Setúbal inicia classificação do Palácio da Comenda

Edifício que acolheu a viúva e os filhos de John F. Kennedy, após o assassinato, encontra-se hoje devoluto e em degradação.

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O imóvel está à venda por 45 milhões de euros Rui Gaudêncio
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Após o assassinato do marido, em 1963, Jacqueline Kennedy e os filhos recolheram-se no palácio DR

Setúbal iniciou o processo de classificação do Palácio da Comenda, com a aprovação, por unanimidade, na última reunião pública da Câmara Municipal, da proposta de abertura do respectivo procedimento administrativo.  

A deliberação aponta para a classificação da Casa da Quinta da Comenda, popularmente mais conhecida como Palácio da Comenda, como Imóvel de Interesse Municipal, mas a autarquia tem a “expectativa” de que o edifício possa obter uma classificação superior.

A eventual classificação de âmbito nacional, como Imóvel de Interesse Nacional, por exemplo, é uma competência da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), mas a directora do Urbanismo na Câmara Municipal de Setúbal acredita que a avaliação a fazer ao palácio pode concluir por um nível classificativo supramunicipal.

“Achamos que há boas hipóteses de isso acontecer, considerando as características arquitetónicas e construídas do imóvel, e o seu enquadramento”, disse ao PÚBLICO Rita Carvalho, acrescentando que “a construção teve poucas alterações à estrutura original, o que, por norma, também é valorizado”.

Na deliberação camarária, a abertura do procedimento de classificação, é fundamentada com “a qualidade estilística” da casa, assente no argumento de tratar-se de “um edifício de características artísticas e arquitetónicas notáveis, com um enquadramento paisagístico único no conjunto da obra concebida pelo arquiteto Raul Lino”.

Outro motivo é o valor cultural do imóvel. Os materiais e os sistemas de construção empregues no palácio, tal como os jogos volumétricos e códigos formais de expressão tradicionalmente portuguesa, fazem deste imóvel, projectado em 1903, um exemplo da ‘casa portuguesa’ de Raul Lino.

“Considerando os valores em presença, aquele património merece classificação”, conclui a arquitecta Rita Carvalho, e o edifício “está recuperável” apesar de estar “devoluto há alguns anos e de ter sofrido actos de vandalismo que provocaram algum dano, sobretudo nas madeiras e portas”. Antes de ser votada ao abandono, a casa sofreu obras “descaracterizadoras”, mas que são ainda “completamente reversíveis”, entende o município que considera, no entanto, “urgente reverter“ o processo de abandono e degradação em curso.

À venda por 45 milhões
O Palácio da Comenda é uma das primeiras obras de Raul Lino, considerado um dos mais emblemáticos arquitectos portugueses do século XX, construída num local de paradisíaca paisagem, onde o rio Sado entra na Serra da Arrábida. Completamente isolado, o edifício confina com a praia e a floresta, na dupla protecção do Parque Natural da Arrábida e da Reserva Natural do Estuário do Sado. 

A casa, concebida para veraneio, foi encomendada ao arquitecto português pelo conde Abel Henri Armand, aristocrata francês, e edificada numa vasta quinta que havia constituído a Comenda de Mouguelas, propriedade da Ordem de Santiago.

Segundo o município sadino, a história da construção neste local começou no período romano, com um complexo industrial de salga de peixe, passou por uma torre de vigia medieval, que, no século XVII, dá origem à plataforma de S. João da Ajuda. É precisamente sobre esta plataforma abaluartada que, no século XIX, é construída uma primeira casa de habitação, que existia no local quando Abel Henri Armand, ministro de França em Lisboa, compra a propriedade, no dia 9 de Março de 1872, por cinco contos de reis. Uma vez que a construção existente não possuía as condições necessárias para uma adequada estância de veraneio, Armand decide construir o actual palácio.

Conta a história que o aristocrata francês fez uma curiosa exigência ao então jovem arquitecto Raul Lino, quando lhe atribuiu o trabalho: que antes de iniciar o projecto gozasse de uma noite de luar no sítio onde planeava implantar a casa, como forma de melhor apreender o espírito do local para conceber um projecto em harmonia com a luxuriante paisagem.

Nos anos 80, a quinta foi adquirida pelo empresário do sector imobiliário António Xavier de Lima, e, após a morte deste, ficou ao abandono, exposta à degradação e ao vandalismo.

A propriedade ainda será da família de Xavier de Lima, empresário do ramo imobiliário, entretanto falecido, mas a autarquia não tem a certeza. Certo é que o palácio e a quinta estão à venda por 45 milhões de euros.

O imóvel está à venda, através da agência imobiliária Your Place e, segundo um colaborador, a propriedade é ainda dos herdeiros de Xavier de Lima. O filho do empresário recusou já, pelo menos, uma proposta de compra, por não lhe interessar o preço apresentado pelo comprador, bem abaixo dos 45 milhões pedidos pela empresa mediadora.

Abrigo da viúva de Kennedy
Entre as várias personalidades da aristocracia e da política que passaram pelo Palácio da Comenda a convite dos condes D’Armand, a mais conhecida é a viúva de John F. Kennedy, 35.º presidente dos Estados Unidos da América. Após o assassinato do marido, em 1963, Jacqueline Kennedy e os filhos recolheram-se na casa dos amigos franceses, procurando abrigo e conforto para a dor na paz única da Arrábida.  

Entre os muitos encantos da paisagem e do edifício, Jacqueline Kennedy terá certamente reparado num dos mais visíveis elementos da decoração do palácio; os seus muitos painéis de azulejos, da autoria da autoria do ceramista José António Jorge Pinto, que decoram diferentes áreas do edifício, tanto no exterior como no interior.

O património azulejar é precisamente um dos valores destacados pelo trabalho de estudo prévio ao processo de classificação. A autora, Isabel Sousa de Macedo, refere o painel, na fachada norte, de Nossa Senhora da Ajuda, em memória à Igreja que ali existia em local muito próximo, pintados por Jorge Pinto, e os painéis policromáticos que revestem a parede da galeria ou varanda do piso térreo, virada a sul, “sem confirmação de autoria, mas muito provavelmente do mesmo autor”. Na varanda do piso superior o silhar azulejar é significativamente distinto, a azul e branco, com motivos naturalistas. Na escadaria de acesso pelo fachada norte, um “magnífico” painel representava a própria Casa da Comenda, mas “encontra-se profundamente vandalizado”. No interior, à entrada, duas figuras de convite e silhar de azulejo de padrão.

A maior parte destes painéis já foi destruída, tendo sido roubados ou vandalizados, ao ponto de não haver um único quadro intacto. Mas existem registos fotográficos que, segundo Isabel Macedo, permitem a reprodução na quase totalidade.

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