Especialista da ONU diz que Guterres tem de "remar contra a maré"

Professor de Relações Internacionais e ex-conslheiro de BAn Ki-moon enumera as dificuldades e vantagens da candidatura do antigo primeiro-ministro a secretário-geral das Nações Unidas.

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António Guterres, do Alto Comissariado para os Refugiados, juntou-se ao subsecretário da ONU para os assuntos humanitários, Stephen O'Brien, para lançar o Apelo Humanitário 2016 Denis Balibouse/REUTERS

O ex-conselheiro especial de Ban Ki-moon e analista da ONU Edward C. Luck acredita que António Guterres "estará, sem dúvida, entre os candidatos mais fortes" a secretário-geral das Nações Unidas, mas a sua candidatura terá de "remar contra a maré".

"António Guterres estará, sem dúvida, entre os candidatos mais fortes a próximo secretário-geral da ONU", disse Luck, professor de Relações Internacionais da Universidade de Columbia de Nova Iorque, em entrevista à Lusa.

A apresentação oficial da candidatura do antigo primeiro-ministro socialista, que até 31 de Dezembro passado ocupou o cargo de alto-comissário da das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), deverá acontecer ainda este mês, segundo revelou o Governo de Lisboa.

Explicando os argumentos do português, Luck disse que Guterres "foi, durante uma década, um eloquente defensor para o número cada vez maior de pessoas deslocadas à forca" e que a luta destas pessoas "será, com certeza, um dos mais urgentes desafios que o mundo enfrentará nos próximos anos."

Edward Luck disse também que, enquanto primeiro-ministro de Portugal, Guterres mostrou "ter a perspicácia política que será essencial num ambiente político internacional e geopolítico altamente complexo e muitas vezes contencioso."

"Além disso", lembrou, "os líderes da ONU geralmente vêm de pequenos ou médio poderes, como Portugal."

Na Carta das Nações Unidas estabelece-se que o cargo de secretário-geral é designado pela Assembleia Geral da organização, depois de aprovado pelo Conselho de Segurança, onde tem que passar pelo crivo dos cinco países com assento permanente e poder de veto: Estados Unidos da América, Reino Unido, Rússia, França e China.

Essa eleição, que decorrerá ainda durante este ano, é um processo complexo que envolve vários equilíbrios geoestratégicos e que obedece à necessidade de os candidatos preencherem diversos critérios.

Sobre os obstáculos que o português enfrentará, Luck salientou que "o campo de candidatos este ano é invulgarmente forte, uma vez que os Estados-membros começam a perceber quão importante é este cargo para fazer avançar uma agenda global progressiva que enfrente ameaças e oportunidades comuns."

Da Bulgária surgiram dois nomes, a directora geral da Unesco, Irina Bokova, que é apoiada oficialmente pelo Governo, e a comissária europeia para o Orçamento e Recursos Humanos, Kristalina Georgieva.

A Macedónia apresentou o nome do seu ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e actual presidente da Assembleia Geral da ONU, Srgjan Kerim.

Por seu lado, a Croácia apoia a candidatura da sua ministra dos Negócios Estrangeiros e Assuntos Europeus, Vesna Pusíc. Quanto à Eslovénia, apresentou o nome do ex-Presidente da República Danilo Türk.

Olhando para este grupo de candidatos, Edward Luck disse que "género e geografia não favorecem" António Guterres na eleição deste ano.

"Muitos membros expressaram a determinação de encontrar uma mulher altamente qualificada para o cargo, algo que seria inédito. Várias mulheres promissoras declararam a sua intenção ou aguardam nos bastidores", explicou.

O especialista explicou ainda que "um número de países, especialmente da Europa de Leste ou do mundo em desenvolvimento, parece sentir que este é o momento certo para a Europa de Leste ter o cargo."

"Por isso, apesar de Guterres ser soberbamente qualificado para tornar-se o próximo secretário-geral, o seu caminho será contra a maré", concluiu Luck.

António Guterres também reconheceu, na passada semana, que existem "muitas dificuldades" na sua candidatura, mas disse que entendeu ser seu dever manifestar essa disponibilidade.

"Não é fácil como é sabido, há um conjunto de circunstâncias complexas que rodeiam essa eleição, mas acho que é meu dever estar disponível, mas com muita tranquilidade", afirmou, depois de ter sido condecorado pelo Presidente da República Cavaco Silva com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade.