Distribuir os fisioterapeutas pelas aldeias
A pensar sobretudo nos idosos, a Câmara de Vinhais assinou parcerias para levar serviços de enfermagem, fisioterapia e animação social a pessoas que vivem mais afastadas da vila. Ana Cristina Pereira (texto) e Adriano Miranda (fotos)
O primeiro foi Elias dos Santos Cordeiro. “Fui o primeiro a vir e aqui me mantenho. Venho com a minha mulher à fisioterapia. Ó! Quem tem muita idade está sempre a precisar destas coisas. Eu nem conseguia dormir de noite. Agora, durmo melhor – descanso, que era o eu que queria.”
Mora na aldeia de Valpaço, terra de lendas de mouras encantadas e tesouros escondidos debaixo de grandes rochas. Mora a dois quilómetros do antigo posto clínico de Curopos, a 16 quilómetros do centro de Vinhais, limite do distrito de Bragança, já na fronteira com a Galiza, Espanha.
O município é grande (694,76 km²), disperso (105 aldeias) e envelhecido (510 maiores de 65 anos por casa e 100 menores de 15). “De há uns anos a esta parte, o Estado [central] tem vindo a desresponsabilizar-se”, diz o presidente da câmara, Américo Pereira. “As extensões de saúde, mini postos de atendimento que existiam pelo concelho, têm vindo a encerrar. O centro de saúde têm vindo a perder uma série de especialidades. E há cada vez menos transportes públicos.”
A pensar sobretudo nos idosos, a autarquia assinou em 2011 parcerias com as instituições particulares de solidariedade social para levar serviços de enfermagem, fisioterapia e animação social a pessoas que vivem mais afastadas da vila. Já em 2013, aliou-se a algumas juntas de freguesia.
Treze das 29 freguesias contam com aquele serviço dois dias e meio por semana. No próximo ano, outras quatro deverão poder dizer o mesmo. “As freguesias limítrofes da sede de concelho não têm necessidade”, diz o chefe de gabinete, Pedro Miranda. Têm o centro de saúde próximo.
Se Elias dos Santos Cordeiro quisesse ir à fisioterapia ao centro da vila, tinha de percorrer 16 quilómetros para um lado, 16 quilómetros para o outro. Assim, só tem de percorrer dois quilómetros para um lado, dois para outro. “Acabaram com o transporte, acabaram com tudo. As aldeias têm pouca gente, mas a verdade é que assim acabam com a gente e com as aldeias”, protesta.
Uma carrinha verde, propriedade da junta, percorre Curopos/Vale de Janeiro, para trazer quem precisa de casa até ao antigo posto clínico, um edifício térreo, pintado de branco, que estava desactivado havia anos. “Não é para nós que faz mais diferença”, comenta Elias, que ainda conduz. “Nasci em 1930. Não me considero velho. Ainda vejo bem. Não tenho os reflexos de outrora, mas conduzo porque tenho necessidade. Quem não conduz fica isolado. Conduzo até Évora e até Coimbra quando é preciso. É onde tenho os filhos. Vou passar o Natal a Évora e não tenho chofer.”
Agrupam-se os homens num lado e as mulheres noutro, à espera de vez. “Aqui, até na igreja se usa isso”, ri-se o homem. “Há a teoria do machismo, sabe? Homens à frente e mulheres atrás. Agora já se vai misturando. Agora já alguns casais ficam juntos. Eu e a minha mulher nunca ficamos juntos.” A mulher ouve, em silêncio. Vem sempre com ele à fisioterapia. Ele queixa-se das costas, ela de um joelho. “Fui operada a um joelho este ano em Janeiro”, corrobora ela.
Gorbalina dos Prazeres não podia estar mais contente. “Quando tenho de ir a Vinhais, vou na carreira. Se for de manhã, posso ir às oito e meia e voltar à uma e um quarto. Se for de tarde, vou às duas e um quarto e volta às seis. Aqui é muito mais perto. E muito melhor. Venho na carrinha da junta!” Faz fisioterapia, aproveita para medir a tensão, a glicemia, o colesterol. “É a idade”, suspira. “Tenho 69 anos, quase 70. São os ossos gastos, as articulações gastas, tudo gasto. Fazia muito trabalho. Carregava sacos de batatas e o que fosse preciso, ai não.”
Queixam-se quase todos do mesmo. Palavra da fisioterapeuta Cristina Mota, parte da equipa que atende ali dois dias e meio por semana e em Vilar de Lomba outros tantos. “São as queixas que têm mais: coluna e os joelhos. Sempre trabalharam no campo. Força de braços. Muitos pesos. Quando é assim, a coluna e os joelhos sofrem muito. Também são as artroses que vão aparecendo com o declínio da idade, não é?”
Loucena Augusta, 85 anos, veio mudar um penso. “Feri-me numa perna. Curou-me o senhor enfermeiro. Bati num ferro. Estava ferrugento, o ferro. Se não estivesse aqui o senhor enfermeiro, eu tinha de ir a Vinhais todos os dias fazer o curativo. Isto foi muito fundo. Ele mandou-me lá por que eu não tinha a certeza de ter a vacina do tétano. Lá foram ver ao computador. Diz a mulher: abençoada senhora que tem as vacinas em dia. Tenho até 2022. Já não chego lá!”
Gorbalina está viúva há dois anos. Ainda está carregada de luto. Loucena já enviuvou há 45, já usa todas as cores que lhe apetece. “Não tenho barriga nem tenho nada”, diz ela. “A barriga nem nos talhos a querem! A gordura não presta para nada. Os homens é que estão uns barrigudos. Aquilo quando estão com a mulher, ai Deus do céu.” Todos se riem, as mulheres sentadas ao pé de Loucena e os homens um pouco abaixo. “A gente tem de dizer alguma coisa para passar o tempo”, justifica Gorbalina. “Se não, estávamos uns para os outros a olhar”, torna Loucena.
Tem de se despachar. Vai passar o Natal com as filhas, em Verim, logo do outro lado da fronteira, na província de Ourense. Não há quem não a compreenda. Muitos têm os filhos longe. E preparam agora as trouxas para lhes levar. Ainda há castanha, nunca falta porco bísaro, nem fumeiro. É antes do Natal que se faz mais matanças. O frio conservava melhor as carnes.
Àquela hora, em Rebordelo, outros fazem fisioterapia. “Aqui, em Curopos, é diferente. Estamos a começar”, avisa Cristina Mota. Lá, em Rebordelo, têm uma sala montada. “Aqui ainda não temos aparelhos”, torna. “Faço massagem para promover o alívio da dor, para poderem viver um bocadinho melhor. A dor é muito incapacitante. As coisas estão indo devagarinho…”
As instalações do Centro Social e Paroquial de Rebordelo só foram inauguradas em Agosto. Enquanto os idosos lancham e repousam um pouco, a fisioterapeuta Cristina Pires atende quem mora nas redondezas: um homem, de 52 anos, que sofreu um acidente vascular cerebral, e um jovem, de 21, que sofreu uma lesão num músculo, enquanto jogava futebol com a equipa da terra.
“Andava à beira da água. Andava à beira do rio. Andava à pesca”, conta José Alberto. Andava à truta no Rio Rabaçal, que se junta ao Rio Tuela, a Norte de Mirandela, para formar o Rio Tua, e sentiu-se mal. Cristina Pires põe-no “a fazer mobilização activa, passiva e resistida”. Quando terminar, irá para a passadeira e de lá para o step.
O lar está completamente inserido na comunidade, garante o director, Marcos Pimentel. Nem só quem mora nas casas frequenta o lar. Quem mora no lar também frequenta as casas. Alguns ainda tratam da horta. Não tarda a entrar na sala Anselmo, que, apesar de usar muletas, quase todos os dias vai ao café jogar sueca. “Passo mais tempo a ver que a jogar”, diz ele.
Pedro Miranda usa a palavra “engenharia”. “É difícil implementar no terreno”, comenta, convencido do valor do projecto, que, aliado ao apoio escolar, valeu a Vinhais o prémio de Município do ano 2014, na categoria Norte com menos de 20 mil habitantes, atribuído pela Universidade do Minho. “Um lar só está obrigado a ter um enfermeiro e um animador social a meio tempo, com este projecto passa a ter um enfermeiro e um animador social a tempo inteiro e abre-se à comunidade”, enfatiza. “E não é obrigado a ter um fisioterapeuta e passa a tê-lo. Para lá da qualidade do serviço, são técnicos que se fixam no concelho – se estão a trabalhar a tempo inteiro já compensa.”
“O tempo em que as câmaras se preocupavam exclusivamente com as infra-estruturas já lá vai”, considera Américo Pereira. “As infra-estruturas estão praticamente feitas. O grande desafio é a promoção do território, mas principalmente a ajuda aos mais desfavorecidos, nomeadamente crianças e idosos.” Recusa-se a falar em isolamento. “As pessoas normalmente têm o apoio dos vizinhos para conversar, para estar. Não me lembro de ver uma notícia de uma pessoa encontrada vários dias depois de estar morta em casa. Acho que isso nunca aconteceu em Trás-os-Montes.”