Pouco tempo, pouco espaço, o máximo show

Gabriela Albergaria, Fernanda Fragateiro, Alexandre Farto e Leonor Antunes estão presentes numa das maiores feiras de arte contemporânea, o The Armory Show, que este domingo termina em Nova Iorque. A Galeria Vera Cortês é a única portuguesa num evento que serve para apresentar artistas e vender obra

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O espaço Vera Cortês com obras de Alexandre Farto, Detanico Lain e Gabriela Albergaria fotos cedidas pela galeria Vera Cortês
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Decay, 2016 de Alexandre Farto fotos cedidas pela galeria Vera Cortês
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113 (Brooklyn Botanical Garden), 2016 de Gabriela Albergaria fotos cedidas pela galeria Vera Cortês
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Eleven, 2016 de Detanico Lain fotos cedidas pela galeria Vera Cortês
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Relative, 2016 de Detanico Lain fotos cedidas pela galeria Vera Cortês
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The Armory Show Cortesia de Roberto Chamorro para The Armory Show
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The Armory Show Cortesia de Roberto Chamorro para The Armory Show
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The Armory Show Cortesia de Roberto Chamorro para The Armory Show
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The Armory Show Cortesia de Roberto Chamorro para The Armory Show

Gabriela Albergaria vive em Nova Iorque desde 2010 e a experiência dessa cidade reflecte-se na sua obra, mesmo quando o que se vê nos seus trabalhos — desenhos, fotografia, escultura — é a representação da natureza, ou, como ela diz, a ideia de “artificialidade da natureza”. A artista plástica conta que desde então o seu trabalho começou a desenvolver-se de forma mais lenta. “Continuo a ter um interesse constante nas coisas, a forma como olho mantém-se, o que se altera é o modo como depois tudo isso é equacionado. Quando uma pessoa muda de país, tem muito mais tempo de introspecção, há uma espécie de solidão que se manifesta depois e que acaba por ser muito benéfica quando o trabalho começa a sair.”

Em Nova Iorque, houve menos espaço para trabalhar, mas mais tempo para ver exposições, visitar galerias, ler. Foi em Nova Iorque que descobriu a obra do antropólogo francês Philippe Descola. “Ele reflecte sobre um conjunto de questões que me interessam, a natureza e a forma como vemos a relação da natureza e do homem”, salienta, para revelar a génese das três obras que levou à mais recente edição do The Armory Show, uma das maiores feiras de arte de Nova Iorque, organizada pela Art Dealers Association of America. “Estes trabalhos podiam ter uma data entre 2012 e 2016. Chego em 2010 e os dois primeiros anos são muito complicados. Faço sobretudo desenho, porque não consigo pagar um estúdio, mas foi nessa altura que tirei as fotografias que serviram de base ao resto.”

São fotos do Jardim Botânico de Brooklyn, muito perto da primeira casa onde viveu, e que continua a ser um dos “seus” lugares naquela cidade “onde há tudo”, mas que tem resistência em chamar "sua cidade". Porquê? “Porque o meu corpo não se sente bem aqui. Há muitas coisas de que não gosto e que têm que ver sobretudo com questões sociais. Não tenho um trabalho político no sentido panfletário ou de intervenção social, mas o meu trabalho parte muito daí. Eu vivia perto do Jardim Botânico de Brooklyn e toda a área à volta era socialmente muito difícil. O jardim é um local único naquela região, mas nem toda a gente tem acesso a ele porque tem de se pagar muito dinheiro.”  Faz uma pausa para justificar a opção: “Concentrei-me na relação deste país com a natureza, que é incrível.”

E andou um pouco por todo o lado, a conhecer espécies, florestas, a recolher imagens, algumas árvores mortas, ideias. Essa experiência tem estado reflectida nas muitas obras que tem produzido e a que esta última, no The Armory, trouxe um acrescento: o texto. Há fotografia, desenho a partir da fotografia e “uma série de textos, palavras e frases descontextualizadas, do Philippe Descola”.

Esse conjunto de três obras foi um dos trabalhos que Vera Cortês levou a representar a sua galeria no The Armory Show. É a única galerista portuguesa num evento que reúne durante quatro dias 205 galerias de todo o mundo, especializadas em arte moderna e contemporânea. “A decisão de vir começou pela Gabriela. Se tenho uma artista a viver em Nova Iorque, ela teria de lá estar", diz Vera Cortês, que levou ainda três trabalhos de Alexandre Farto, mais conhecido como Vhils, e dois da dupla brasileira Detanico Lain. “Somos uma galeria portuguesa, temos muitos artistas nacionais, mas o nosso programa é internacional. A decisão sobre quem trazer é feita de acordo com o tipo de feira e com a situação do artista. Decide-se de maneira a que quando nos apresentamos isso seja um bocadinho a cara da galeria."

Nova Iorque veio substituir São Paulo no mapa das feiras, onde a galeria pode e quer estar representada todos os anos. “Foi mais ou menos uma troca”, justifica Vera Cortês, minutos depois de abrir o seu stand no dia de apresentação da feira e ainda sem saber bem o que esperar. “Não fazemos mais do que quatro, cinco feiras por ano. Em 2016 achámos mais prudente não ir ao Brasil. No ano passado já foi difícil. Foi mais ou menos uma troca.” Sobre o facto de ser a única portuguesa presente, fala em custos, burocracias, decisões dos galeristas. “Não é muito comum uma galeria de Lisboa fazer duas ou três feiras intercontinentais”, continua. Veio directamente da Arco, em Madrid, para os Piers 92 e 94, junto ao Hudson. “Hoje é o primeiro dia, estamos a abrir a feira, mas a minha primeira percepção é de que é tudo muito fácil.”

Gabriela Albergaria, Alexandre Farto, Leonor Antunes e Fernanda Fragateiro são os artistas plásticos portugueses nesta edição de 2016 que a crítica tem descrito como mais sóbria do que as anteriores e com um conteúdo mais poético, com mais espaço para a pintura, mas onde a provocação permanece. É um show, como o nome refere, The Armory Show, e os galeristas têm pouco tempo e pouco espaço para mostrar o que valem, ou seja, o que representam. “É muito complicado, com uma obra, dar a conhecer um percurso, ou revelar uma identidade”, refere Fernanda Fragateiro, representada pela galeria Arratia Beer, de Berlim. “Uma feira não é uma galeria, não é um museu, tem condicionantes, mas é muito importante para a venda das obras”, continua. “Num pequeno espaço, temos de mostrar um projecto representativo.”

Para ali, pensou na arquitectura do espaço, e a peça maior que levou é “uma viga de três metros e meio, de alumínio, que vai de uma parede à outra e é revestida com uma espécie de blocos feitos de revistas de arquitectura que foram guilhotinadas”, explica.

“O corte das revistas faz aparecer uma textura e um desenho que, colocados em continuidade, formam quase como que uma paisagem. Como se contasse uma história que está inacessível. Aquela peça contém uma série de material impresso que, por sua vez, contém uma enorme quantidade de informação à qual deixámos de ter acesso. A teoria é que essas revistas continuam a transformar-se em matéria de construção da escultura”, diz. Sobre o que representa estar ali, Fernanda Fragateiro destaca a visibilidade a artistas que, como os portugueses, estão num país muito periférico. “Consegue-se, com todas as limitações, mostrar trabalho e criar público, seguidores.”

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