“Vamos demorar muito tempo a recuperar do aumento da pobreza”
Carlos Farinha Rodrigues, especialista em temas de distribuição de rendimento, diz que é cedo para saber se há um “ponto de inversão” nos níveis de pobreza.
Há um traço dominante que Carlos Farinha Rodrigues identifica nos números da pobreza publicados nesta sexta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). O economista, investigador na área da distribuição do rendimento, desigualdade e pobreza, descreve a “relativa estabilização” da taxa de risco de pobreza nos 19,5% de 2013 para 2014, mas nota que há “efeitos contraditórios” e que isso acontece depois de um forte agravamento da pobreza nos anos anteriores. “Não nos podemos esquecer que essa estabilização ocorre com valores muito mais graves do que aqueles que existiam antes da crise”.
Em declarações ao PÚBLICO sobre os indicadores divulgados hoje, o economista do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) matiza esses sinais distintos, sublinhado que “há uma redução da desigualdade muito ténue, há uma manutenção da pobreza em termos globais, mas há o acentuar de alguns factores de pobreza sectorial, nomeadamente ao nível dos idosos e a nível das pessoas com emprego e os desempregados que é muito preocupante”.
Para o economista – assessor do INE na área da distribuição do rendimento e das estatísticas das famílias – não se pode ainda falar de uma inversão depois desse aumento consecutivo da pobreza em 2012 e 2013. “Há claramente um ponto de estabilização que não sabemos ainda se é, ou não, um ponto de inversão – esperemos que seja – mas que nos mantém ainda muito longe dos valores anteriores à crise”. E alerta: “Em três-quatro anos agravámos imenso a desigualdade e a pobreza, vamos demorar muito mais tempo a recuperar. É muito mais fácil deixar agravar a pobreza em um ou dois pontos percentuais do que reduzi-la na mesma dimensão”.
Depois de aumentar de 17,9% em 2011 para 18,7% em 2012, a taxa de risco de pobreza voltou a registar um agravamento em 2013 para 19,5% e manteve-se em 2014 ao mesmo nível. Entre a população desempregada, a taxa agravou-se ao passar de 40,5% em 2013 para 42%, e também entre as pessoas que têm trabalho houve um agravamento, com a taxa a passar de 10,7% para 11%. É um sinal de que “cada vez menos ter emprego é uma vacina contra a pobreza”, insiste Carlos Farinha Rodrigues, lembrando uma frase dita ao PÚBLICO no início do ano. É preciso regressar a 2007 para se encontrar um nível de população empregada com um valor mais elevado (de 11,8%), diz.
Ao mesmo tempo, o indicador de desigualdade na distribuição dos rendimentos (o Coeficiente de Gini) diminuiu um ponto percentual face ao ano anterior, passando para 34%. “Há uma diminuição ligeiríssima nos principais indicadores de desigualdade, mas, para já, é um sinal”, frisa Carlos Farinha Rodrigues. Uma primeira explicação, enfatiza, tem a ver com o facto de, “após um período de retrocesso dos rendimentos, em 2014 o rendimento mediano das famílias subiu mais do que o rendimento médio – e isso muito à custa de uma subida mais contida dos rendimentos mais elevados”.
O agravamento fiscal de 2013 – com o “enorme aumento” do IRS lançado por Vítor Gaspar, com a alteração dos escalões de rendimento e subida das taxas – tem reflexos em 2014 e “tem, no fundo, um efeito relativamente equalizador sobre a distribuição, na medida em que contém a subida dos rendimentos mais elevados”, enquadra o investigador.