Guterres considera uma "obrigação" candidatar-se a secretário-geral da ONU
Antigo primeiro-ministro socialista admite que corrida ao lugar de topo nas Nações Unidas "não é fácil". Felicitou Marcelo Rebelo de Sousa, de quem espera uma presidência que "corra bem para o país".
António Guterres admite que a corrida a secretário-geral das Nações Unidas “não é fácil” mas que, em todo o caso, está “inteiramente disponível e tranquilo” para a candidatura que deverá ser apresentada pelo Governo em Fevereiro. “Tudo o que aprendi ao longo da vida, em todas as enormes oportunidades que me foram oferecidas, cria-me a obrigação de estar disponível, numa lógica que foi sempre de serviço público e num mundo em situação muito difícil”, disse na noite desta segunda-feira, no Porto.
O antigo primeiro-ministro e, desde o início do ano, também ex-alto-comissário para os refugiados da ONU falava num debate sobre a resposta europeia à crise dos refugiados, na Fundação de Serralves. “Estas são coisas para as quais nunca se está preparado”, disse ainda sobre a sua candidatura ao lugar de topo na ONU.
O Governo anunciou há uma semana que iria apoiar o nome de António Guterres como possível sucessor ao sul-coreano Ban Ki-moon, que termina o mandato no final deste ano. Segundo apurou o PÚBLICO, o Executivo liderado por António Costa faz já rondas diplomáticas para garantir apoios à campanha de Guterres.
Conhecem-se alguns obstáculos à candidatura do ex-primeiro-ministro socialista: há vontade nas estruturas da ONU para que o próximo secretário-geral seja uma mulher e que, numa lógica de representação continental, venha de um país da Europa do Leste.
Mas Guterres, como admitiu no Porto, tem do seu lado fortes ligações na estrutura da organização. “Tive esta extraordinária oportunidade de trabalhar dez anos no apoio aos refugiados, algo que me abriu as portas a tudo quanto é vital nas relações internacionais”, sublinhou, citado pela agência Lusa.
Guterres tornou-se alto-comissário do ACNUR em Janeiro de 2005. Foi reeleito cinco anos depois para um segundo mandato que terminaria em Junho deste ano. Por recomendação de Ban Ki-moon, porém, a sua liderança no órgão de protecção aos refugiados prolongou-se até ao final do ano. Quando começou o mandato, recorda, existiam 36 milhões de pessoas deslocadas por conflitos. Em Dezembro de 2015 esse número superava os 60 milhões.
Schengen e Marcelo
Em vez de uma Europa mais unida para enfrentar a vaga de deslocados vindos, em grande maioria, de cenários de guerra, perseguição e conflito, Guterres diz olhar para sistemas europeus de asilo e livre-circulação – o espaço Schengen – em risco de “colapsarem”.
“No momento em que os europeus precisavam de se unir, infelizmente continuam a desunir-se, o que é péssimo para os refugiados”, argumentou na noite de segunda-feira. “As coisas, em vez de estarem a melhorar, estão a piorar.”
Guterres defende que o problema reside na ideia de que as novas chegadas à Europa – muitas de países islâmicos – representam riscos sérios para a segurança do continente, o que tem impedido uma resposta concertada entre Estados-membros. “Em alguns países europeus há a ideia de que o terrorismo é fruto dos movimentos de refugiados. Claro que pode haver tentativas de infiltração, mas o problema central da Europa do ponto de vista do terrorismo não é esse, é um problema interno", disse.
O ex-líder socialista defende que Portugal deve ter uma posição mais interventiva no debate europeu sobre o acolhimento de refugiados. O país “está longe” e, portanto, fora dos destinos mais populares para requerentes de asilo. Mas Guterres argumenta que Portugal teria “muito a ganhar” se recebesse mais asilados. Ajudaria a “vencer o seu problema demográfico”, afirmou.
Guterres, que era há muito visto como o mais forte candidato socialista num cenário de eleições presidenciais, felicitou ainda Marcelo Rebelo de Sousa pela vitória da véspera e disse esperar que o mandato do próximo Presidente da República “corra bem para o país”. “Que este acto permita que o país, agora que todos os actos eleitorais estão concluídos, entre em plena normalidade democrática”, afirmou.