Conselho das Finanças Públicas à espera de medidas por explicar no OE
Teodora Cardoso avisa que é preciso uma execução “atenta”. Renegociar a dívida sem primeiro apresentar uma estratégia orçamental “responsável” é um mau caminho, considera a economista.
A presidente do Conselho das Finanças Públicas (CFP) avisa que o Governo ainda tem de especificar medidas do Orçamento do Estado (OE) para este ano para serem cumpridos os objectivos ali inscritos. O compromisso de que as medidas existirão “está lá”, mas elas não estão concretizadas, advertiu Teodora Cardoso, nesta quinta-feira no Parlamento. Os riscos que a entidade independente de acompanhamento das finanças públicas encontra no OE levam Teodora Cardoso a sublinhar a necessidade de haver um acompanhamento reforçado da execução orçamental, para evitar derrapagens.
Numa audição parlamentar na comissão de Orçamento e Finanças, a economista esclareceu que o CFP não diz “em sítio nenhum” do relatório de análise ao OE que o défice não será cumprido, mas lembrou os riscos identificados no documento. Um factor que, segundo os economistas do CFP, o Governo não está a ter em conta, é a reacção dos consumidores ao agravamento dos impostos indirectos (nos combustíveis e tabaco, por exemplo), que poderão levar a uma retracção no consumo desses produtos.
“Chamamos é a atenção para os riscos e essa chamada de atenção leva precisamente a dizer que a execução tem de ser muito atenta e cuidada, quer do lado das despesas, quer do lado das receitas – e vai necessariamente envolver medidas adicionais que ainda não estão tomadas (porque também não houve tempo para as tomar, não estou sequer a questionar isso)”, enfatizou.
A presidente do CFP esclareceu que, quando fala em “medidas a especificar”, não está a referir-se “obrigatoriamente” à necessidade da apresentação de um orçamento rectificativo.
Questionada pelos jornalistas no final da audição se está a falar de medidas que já estão no orçamento, Teodora Cardoso respondeu: “Se elas estivessem no orçamento, já estavam especificadas. O OE diz que vai haver medidas, por exemplo, que a reposição dos cortes vai ser compensada por outras medidas, mas não se diz quais elas são. O enunciado de que elas terão que existir está lá, as medidas em si mesmo não estão”.
Teodora Cardoso esclareceu que não são medidas extraordinárias, mas pontos “que de alguma maneira já estão previstas, mas não estão especificadas”. E “ao não estarem especificadas, também não podemos avaliar se elas vão produzir o efeito desejado. É muito importante que o sejam, não só para ter efeito na despesa este ano, mas para terem efeito subsequente na gestão dos serviços”, sublinhou.
Na audição, a presidente do CFP advertiu para as dificuldades que Portugal ainda enfrenta e para a pouca margem de manobra do orçamento, caso surjam choques externos. A melhoria prevista na correcção do défice este ano, para 2,2%, “resulta quase exclusivamente do contributo positivo do ciclo económico e da evolução favorável da despesa com juros” e, advertiu a presidente do CFP, não há verdadeiramente um efeito estrutural que proteja o país. Se houver “flutuações económicas e variações das taxas de juro, as finanças públicas “continuarão a não ter espaço para responder a essas evoluções”, advertiu.
A “imaginação” pré-troika
As críticas feitas pelo CFP ao Orçamento serviram de base à argumentação do deputado social-democrata Cristóvão Norte, de que há uma “sobrevalorização das receitas e das despesas”. Na resposta, Teodora Cardoso considerou que Portugal não tem espaço para políticas expansionistas, mas também deixou críticas à forma como o anterior Governo de Passos Coelho geriu o programa da troika.
Para futuro, deixou uma mensagem: é errado pensar que será o “carácter expansionista das políticas da procura que resolve os problemas da economia” portuguesa. “Se a produtividade não crescer, com a população a baixar, a economia cai. E quando a economia cai, não há políticas expansionistas que resolvam” o problema. O jogo para futuro, contrapôs, “passa-se na produtividade”. E para demonstrar que o “consumo privado e as políticas expansionistas não podem ser o motor do crescimento”, lembrou o período “anterior ao programa” da troika, em que, disse, “nem a imaginação permitia pensar que podíamos ter uma politica tão expansionista”.
Em relação ao resgate, Teodora Cardoso teceu críticas ao anterior executivo, porque “não cortou despesas não da melhor maneira”, faltando fazer um “ajustamento estrutural”. A prova, justificou, é que as medidas tomadas do lado das receitas e das despesas foram “facilmente reversíveis” pelo Governo de António Costa.
A questão da sustentabilidade da dívida pública foi trazida ao debate pelo deputado do PS Paulo Trigo Pereira, quando lembrou que o Governo já garantiu que não vai suscitar o assunto unilateralmente, mas se e quando o debate se colocar a nível europeu.
Para Teodora Cardoso, se Portugal discutir as regras europeias sem as cumprir, ficará fragilizado e, por isso, considera que discutir a reestruturação da dívida só surte efeitos se o país tiver na retaguarda uma política orçamental credível.
“Sem haver uma política por trás que convença os credores de que efectivamente estamos a corrigir as coisas, em vez de resolver os problemas, agrava-os, porque aí começamos a ter piores condições de acesso ao mercado – ou até a não ter nenhumas e como nós continuamos a precisar dos mercados, é melhor não ir por esse caminho”, reforçou aos jornalistas, no final da audição.