Despoluir a Baía de Guanabara, uma promessa adiada

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O lixo continua a ser uma ameaça às provas de vela na Baía de Guanabara RICARDO MORAES/Reuters

Uma das promessas ambiciosas que o Rio apresentou no seu dossier de candidatura ao Comité Olímpico Internacional foi despoluir a Baía de Guanabara. Ainda que as competições dos Jogos Olímpicos decorram em vários pontos da cidade, é nas provas náuticas que o Rio exibirá a sua imagem de cartão-postal. Um vislumbre do Pão de Açúcar e o mundo inteiro reconhecerá a cidade maravilhosa. Acontece que a Baía de Guanabara é o destino final dos esgotos domésticos de 16 municípios do Rio de Janeiro. A meta que o Rio se comprometeu a deixar como legado olímpico era o tratamento de 80% dos esgotos que chegam à baía – onde vão decorrer as competições de vela. Hoje já ninguém defende que essa meta vai ser atingida. “Não resta dúvida que a [despoluição da] Baía é uma promessa não cumprida”, diz Mário Andrada, director de comunicação do Comité Organizador dos Jogos Olímpicos do Rio.

O Comité do Rio-2016 faz questão de ressalvar que a meta nunca foi responsabilidade sua, mas sim do Governo estadual. “A gente persegue essa meta. Mas não para os Jogos”, diz ao PÚBLICO Cristiana Rocha, da Casa Civil do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Segundo ela, 51% dos esgotos são tratados actualmente.

A qualidade da água na Baía de Guanabara é questionada desde a escolha do Rio para sediar os Jogos Olímpicos. Em Julho do ano passado, a Associated Press (AP) encomendou testes a especialistas independentes e mostrou que os níveis de vírus presentes na água da baía, nos locais de competição, eram bastante elevados. Especialistas consultados por aquela agência alertaram que a saúde dos atletas corria risco caso estes viessem a ter contacto com o que descreveram como “o equivalente viral a um puro esgoto”. 

Em Dezembro, a AP divulgou os resultados de novos testes, que apontaram que as águas são contaminadas mesmo longe dos pontos de saída de esgoto. “Os níveis de vírus são tão altos nessas águas brasileiras que, se encontrássemos esses valores em praias aqui nos Estados Unidos, elas provavelmente seriam interditadas pelas autoridades”, disse uma virologista da Universidade do Texas à AP. Ao mesmo tempo, alguns velejadores estrangeiros alegaram ter apanhado infecções quando participaram em eventos-teste no Rio.

Torben Grael, 55 anos, é o brasileiro que mais medalhas olímpicas conquistou, num total de cinco, duas das quais foram de ouro. Ele faz parte de uma dinastia de velejadores – os tios foram a primeira geração a participar nos Jogos Olímpicos, em 1968 e 1972, seguidos de Torben e do irmão Lars. Os filhos de Torben, Marco e Martine, vão estrear-se nos Jogos do Rio, nas águas onde a família velejou toda a vida.

“Para a vela, o principal legado seria a despoluição da Baía de Guanabara. Isso não vai acontecer”, diz Torben no Rio Yacht Club, em Niterói. “Não há um investimento em instalações para vela – há um reaproveitamento de uma instalação já existente. Outros desportos terão campos desportivos, centros desportivos, estádios, e a gente não vai ficar com nada. O que a gente sonhava era ter uma melhoria das condições da baía e nem isso a gente vai ter. É um pouco decepcionante. Desde que o Rio é candidato às Olimpíadas a gente chama a atenção para o problema e desde 2009 para cá nada foi feito.”

Ainda assim, o coordenador técnico da equipa brasileira de vela não acredita que exista risco de contaminação dos atletas. “Eu velejei a vida toda aí e nunca tive um problema, os meus filhos também; ninguém que eu conheça teve doença por causa da qualidade da água.”

A principal fonte de preocupação para os velejadores é o lixo flutuante. “É muito lixo de toda a espécie. Você encontra sofá, muito saco e garrafa de plástico, muita embalagem.” Sofá? Muitas das “comunidades” que vivem em volta da baía – Torben refere-se a favelas – pertencem a municípios sem colecta de lixo. “As populações que moram indevidamente à beira dos rios, essas pessoas não têm colecta de lixo, então jogam no rio. Quando vem uma chuva forte, aquilo vai embora, é uma maneira de se livrarem do lixo. Tudo isso vem boiando aí.”

É pouco provável que esse lixo flutuante comprometa as provas de vela, como Torben Grael chegou a recear, até porque existem barcas colectoras de lixo junto às áreas de competição mais vulneráveis ao problema.

“A sorte da organização é que o evento é no melhor período do ano em termos de lixo”, diz Torben. “Tem poucas chuvas, tem ventos predominantes do mar, então é o período em que a água está melhor. Até mesmo o problema da proliferação de alga que deixa a água verde e depois cor de café não acontece muito no Inverno. A proliferação de alga é consequência da quantidade de matéria orgânica.” Pausa. “Cocó.”

A poluição da baía pode embaraçar os Jogos do Rio? “Espero que corra bem, apesar de tudo. A gente teve dois eventos-teste em que as coisas funcionaram. Se o papai do céu for bom três vezes connosco vai ser um sucesso.”

 

 

 

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