Papa denuncia séculos de repressão e exploração dos povos indígenas
No estado de Chiapas, milhares de representantes das culturas indígenas mexicanas ouviram Francisco rezar missa na língua tzotzil. Cúpula da Igreja mexicana descontente com homenagem do Papa a bispo simpatizante da rebelião zapatista.
Além de enorme expectativa, a visita oficial de cinco dias do Papa Francisco ao México gerou grande dose de polémica – principalmente por causa da agenda marcada pelo Pontífice para esta segunda-feira no estado de Chiapas, o mais pobre de todo o país e onde se encontra a maior diversidade (e também conflitualidade) religiosa.
Em nenhuma das seis visitas papais anteriores ao México, Chiapas fez parte do roteiro. O estado, que é o centro da cultura maia e o maior símbolo do sincretismo religioso do país, ganhou proeminência mundial por causa da insurreição armada conduzida pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional, em 1994. A rebelião contra o Governo mexicano fracassou em duas semanas, mas o movimento em nome dos direitos dos povos indígenas persistiu até 2005, quando os zapatistas anunciaram o fim da luta armada.
Francisco reconheceu a importância de ambos para a vida local: numa celebração que reuniu mais de cem mil pessoas na cidade colonial de San Cristóbal de las Casas, e onde se ouviram orações nas línguas maias e outros dialectos indígenas, o Papa prestou homenagem ao antigo bispo de Chiapas Samuel Ruiz García, um religioso que enfrentou a hierarquia católica (no México e no Vaticano) para formar diáconos indígenas e que, suspeita-se, terá fechado os olhos à integração de vários catequistas católicos nas fileiras do Exército Zapatista de Libertação Nacional.
Mais do que honrar as suas tradições, o Papa lamentou o sofrimento de gerações de indígenas mexicanos, que foram vítimas de repressão, exploração e exclusão ao longo dos séculos e continuam a ser dos grupos mais vulneráveis e “incompreendidos” no país. Ao discurso político, Francisco juntou a sua mensagem ambiental, elogiando o compromisso dos povos indígenas com a preservação do seu mundo, e convidando os mexicanos a aprender com o seu exemplo de “relacionamento harmónico com a natureza”. “Entre os pobres mais abandonados e maltratados está o nosso oprimido e devastado planeta. Não podemos fazer-nos surdos face a uma das maiores crises ambientais da história”, considerou.
A viagem de Francisco a Chiapas “incomodou” a cúpula da Igreja mexicana e os chamados “coletos”, o nome dado às famílias tradicionais, herdeiras dos colonos europeus, que prometeram boicotar a cerimónia religiosa por causa da sua associação às “causas” indígena e zapatista. Mas como assinalaram vários vaticanistas, compreende-se que o Papa argentino, que sempre privilegiou o trabalho pastoral e o contacto com as parcelas mais desfavorecidas e negligenciadas da sociedade, tenha insistido em deslocar-se ao estado que alberga um terço da população indígena do México e que é um ponto de passagem obrigatório na rota de migração das populações da América Central em direcção aos Estados Unidos. Muitos destes migrantes fizeram uma paragem no caminho para poder ver o Papa; da vizinha Guatemala, das Honduras, e também de outros estados mexicanos, vieram líderes e representantes das comunidades indígenas – que participaram na missa e depois foram convidados para almoçar com Francisco.
Os sinais da harmonização da cultura dos povos nativos com as tradições católicas estiveram bem presentes na missa no estádio de San Cristóbal de las Casas. No altar principal, que replicava a escadaria do centro arqueológico de Palenque, um Cristo negro; no coro, marimbas, o instrumento típico do Sudeste mexicano. Além de ter autorizado que parte da homilia fosse rezada em tzotzil, e que as leituras fossem realizadas em dialectos indígenas (foi Francisco que “abençoou” a tradução dos textos litúrgicos para as duas línguas maias tzotzil e tzetzal, que são o idioma materno para a maioria da população de Chiapas), o Papa recitou passagens do Popol Vuh, o livro sagrado do povo quiché que narra a história da criação para os maias. Da multidão, vieram gritos de agradecimento: “Francisco, amigo, os índios estão contigo”.