Em Viseu não é só o Grão Vasco que é nacional
Reclassificado há um ano como museu nacional, o Grão Vasco festeja esta quarta-feira o seu primeiro centenário. O número de visitantes, diz o director, já duplicou. A festa continua ao longo do ano.
A reclassificação não mudou a importância do Grão Vasco, mas passar a Museu Nacional, designação que o Estado português aprovou há exactamente um ano, fê-lo crescer no número de visitantes. Foi, diz o director Agostinho Ribeiro, a prenda antecipada e "justa" para o museu que esta quarta-feira festeja o seu primeiro centenário com o dobro da média de visitantes mensais do ano passado: o número de entradas registadas em Janeiro e Fevereiro duplicou em relação ao mesmo período de 2015, sublinha ao PÚBLICO, sugerindo que o impacto da reclassificação ultrapassa o “reconhecimento nacional do valor cultural excepcional do museu" e pode constituir um “trunfo para a sua afirmação e para a promoção cultural e turística de Viseu".
Criado durante a Primeira República, o Museu Grão Vasco é a casa de Vasco Fernandes, um dos mais importantes pintores renascentistas portugueses, e acolhe uma colecção notável de tesouros nacionais. A importância do acervo e a sua inserção na comunidade fazem deste museu uma das atracções de uma cidade do interior que depois de décadas de relativo isolamento, e contrariando a imagem de conservadorismo que durante tanto tempo lhe esteve associada, se vem pondo no mapa pela sua dinâmica e versatilidade cultural.
Mas o que mudou com esta classificação que já não era atribuída a um museu português desde 1965? Organicamente, nada, mas, “embora o Grão Vasco fosse há muitas décadas tratado pela tutela como nacional, o seu estatuto jurídico e administrativo passou a ser inquestionável, o que constitui uma garantia fundamental para as colecções”, ressalva Dalila Rodrigues, ex-directora do Grão Vasco, onde desempenhou funções entre 2001 e 2004.
A historiadora de Arte Antiga recorda, por exemplo, que na última redefinição da rede de museus, há três anos, dois museus importantes perderam a tutela da Direcção-Geral do Património Cultural. “O Museu de Aveiro passou para a Direcção Regional da Cultura do Centro e o Museu de Lamego, cuja colecção inclui peças de valor extraordinário, como as cinco pinturas do Grão Vasco e a série de tapeçarias flamengas, passou para a Direcção Regional de Cultura do Norte."
Para Dalila Rodrigues, a “enorme importância das colecções e do edifício do Museu Grão Vasco” justifica totalmente a redesignação de nacional. É, reitera António Filipe Pimentel, o actual director do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), que entre 2009 e 2010 esteve à frente do Grão Vasco, uma classificação “simbólica” para um “museu que a merece”.
“Faz todo o sentido que os museus que dependem da Administração Central tenham esta designação”, explica Pimentel, argumentando que neste caso a colecção torna a redesignação inquestionável: “Basta a obra do pintor renascentista que faz parte do acervo do museu para que seja consagrado com este estatuto”, sublinha. Se este reposiciona substancialmente o Grão Vasco já é outra questão. Antes ou depois da reclassificação, antes ou depois do centenário, o Grão Vasco é obrigatório: "É um museu que não se pode deixar de ver. Aliás, deve-se ir a Viseu para ver o museu”, desafia o director do MNAA.
Quem ali for para o aniversário desta quarta-feira encontrará festa dentro e fora do museu: as comemorações do centenário começam e acabam na Sé de Viseu mas têm como peça central a inauguração de uma exposição, Museu Nacional Grão Vasco, que conta a história da instituição desde os antecedentes da sua fundação até à actualidade (fica no museu até 26 de Junho). Longe de Viseu, no Centro Cultural de Cascais, será possível ver pela primeira vez, já a partir deste sábado, uma parte das reservas do museu, habitualmente apenas acessível a investigadores: é "um segundo museu" Grão Vasco, um Grão Vasco invisível, que se mostra até 19 de Junho em Reservas em bruto – pintura e escultura dos séculos XVI e XVII.
A celebração dos cem anos do Grão Vasco continua ao longo do ano com um programa de colóquios, conferências, publicações e (mais) exposições. Destas, a mais importante será a que o Grão Vasco inaugura em Setembro em parceria com o MNAA, Depois de Grão Vasco. Pintura Entre o Mondego e o Douro, do Renascimento à Contra Reforma, comissariada por José Alberto Seabra e Joaquim Caetano.
Mais cidade
Mas Viseu tem mais cidade para oferecer e nos últimos anos conseguiu criar uma agenda que a posiciona em pé de igualdade com outras do país na oferta de espaços e acontecimentos culturais."Viseu quer ser uma cidade criativa e com oferta cultural nas quatro estações do ano. Queremos atenuar e diminuir fortemente a dicotomia entre os meses quentes e os meses frios do ponto de vista cultural", assume Almeida Henriques, presidente da autarquia. Nos últimos anos, deixou o epíteto de bastião conservador do interior para se assumir como uma cidade dinâmica e vocacionada para a criatividade.
O Teatro Viriato, dirigido pelo coreógrafo Paulo Ribeiro, é, hoje, sala de estreias e incubadora de ideias. E há outros exemplos. O festival multidisciplinar Jardins Efémeros, que este ano se realiza entre 1 e 10 de Julho e que dedica a sexta edição ao tema do tempo, tem vindo a assumir-se como evento de referência nacional e internacional. O mesmo acontece com o Festival de Jazz, o Festival de Música da Primavera ou o Outono Quente, dinâmicas desenvolvidas por associações locais que começam a ficar enraizadas na programação anual da cidade. Outras estão também a aparecer, como a primeira edição do Viseu_Cult.Urb, promovida pela Acrítica Cooperativa Cultural, que arranca a 20 de Março: um evento que propõe 40 dias de actividades no espaço Carmo'81 e que se assume como um roteiro pela arte urbana alternativa. A abrir, a obra de Bordalo II (Artur Silva), a que se seguem lançamentos de fanzines, workshops, concertos e cinema de autor.