A classe média francesa está bem e recomenda-se

Mia Hansen-Løve em grande forma e o melhor Téchiné dos últimos tempos no concurso de Berlim.

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Em L'Avenir, Isabelle Huppert traz a sua feroz inteligência de actriz para o papel de uma mulher em crise dr
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Quand on a 17 ans é um filme que acredita no futuro dr

O que é feito do cinema francês de "classe média"? Aquela geração de cineastas sóbrios, clássicos, atentos à narrativa e aos actores, algo burgueses é certo, mas sem excessivas pretensões autoristas, nem vontade de ceder ao popularucho, que terá tido em Claude Sautet o seu porta-estandarte nos anos 1970?

Cada vez mais entalada entre os extremos, essa linha média continua a existir, em menor número e sem o mesmo brilho de antes. Nos festivais de cinema ainda vão aparecendo bons ou maus exemplos do género (de Valérie Donzelli a Emmanuelle Bercot). Mas o que torna o concurso de Berlim 2016 interessante a esse nível é a sensação de "passagem de testemunho". De um lado (as senhoras primeiro) uma jovem, Mia Hansen-Løve, que tem vindo a crescer ao longo dos filmes; do outro um veterano, André Téchiné, talvez o verdadeiro herdeiro de Sautet, mas demasiado perdido em filmes menores ao longo dos últimos anos. 

O filme dela, L'Avenir, é uma espécie de versão moderna dos melhores retratos de mulher que Sautet assinou com Romy Schneider ou Téchiné com Catherine Deneuve. A escolha da autora de Um Amor de Juventude e Éden recaiu sobre Isabelle Huppert, que traz a sua feroz inteligência de actriz para o papel de uma mulher em crise. Em tempos uma jovem estudante de Filosofia que viveu intensamente os idealismos da juventude empenhada em mudar o mundo e depois "se aburguesou", Nathalie olha para a nova geração que pugna por uma política mais humana com alguma condescendência e outro tanto de simpatia. Afinal, ela já lá esteve. Mas, por mais intelectualmente realizada que se sinta, há que lidar com a vida: a colecção de ensaios que dirige não vende, as suas aulas são interrompidas pelas manifestações, a mãe tem de ser colocada num lar, e o marido anuncia-lhe que vai deixá-la por outra.

A vida não é burguesa nem radical, é apenas o que é, e Mia Hansen-Løve tece uma quase imperceptível teia de tonalidades para encorpar uma história aparentemente banal e aparentemente frágil. Tudo funciona por acumulação de pormenores, pinceladas discretas que vão compondo um retrato que só se compreende verdadeiramente quando visto por inteiro. Se Éden era uma saga em tom menor sobre uma geração "perdida", L'Avenir é um instantâneo de uma geração mais velha que se deixou ultrapassar pelos tempos; poderá o futuro de Nathalie ser mais do que apenas o seu passado?

Em comum com L'Avenir, o filme de Téchiné, Quand on a 17 ans, tem a mesma atenção às vibrações do mundo que nos rodeia (é um filme que dá tempo e espaço para todas as personagens terem uma história, uma vida própria). Mas se Hansen-Løve "subiu" para a geração dos seus pais, Téchiné "desceu" à geração dos filhos e dos netos (com a ajuda da sua co-argumentista Céline Sciamma, a autora de Bando de Raparigas).

Regressando à adolescência que lhe inspirou alguns dos seus melhores filmes, como Os Juncos Silvestres, Téchiné desenha um melodrama de repulsa e atracção entre dois adolescentes num liceu de província: Thomas, filho adoptivo de um casal de camponeses, e Damien, filho de um piloto militar e da médica local. A antipatia que ambos sentem um pelo outro não tem só que ver com as embirrações típicas dos grupinhos de liceu, há algo de mais subterrâneo a trabalhar. Ressabiamento social (classe operária/alta burguesia) ou familiar (filho adoptivo/filho natural), mas sobretudo a homossexualidade, assumida dificilmente num ambiente montanhoso de província como este, mas constantemente sublimada num comportamento hipermasculino.

Não é território desconhecido para Téchiné, a questão da homossexualidade e a adolescência são temas que atravessaram, separadamente e juntos, muitos dos seus filmes. Mas já não víamos o veterano francês com esta desenvoltura e esta elegância há bastante tempo, sempre evitando que o filme se transforme num panfleto ou numa "obra de tema". Ainda por cima, tem dois bons miúdos nos papéis principais – Corentin Fila e Kacey Mottet Klein, que conhecemos dos filmes de Ursula Meier. Quand on a 17 ans insiste que os adolescentes são sempre todos iguais quando têm 17 anos, mas este é um filme que acredita no futuro (ou num futuro) sem as dúvidas que L'Avenir levanta. A idade explica muitas coisas.

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