Trabalhadores (PT), que lidera o governo, só tem 58 deputados.
A direcção nacional do PMDB irá reunir-se esta terça para determinar se permanece no governo ou se “desembarca” (como se diz no Brasil) apresentando-se como alternativa de poder num cenário pós-Dilma, se o impeachment for aprovado no Congresso, o que poderá acontecer em Abril ou Maio. Michel Temer, o presidente do PMDB, é o actual vice-presidente do Brasil, e assumiria a presidência caso Dilma fosse afastada. Temer desistiu de uma viagem a Lisboa que estava programada para estes dias para ficar em Brasília por causa da reunião do seu partido. O líder do PMDB vinha a Lisboa participar num seminário luso-brasileiro de direito que conta com a presença de líderes da oposição brasileira, como Aécio Neves e José Serra, ambos do PSDB, e que chegou a ser descrito ao PÚBLICO por uma fonte oficial portuguesa como um “Governo brasileiro no exílio”. Ocupando sete ministérios e cerca de 600 cargos no governo, a saída do PMDB não é consensual dentro do partido, apesar de ser a tendência mais forte, e Temer irá tentar emergir da reunião como uma figura conciliadora das duas alas, capaz de forjar a unidade.
Apesar de ser o vice de Dilma há cinco anos, desde o primeiro mandato da Presidente, ninguém esperava solidariedade de Temer: assim que o processo de impeachment foi aberto no Congresso, em Dezembro do ano passado, Temer e Dilma tiveram uma ruptura muito pública, que incluiu uma carta do vice dirigida à Presidente queixando-se da forma como sempre foi tratado e relegado para um papel decorativo dentro do Planalto. A relação entre os dois só se tem deteriorado desde então, segundo a imprensa brasileira. Recentemente, Dilma nomeou um deputado do PMDB, Mauro Lopes, para a secretaria de Aviação Civil, contrariando a ordem saída da última convenção do partido, a 12 de Março, de que nenhum dos seus membros deveria aceitar cargos até que houvesse uma decisão definitiva em relação ao governo. Temer não foi à cerimónia de posse – a mesma em que formalizou a entrada de Lula no governo – no que foi visto como uma retaliação. Na última semana, Dilma demitiu o ocupante do último cargo indicado por Temer, António Henrique de Carvalho Pires, presidente da Fundação Nacional de Saúde.
Perante o risco de ruptura do PMDB, o Palácio do Planalto parece ter endurecido ainda mais a sua batalha por votos: apostou em aprofundar a divisão do partido e, segundo os jornais brasileiros, vem prometendo cargos deixados pelo PMDB a outros aliados que estejam dispostos a votar contra o impeachment. Ou, como disse um deputado do PT, anonimamente, ao Globo: “Tem que tirar o cargo dos infiéis e repassar diretamente para a nova base”.
Uma das preocupações do governo é conter o efeito dominó de uma ruptura do PMDB noutros partidos da sua base aliada: o PRB (Partido Republicano Brasileiro) já deixou a coligação há quase duas semanas, o PP (Partido Progressista) reúne-se na quarta-feira para tomar uma decisão.
Nascido em 1966, como um movimento de oposição (oficial, portanto admitido pelo regime) à ditadura militar, o PMDB é um partido caracterizado pela sua flexibilidade de correntes e tendências, com pouca afinidade entre si. Ele tanto inclui Eduardo Cunha, o presidente da Câmara dos Deputados que é arqui-inimigo de Dilma e accionou o processo de impeachment contra ela, como o presidente do Senado, Renan Calheiros, que é contra o impeachment e contra a saída do PMDB do governo.
“A arte do PMDB é dividir-se de modo a que as suas secções tenham liberdade para estar em qualquer governo que assim entenderem. Michel Temer é o seu presidente justamente por nunca ter interferido nesse processo”, diz ao PÚBLICO Carlos Melo, professor de sociologia e política no Insper, em São Paulo.
O PMDB nunca conseguiu eleger um Presidente da República por voto directo e a última vez que disputou o cargo, em 1994, não conseguiu mais do que uns embaraçosos 4,38% dos votos. Mas desde então raramente tem estado fora do governo, fosse ele PSDB ou PT. No Brasil, os seus críticos acusam-no de “fisiologismo”, isto é, de oferecer apoio político em troca de cargos no governo.
Se Dilma for impugnada e Temer assumir o seu lugar, confirma-se a estranha vocação do PMDB para assumir o poder: nenhum dos peemedebistas que chegaram à presidência da República nas últimas três décadas de redemocratização do Brasil foi eleito directamente para o cargo. Em 1985, José Sarney ocupou o Palácio do Planalto porque era o vice de Tancredo Neves, que morreu antes de tomar posse. No final de 1992, Itamar Franco substituiu Fernando Collor de Mello, quando este foi afastado da presidência num processo de impeachment.