FMI prevê menos crescimento com travagem no consumo
Os técnicos do fundo não estão convencidos de que a estratégia de reposição dos rendimentos adoptada pelo Governo resulte numa aceleração da procura interna.
Apesar de o Governo ter decidido aumentar o salário mínimo, ir avançar com uma redução mais rápida da sobretaxa do IRS e prever uma reposição integral dos cortes salariais na função pública no decorrer deste ano, o Fundo Monetário Internacional (FMI) não acredita que essas políticas sejam suficientes para evitar uma travagem acentuada do consumo privado e uma taxa de crescimento menor do que a registada no ano passado.
No comunicado publicado esta quinta-feira no final da terceira avaliação pós-programa da troika a Portugal, o FMI apresentou previsões para a economia portuguesa que são muito mais negativas do que as do Governo, num cenário em que as debilidades estruturais do país e o seu elevado nível de endividamento se combinam com o desaparecimento progressivo de condições externas positivas para colocar a economia numa trajectória descendente.
O fundo prevê um crescimento do PIB em 2016 de 1,4%, um valor que fica abaixo dos 1,5% registados no ano passado. E que fica ainda mais longe das previsões do Governo, que no esboço do OE entregue inicialmente em Bruxelas aponta para um crescimento de 2,1% (na versão actualizada esse valor deverá ser menor por causa das novas medidas de redução do défice entretanto incluídas). As projecções do FMI são feitas tendo como base os planos apresentados pelo Governo no esboço do OE.
A principal razão por trás da previsão de um abrandamento da economia está na evolução que é esperada para o consumo privado. O FMI vê este indicador a passar de um crescimento de 2,7% em 2015 para 1,5% em 2016.
Esta travagem brusca faria com que o contributo da procura interna para o crescimento económico passasse de 2,2 pontos percentuais no ano passado para somente 1,5 pontos este ano.
Estes números estão muito longe daquilo que espera o Governo, que projecta um crescimento do consumo privado de 2,6% em 2016, mantendo o mesmo ritmo do ano passado. O executivo baseia esta previsão no facto de, com as medidas que já tomou e que planeia tomar, se registar no imediato um aumento do rendimento disponível dos portugueses.
Os responsáveis do fundo não acreditam que, no caso português, uma política como aquela que o Governo pretende seguir de aposta num aumento do rendimento das famílias através de estímulo orçamental e subida do salário mínimo possa vir a ter mais do que um efeito marginal no consumo e na actividade económica. Aliás, o FMI vê aquilo que aconteceu no ano passado – em que também com uma política orçamental expansionista (o excedente orçamental primário caiu de 3,5% em 2014 para 3% em 2015) e com a ajuda da conjuntura internacional a economia não acelerou tanto como o Governo previa – como um exemplo do efeito limitado deste tipo de estratégia.
Em 2016, com a possível redução dos efeitos positivos da conjuntura externa e com as debilidades estruturais da economia a fazerem-se sentir, o resultado poderá ser mesmo um abrandamento da economia, que o fundo prevê prolongar-se em 2017, ano para o qual estima um crescimento de 1,3%.
“Dado que a economia ainda enfrenta níveis de dívida elevados e restrições estruturais, o corpo técnico do FMI prevê que o crescimento diminuirá gradualmente à medida que se dissipe o impacto das condições externas favoráveis”, diz o comunicado emitido esta quinta-feira pelo fundo.
Outra fonte de diferenças consideráveis entre as projecções do Governo e as do FMI está nas exportações. Os técnicos do fundo estão claramente mais pessimistas do que o Governo em relação à evolução das economias dos parceiros comerciais de Portugal e antecipam que as vendas de bens e serviços ao estrangeiro cresçam 3,9%. O Governo prevê 4,9%.
Para além da procura externa, por trás desta projecção mais negativa poderá estar também a convicção de que Portugal poderá estar a perder competitividade nos mercados internacionais.
Já em relatórios anteriores, logo a seguir à saída da troika de Portugal, o FMI defendeu que, sem novas reformas estruturais, que tornem a economia mais competitiva, Portugal estava destinado a ver a sua taxa de crescimento a caminhar progressivamente para o seu nível potencial que neste momento é muito baixo, ficando pouco acima de 1%. Com o novo Governo, este tipo de avaliação manteve-se.
Ainda assim, apesar deste cenário de abrandamento da economia, o fundo antecipa a continuação de uma tendência de diminuição do desemprego, com a taxa a cair de 12,3% em 2015 para 11,5% em 2016. O Governo está mais optimista e acredita num valor de 11,2% este ano.