RSI pode já não estar a desempenhar o seu papel

Relatório do Eurofound divulgado esta quinta-feira recomenda política integrada para a família e sublinha importância de garantir rendimento mínimo para famílias desfavorecidas.

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Foram criadas mais cantinas sociais mas esta é uma medida meramente assistencialista Nuno Ferreira Santos

Não só caíram os valores como apertaram os critérios de acesso ao abono de família, ao subsídio social de desemprego, ao rendimento social de inserção, ao complemento solidário para idosos. E isso teve um "impacto negativo" nos indicadores de pobreza, privação, intensidade laboral, abandono escolar.

É o que refere um estudo publicado esta quinta-feira pelo Eurofound. Nada que já não tivesse sido dito por Karin Wall, coordenadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, que co-assina o relatório intitulado Famílias na crise económica: mudanças nas medidas políticas na UE.

"O apoio económico às famílias já era baixo comparando com a média europeia e afastou-se ainda mais dessa média desde o início da crise", diz a também coordenadora do Observatório das Famílias e das Políticas Sociais. "Nem só as famílias de classe média ou média baixa sofreram, também as pobres e muito pobres. Há uma desprotecção acentuada, com impacto negativo particularmente nas crianças”.

As prestações sociais estão a cair desde 2010. Em Dezembro de 2015, o Instituto de Segurança Social contava 1.119.222 crianças a receber abono – 1.844.558 em 2010. Nesse mesmo mês, 209.390 pessoas eram beneficiárias de RSI (526. 013 em 2010) e 166.174 de CSI (246.664 em 2010). Todas recuaram. E o novo apoio pensado para casais desempregados com filhos, que se traduz numa majoração de 10% no subsídio de desemprego, abrangeu um número muito reduzido.

Exemplar é o abono de família. Caiu por terem sido eliminados os dois escalões mais elevados (o 4.º e o 5.º) e alteradas as condições de acesso, mas também por efeito da diminuição da natalidade e da persistente emigração. Só famílias com rendimentos inferiores a 628,83 por mês continuaram a receber. E as crianças que ficaram de fora também perderam direito a outros apoios importantes para manter o percurso escolar, como, por exemplo, senhas de refeição, livros escolares ou passes dos transportes públicos, diz a estudiosa. A acção social escolar ficou confinada aos alunos do 1.º e 2.º escalão de abono; a comparticipação no passe também.

A sociedade civil mobilizou-se, mas depressa deu sinais de aflição com o número crescente de pedidos que lhe iam chegando. E o Governo criou um programa de emergência social em 2012, que inclui uma rede de cantinas sociais. “As pessoas, no terreno, acham que isso foi importante, mas é uma medida assistencialista, serve para aliviar a pobreza, não para a resolver”, sublinha Karin Wall.

Em Dezembro do ano passado, o novo Governo resolveu repor alguns valores de apoio às famílias mais carenciadas. Em Março, aumentaram os três primeiros escalões do abono de família: 3,5% para o primeiro escalão, 2,5% para o segundo escalão, 2% para o terceiro escalão. E aumenta em 15% a majoração do abono para crianças e jovens inseridos em famílias monoparentais.

Na mesma altura, o executivo decidiu aumentar o valor de referência do RSI (de 179,18 euros para 180,99 euros) e recuperar a velha escala de equivalência. Para lá do titular da prestação, em Março cada adulto voltou a valer 70% (não 50%) e cada criança 50% (e não 30%). Também foi restituído o valor de referência do complemento solidário para idosos: o rendimento anual dos beneficiários tem agora de ser inferior a 5022 euros (eram 4909 euros).

Para Karin Wall, as mudanças já introduzidas no âmbito do chamado “pacote rendimento”, indiciam que o novo executivo está atento à situação das famílias mais carenciadas, mas tal não basta. No seu entender, seria importante ter uma política integrada para a família e alguém a responder por ela.

A recomendação vale para a Europa inteira. O apoio às famílias é muitas vezes prestado de forma fragmentada e o resultado disso é desperdício de recursos económicos e financeiros, lê-se no relatório. Ora, “coordenação e integração são a chave para alcançar melhores resultados”. E uma estratégia integrada “requer o envolvimento de uma ampla rede de actores sociais”.

O estudo sublinha a “importância de providenciar um rendimento mínimo às famílias desfavorecidas”. A falta de rendimento adequado empurrou muitas famílias para a economia informal. Em Portugal, refere, o RSI é visto como o mais importante apoio social, mas pode já nem preencher este papel”, por causa dos cortes que sofreu e de ter sido excluída muita gente do conjunto de beneficiários.

Os peritos recomendam apoio na arte de conciliar cuidado e vida laboral. Lembram, todavia, que ter emprego não é a resposta única para a pobreza, tendo em conta a precariedade e a flexibilidade. "Também é preciso considerar a inclusão social e a participação. Reduzir os custos com transportes públicos, por exemplo, pode ter impacto.

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