Responsáveis da Cultura desconhecem objectivos operacionais da DGPC

Impacto da criação da Direcção-Geral do Património Cultural foi avaliado pelo Tribunal de Contas.

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O Mosteiro da Batalha foi o serviço dependente que obteve o maior número de visitantes em exposições temporárias em 2013-14, destacando-se em 2014 com Milagre – Elogio aos Painéis de Nuno Gonçalves, de J. Rosa G, mostra visitada por 279.289 pessoas Paulo Ricca

Quase metade dos dirigentes dos serviços da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) desconhece os objectivos operacionais da própria instituição e mais de dois terços não sabem os seus objectivos individuais. Esta é uma das conclusões do Tribunal de Contas (TdC) numa auditoria ao impacto da fusão de organismos que deram origem à DGPC com base num questionário efectuado aos responsáveis dos serviços dependentes da DGPC.

De acordo com a auditoria, que incidiu sobretudo nos anos de 2012 e 2013, a DGPC definiu objectivos estratégicos e operacionais sem, no entanto, identificar “as actividades e projectos” em concreto para atingir essas metas. O relatório nota que os objectivos foram alvo de uma revisão e monitorização “reportada periodicamente ao secretário de Estado da Cultura” mas não partilhada a todos os serviços dependentes da Direcção-Geral, criada em 2012.

“45% dos responsáveis pelos serviços afirmam não terem conhecimento dos objectivos operacionais e 75% desconhece os seus objectivos individuais, o que dificulta o processo de melhoria contínua das organizações que integram”, referem os juízes do TdC no relatório da auditoria divulgado nesta terça-feira.

Na dependência directa da DGPC estão o Convento de Cristo, os mosteiros de Alcobaça, da Batalha e dos Jerónimos, a Torre de Belém, o Panteão Nacional, os museus do Chiado, de Etnologia, Grão Vasco, Monográfico de Conímbriga, da Música, de Arqueologia, de Arte Artiga, do Azulejo, Machado Castro, Coches, Soares dos Reis, Teatro e Dança, Traje, e os palácios nacionais da Ajuda, Mafra, Queluz e Sintra.

Cada serviço deveria ter um plano operacional com os objectivos a atingir – acordados entre os responsáveis do serviço e o director-geral –, os projectos a desenvolver, os resultados esperados, o calendário das realizações e a previsão dos recursos necessários. “Quando assim não acontece, a monitorização e a avaliação dos resultados é de difícil concretização”, lê-se no relatório.

Em sede de contraditório, o então director-geral Nuno Vassallo e Silva informou ao TdC que já havia sido criado um grupo de trabalho “responsável pela elaboração do Plano Estratégico da Direcção-Geral do Património Cultural para o período 2015-2020”.

O Tribunal de Contas analisa ainda a actividade dos vários equipamentos culturais, concluindo que o número de visitantes a estes espaços tem vindo a aumentar desde 2012, com especial destaque para os meses de Verão. Em 2014 registou-se a maior afluência: 3.788.179 visitantes.

O número de bilhetes vendidos aumentou 4% face a 2013 e as receitas aumentaram ainda mais (28%). Situação que poderá ser explicada, segundo o TdC, “pela alteração, em Junho de 2014, das condições de ingresso nos serviços dependentes, nomeadamente o aumento do preço dos bilhetes individuais em vários equipamentos culturais”.

No que diz respeito às exposições temporárias, o relatório dá conta de um decréscimo do número de visitantes de 2013 para 2014. Enquanto em 2013 se fizeram 111 exposições, visitadas por 2.634.258 pessoas; em 2014, 105 exposições traduziram-se em 2.302.010 visitas. O Mosteiro da Batalha foi o serviço dependente que obteve o maior número de visitantes em exposições temporárias nestes dois anos, destacando-se em 2014 com Milagre – Elogio aos Painéis de Nuno Gonçalves, de J. Rosa G, mostra visitada por 279.289 pessoas. No ano anterior, Joana Vasconcelos batia o recorde da exposição mais vista de sempre em Portugal com a sua retrospectiva no Palácio da Ajuda (235.372 visitantes). É preciso, no entanto, fazer a distinção: a exposição da artista plástica era paga e a do Mosteiro da Batalha era gratuita.

A propósito da exposição de Joana Vasconcelos, e por se encontrar no período de incidência da auditoria, o Tribunal de Contas analisou também os contratos celebrados pela promotora Everything Is New, que fez a sua primeira incursão na produção de um evento deste género exactamente no Palácio da Ajuda. Seguiram-se depois mais duas produções, desta feita, no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa: Rubens, Brueghel, Lorrain – A Paisagem Nórdica do Museu do Prado e Os Saboias. Reis e Mecenas. Turim 1730-1750. Se as primeiras duas exposições tiveram um saldo positivo (771.260 euros e 49.320 euros, respectivamente), a mostra dos Saboias deu prejuízo com o saldo negativo de 153.132 euros. Atendendo ao contratualmente previsto, a receita arrecadada pela DGPC foi de cerca de 179 mil euros com Joana Vasconcelos, 63 mil com a exposição do Prado e 22 mil com Os Saboias. Reis e Mecenas.

O Tribunal de Contas não obteve, no entanto, “evidência do reporte diário” da venda de bilhetes à DGPC, “conforme previsto nos contratos celebrados com a empresa Everything is New", o que condiciona a supervisão e o controlo da execução financeira dos mesmos.

Falta de pessoal

A Direcção-Geral do Património Cultural resultou da fusão, em 2012, do Instituto dos Museu e da Conservação (IMC), do Instituto da Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar) e da Direcção Regional de Cultura de Lisboa e Vale do Tejo. Estes organismos eram compostos, no seu todo, por dez departamentos, 12 divisões e 39 serviços dependentes. Com a criação da DGPC, a estrutura orgânica foi reduzida a quatro departamentos, oito divisões e 22 serviços.

No questionário, “90% dos responsáveis dos serviços dependentes consideram que os recursos humanos que lhe estão afectos são reduzidos, nomeadamente  para as áreas de vigilância/segurança e de conservação e restauro”, queixando-se ainda da falta de formação de funcionários. A própria DGPC assume ter falta de pessoal e considera necessária a contratação de 49 pessoas.

Na sua maioria, os dirigentes destacam como pontos fortes deste processo de fusão “a centralização do processo de decisão, a criação de sinergias, de novas valências técnicas e maior racionalização de recursos". E “quanto aos pontos fracos, são apontados de forma mais frequente a perda de autonomia, o fundo de maneio insuficiente e a falta de capacidade de resposta.”

No programa de Governo para esta legislatura, o PS contestava já a “política precipitada de fusões institucionais que conduziu à desestruturação de organismos”, além de criticar a “redução cega de quadros e uma ausência generalizada de estratégia a médio e longo prazo” na área. O programa de António Costa promete ainda autonomizar as áreas dos museus e património, “garantindo para cada uma delas soluções que consagrem a especificidade da respectiva gestão e que evitem a mera fusão acrítica de assuntos e competências”. O PÚBLICO tentou contactar o Ministério da Cultura sobre este assunto mas não obteve resposta.

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