Novas tensões inviabilizam plano de acção europeu para refugiados
Líderes da União Europeia continuam sem se entender quanto à entrada e recolocação de refugiados.
A Europa demonstrou mais uma vez, esta quinta-feira, a sua incapacidade para ultrapassar as profundas divisões sobre a gestão de fronteiras e fluxos migratórios e concertar uma resposta colectiva à crise de refugiados que ameaça tornar-se a maior crise humanitária do continente. Antes de se fecharem para o arranque da cimeira que o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, descreveu como do “vai ou racha”, os líderes do bloco perderam-se em acusações e recriminações que deixaram evidente que o consenso era impossível.
Decisões da Áustria, e novas exigências da Hungria, Polónia, Eslováquia e República Checa, anunciadas quase em cima da hora da reunião, enfureceram os restantes parceiros e os funcionários europeus que passaram as últimas semanas a acertar um rascunho que pudesse materializar-se num plano de acção concreto, baseado no acordo que os 28 assinaram com a Turquia, no sentido de travar o fluxo de refugiados no seu território.
Uma reunião pré-cimeira para aprofundar essa proposta com o primeiro-ministro turco, Ahmet Davutoglu, acabou por ser cancelada na noite anterior por causa do atentado junto ao Parlamento de Ancara, que matou 28 pessoas (e que os líderes europeus condenaram em comunicado). Assumindo o seu protagonismo nesse processo, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, disse que o cancelamento da reunião não impedia a discussão da “agenda para a imigração estabelecida entre a União Europeia e a Turquia”.
Aliás, a líder germânica considerou que essa discussão continuava a ser “prioritária”, uma vez que é nela que assenta a estratégia de resposta à crise: por um lado, a segurança das fronteiras; por outro, a responsabilidade pelo acolhimento das populações em risco. Para o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, o trabalho da cimeira resumia-se a “assegurar as condições para a implementação” dos planos já debatidos pelos Estados-membros, nomeadamente no último Conselho Europeu de Dezembro. “Dizer que a sua execução está a ser inadequada é ser muito simpático”, observou Juncker.
Em entrevista à Reuters, o comissário europeu com o pelouro das migrações, Dimitris Avramopoulos, disse que para além do acordo de cooperação assinado com a Turquia – que prevê uma transferência de três mil milhões de euros para que Ancara assuma a responsabilidade pelo alojamento e a integração das vagas de refugiados que chegaram ao país – a Comissão estava a trabalhar num “plano de contingência” para a recepção das famílias em fuga da guerra da Síria, e também para a sua redistribuição pelos vários países da União. “A Europa não vai fechar a porta a quem tem direito à protecção internacional. Mas vai estabelecer um sistema e vai dizer-lhes para onde vão”, assegurou.
No entanto, desafiando a posição de Berlim e de Bruxelas, o bloco oriental formado pela Hungria, Polónia, Eslováquia e República Checa veio exigir que uma solução alternativa, de fecho de fronteiras dos países que rodeiam a Grécia, fosse também considerada para impedir o acesso à Europa Central dos milhares de migrantes que desembarcam na costa helénica. “Parece-me que a solução para a crise de refugiados não passa pela construção de barreiras e muros nem pela promoção do racismo”, reagiu imediatamente o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras.
Quando chegou a Bruxelas, o chanceler da Áustria, Werner Faymann, confirmou que o seu país vai seguir precisamente por essa via, estabelecendo um limite para o número de entradas de refugiados e restringindo as passagens na fronteira a 80 por dia – uma decisão unilateral que não só põe em causa o esquema de distribuição equitativa dos candidatos a asilo por todos os parceiros, como viola normas europeias e legislação humanitária internacional. “A decisão está tomada e é para cumprir. Depois de 100 mil refugiados, não vamos dizer ao povo austríaco que fica tudo na mesma”, sublinhou o chefe do Governo. “É vergonhoso fazer um anúncio destes à entrada para a cimeira; só pode ser visto como uma provocação”, resmungava um dirigente europeu citado pela Reuters sob anonimato.
Para o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, o momento de crise exige que os líderes europeus sejam “pragmáticos” e não “sacudam responsabilidades”. “Esta crise só pode ser resolvida com unidade e solidariedade”, sublinhou, considerando incompreensível que até ao momento não tenha sido encontrado um entendimento mínimo que garanta a recolocação dos refugiados que entraram na Europa em 2015 nos vários Estados-membros. “Encontrar um lugar para dois milhões de refugiados entre 500 milhões de pessoas em 28 países não devia ser assim tão complicado”, lamentou.