“Polónia está a seguir o livro de instruções da Hungria”

Paulo Rangel e Rui Tavares coincidem na ideia de que o está a acontecer na Polónia não é um episódio isolado, mas uma deriva autoritária.

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A Polónia aprovou uma lei que coloca os media públicos sob o controlo do novo Governo Reuters

Tanto o eurodeputado social-democrata Paulo Rangel como Rui Tavares, ex-eurodeputado independente e dirigente do Livre, duvidam de que a União Europeia (UE) inaugure com a Polónia o mecanismo de defesa do Estado de direito, um procedimento previsto no Tratado de Lisboa, e Rangel acha mesmo que avançar já para uma resposta tão dura poderia ser contraproducente, contribuindo para extremar a retórica soberanista.

Rui Tavares, dirigente do Livre e responsável, enquanto eurodeputado independente, por um relatório que propôs novas soluções para a UE lidar com países membros que violem os valores consagrados nos seus tratados, como a democracia ou o Estado de direito, acha que o Governo polaco “está a seguir o livro de instruções da Hungria” do primeiro-ministro Viktor Orbán, e por isso mesmo lhe parece improvável que a Europa desencadeie o mecanismo de defesa do Estado de direito, vulgo “artigo 7”, contra a Polónia, já que então dificilmente poderia deixar de tomar idêntica posição face à Hungria.

E lembra que as declarações mais duras partiram do comissário alemão Günther Oettinger, mas que é ao vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans – de quem se sabe apenas que enviou uma carta ao Governo polaco a pedir explicações –, que caberia desencadear um procedimento deste tipo.

Nem Rangel nem Tavares têm dúvidas de que aquilo a que se está a assistir na Polónia não é um episódio isolado, mas uma deriva autoritária. “Uma lei má não cria automaticamente uma ditadura”, reconhece Tavares, “mas quando há uma produção legislativa que vai toda no mesmo sentido, estamos perante uma regressão sistémica do Estado de direito”.

“Se logo que conseguem uma maioria absoluta, tomam medidas como estas, primeiro de limitação do Tribunal Constitucional e depois da liberdade de imprensa, temos um padrão extremamente preocupante”, diz Rangel. Um cenário que, confessa, o surpreendeu, já que, argumenta, o Partido Lei e Justiça, do primeiro-ministro Jaroslaw Kaczynski, “dava a esperança de não ir seguir este caminho”. Sendo “um partido de direita, com um eurocepticismo forte”, diz o eurodeputado, parecia estar “um pouco na linha dos conservadores britânicos, ainda que com uma carga religiosa e moral que estes não têm”.

Rangel acha que “isto não pode passar sem uma posição clara da UE”, mas advoga prudência, já que “uma reacção muito forte, que os faça perder a face, pode ter efeitos contraproducentes e contribuir para extremar uma retórica soberanista que depois se torne incontrolável”. E lembra que a estratégia mais “suave” usada com a Hungria “foi bastante eficaz e levou a que muitas leis fossem revertidas”.

Daí que encare com reservas – “por mim, deixava as coisas como estão” – uma das possibilidades que o relatório de Rui Tavares sugeria: a criação de uma “comissão constitucional”, formada por personalidades independentes que, sem interferência do Conselho Europeu, lidasse com situações como estas, podendo suspender, dentro dos limites estabelecidos pelos tratados, os mecanismos habituais de cooperação entre a UE e os estados membros que desrespeitassem os valores do Estado de direito.

O reconhecimento de um padrão consistente de atropelo a esses valores é a chave para avaliar a gravidade de cada caso, e não tanto uma ou mais leis criticáveis. Uma das linhas de defesa do Governo de Orbán, diz Rui Tavares, foi justamente tentar mostrar, caso a caso, que outros países europeus tinham leis comparáveis. “Até observou que Portugal também tem a ERC [Entidade Reguladora para a Comunicação Social]”, lembrou Rangel.

O actual vice-presidente da ERC, e secretário de Estado da Comunicação Social nos governos de António Guterres, Alberto Arons de Carvalho, também sublinha a gravidade das leis agora aprovadas na Polónia, e recorda que mesmo o fecho da televisão pública grega em Junho de 2013 – uma medida do governo de Antonis Samaras depois revertida pelo executivo de Alexis Tsipras – “não foi uma questão de ingerência política, mas uma decisão tomada por razões económicas".

Embora reconheça que "no Portugal dos anos 70 e 80, sempre que mudava o Governo, mudava a administração da RTP e muitas vezes também os directores”, Arons de Carvalho observa que “estamos em 2015” e que, mesmo nos anos 80, Portugal era “um caso um pouco estranho na Europa”.

E confirmando a tese de que a prática pode ser mais relevante do que o texto da lei, defende que “em Espanha, Itália, e até em França, houve períodos de governamentalização da comunicação social pública”, ao contrário do que acontece “nos países do Norte, onde as televisões são tradicionalmente independentes, mesmo quando cabe aos Governos nomear as administrações”.

O sociólogo e crítico de televisão Eduardo Cintra Torres vai mais longe e lembra casos como o recente afastamento de Nuno Santos da direcção de informação da RTP para defender que a intromissão do poder político chega ao presente. Mas tanto Cintra Torres como Arons defendem que a criação do Conselho Geral Independente, pelo ex-ministro Poiares Maduro, foi uma medida positiva para afastar o poder político da RTP.

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