Caracol do concelho de Alvaiázere à espera de um estatuto de conservação
Candidula coudensis não está ameaçado de risco de extinção. Mas um único incêndio pode pô-lo fora do mapa.
A história do caracol endémico português Candidula coudensis começou há sete anos. A espécie foi descoberta em 2008 por um casal inglês, junto à aldeia de Vale da Couda, no concelho de Alvaiázere, em Leiria. Em 2013 e 2014, turmas do curso de Biologia da Universidade Lusófona (UL), orientadas por professores, fizeram um périplo pela região para definir a área que o caracol habita e contar a sua população. Os frutos desse trabalho traduziram-se agora num estudo que propõe um estatuto de conservação desta espécie.
Segundo o artigo da revista científica PLOS ONE, o Candidula coudensis — com o seu esguio habitat de 13,5 quilómetros quadrados e uma população estimada entre 110.000 e 311.000 indivíduos — deverá ter o estatuto de conservação de “pouco preocupante” ou “quase ameaçado”, de acordo com as categorias da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN). Este é um sinal relativamente tranquilizador, pois qualquer uma das categorias mostra que a espécie não está imediatamente ameaçada de risco de extinção.
“É o comité da IUCN que decide o estatuto a atribuir”, diz ao PÚBLICO Gonçalo Calado, autor do artigo com Francisco Moreira e Susana Dias, os três investigadores da UL que coordenaram o estudo e foram para o campo com os alunos. Segundo Gonçalo Calado, o comité reúne-se de dois em dois ou de três em três anos para rever o estatuto das espécies.
Como a sua descoberta é muito recente, o Candidula coudensis ainda não tinha um estatuto de conservação. Mas o novo artigo será a base de decisão da IUCN, adianta Gonçalo Calado, e essa decisão terá implicações para o estatuto nacional da espécie: “O estatuto da IUCN não é oficial [para as autoridades portuguesas], mas é o primeiro passo para estas estarem de aviso, para quando houver uma revisão da Lista Vermelha das espécies portuguesas o caracol a poder integrar.”
De pedra em pedra
O PÚBLICO acompanhou a primeira viagem à terra deste caracol com os alunos da Lusófona, em 2013. Era um dia cinzento, com alguma chuva, em que estudantes e professores andaram a levantar pedras entre rochas calcárias e oliveiras plantadas nos socalcos dos montes.
Algumas vezes, por baixo das pedras, o caracol surgia. O Candidula coudensis tem cerca de um centímetro de comprimento. E a sua casca tem um ar rijo, com padrões mais claros e escuros entre a cor creme e castanha. Uma característica que sobressai, e que lhe dá um ar geométrico e rochoso, são as “costelas” — relevos longitudinais, repetidos paralelamente em espaços curtos, que vão até ao fim espiralado da casca.
Em 2008, quando a espécie foi descoberta por Geraldine e David Holyoak, os investigadores tiveram oportunidade de analisar as suas características anatómicas distintivas, como a casca ou os órgãos sexuais, e propuseram o nome em latim. Estes são apenas os primeiros passos para tirar uma espécie da escuridão do desconhecimento. O trabalho da equipa da UL iluminou mais um pouco a sua existência, ao ter analisado a área que habita, a sua abundância e os perigos que corre, como os compostos químicos aplicados nas oliveiras ou a construção civil.
“Em termos de população, o caracol não está mal”, diz Gonçalo Calado. Este número, entre 110.000 e 311.000 indivíduos, foi obtido graças ao trabalho de campo em que os alunos estiveram a contar caracóis em vários quadrados de cinco metros de lado, previamente definidos na área que o gastrópode habita. A partir desta contagem fez-se uma extrapolação do número total de indivíduos existentes no território.
Apesar de a população não ser pequena, há uma vulnerabilidade para o Candidula coudensis. “Tem uma área extremamente reduzida de ocorrência”, observa Gonçalo Calado. Grandes incêndios que ocorram na região podem, de uma só vez, ter um impacto decisivo na espécie.
No entanto, o caracol tem a sorte de existir numa área que pertence à Rede Natura 2000, rede estabelecida pela União Europeia que sujeita estes territórios a leis que protegem a biodiversidade. Daqui a uns anos, Gonçalo Calado quer voltar ao Vale da Couda e observar o Candidula coudensis para perceber se o seu habitat está a aumentar, a diminuir ou se se mantém igual.
Por enquanto, ainda não se sabe qual é a tendência da espécie. Mas quem quiser já pode marcar no mapa a sua área actual, e com isso ajudar a dar ao Candidula coudensis um lugar no universo zoológico português. “Ao darmos a conhecer este património, as coisas mudam de figura”, defende Gonçalo Calado, explicando que descobrir uma espécie é o primeiro passo para a sua conservação. “O pior é quando não conhecemos o património natural.”