Activistas angolanos já estão em casa mas sob fortes medidas de vigilância
Os 15 acusados de actos preparatórios de rebelião passaram esta sexta-feira à situação de prisão domicilária. Julgamento é retomado a 11 de Janeiro.
Luena estava zangada com o pai, Luaty, que finalmente voltou a casa esta sexta-feira à tarde. Afinal, ele esteve fora seis meses, que se completam este domingo. É da ausência que a criança de dois anos tem consciência, não do que aconteceu com o Luaty Beirão e com os seus 14 companheiros que contestam o regime. Todos estão agora em prisão domiciliária, mas continuam acusados de “actos preparatórios” de rebelião e atentado contra o Presidente, José Eduardo dos Santos.
As primeiras atenções de Luaty foram para Luena. “Estou a tentar recuperar a minha filha, que está muito zangada”, desabafou pouco depois de chegar a casa para um dos advogados que defende os activistas, Luís Nascimento, que o contou ao PÚBLICO.
Já antes de regressar a casa, o rapper que com a sua greve de fome de 36 dias chamou a atenção para a situação dos detidos e dos direitos humanos em Angola, tinha admitido à agência Lusa que a prisão domiciliária é “um grande ganho” por lhe permitir voltar a ver a filha, seis meses depois.
“Fico parcialmente satisfeita só de saber que, numa época festiva, ele estará perto de nós, mas não deixa de ser preocupante, porque ele ainda continuará preso, dentro de casa e com as limitações que implicam a nova medida de coacção”, disse a mulher, Mónica Almeida.
Logo pela manhã, Luaty e os companheiros tinham sido levados ao Tribunal Provincial de Luanda, onde estão a ser julgados desde 16 de Novembro, para ouvirem o juiz-presidente Januário Domingos dizer qual é a nova medida de coacção e serem informados de que o julgamento será retomado no dia 11 de Janeiro. Depois de a sessão ter sido suspensa, abraçaram amigos e familiares e viveram-se, segundo o site Rede Angola, momentos de euforia. Os arguidos passaram ainda pela prisão-hospital de São Paulo, onde todos foram concentrados em Novembro, depois de meses em diversas cadeias.
Ao longo da tarde, os 15 foram levados para as suas casas, à volta das quais há agora a presença permanente da polícia. “Estamos felizes por estarem connosco, mas em contrapartida o aparato policial cria um constrangimento em relação à vizinhança”, disse ao PÚBLICO Esperança Gonga, mulher do arguido Domingos da Cruz. Junto à sua casa, estavam quatro polícias, três uniformizados e um à paisana.
Quatro polícias, um psicólogo e um reeducador social, é a composição dos grupos de vigilância de cada um dos detidos, segundo o porta-voz dos Serviços Prisionais. Em declarações à imprensa, Menezes Cassoma explicou que a “custódia” será assegurada 24 sobre 24 horas com o dispositivo montado à volta das residências, e que a entrada nas casas dos arguidos só poderá ser feita com autorização judicial ou dos donos.
A vigilância dos activistas implica, segundo o Rede Angola, a mobilização de mais de 150 elementos da Polícia Nacional e dos serviços penitenciários.
Os arguidos poderão receber visitas de familiares e amigos, mas não contactar com membros do Movimento Revolucionário – grupo anti-regime a que a maior parte dos arguidos assume pertencer – nem com pessoas cujo nome conste da lista do hipotético “Governo de Salvação Nacional” criado no Facebook e que a acusação diz que estaria a ser formado para substituir os titulares dos órgãos de soberania do país.
Foram também impostas, por exemplo, restrições ao tempo de utilização do telefone e está prevista a verificação de tudo o que entra e sai das casas incluindo do lixo – “um quadro dantesco”, nas palavras de Luís Nascimento.
A passagem à situação de prisão domiciliária segue-se a um acórdão do Tribunal Constitucional onde se diz que devia ser posto termo à prisão preventiva, tendo em conta o novo Regime Jurídico das Medidas Cautelares em Processo Penal aprovado em Setembro e que entrou em vigor nesta sexta-feira.
No mesmo dia do acórdão, 15 de Dezembro, o Ministério Público – representado no julgamento por uma procuradora identificada como Isabel Falçony, que aparece sistematicamente na sala de audiências com cabeleiras que lhe escondem a cara – apresentou um requerimento em que pedia a substituição da prisão preventiva pela domiciliária. O requerimento foi aceite por Januário Domingos.
A iniciativa do Ministério Público suscitou reservas aos advogados de defesa, por ter sido apresentado antes da entrada em vigor da nova legislação, embora Luís Nascimento tenha admitido que o regresso a casa iria “resolver muitos problemas" criados pelo prolongamento da detenção e arrastar do julgamento. Vários detidos tinham voltado à greve de fome antes de ser conhecida a passagem à situação de prisão domiciliária e um tentou mesmo suicidar-se, na segunda-feira.
O Procurador-Geral da República, João Maria de Sousa, justificou a antecipação com a necessidade de acelerar a medida de coacção imposta. “Tenha-se em conta que um dia a mais na cadeia, dois dias a mais na cadeia, para o preso é como se fosse uma eternidade, por isso sair sexta-feira ao invés de sair segunda-feira é um grande benefício”, disse, numa conferência de imprensa, na terça-feira. A libertação dos arguidos era pedida desde Setembro pela defesa, que invocava o excesso de prisão preventiva.
Terminada a fase de audição dos 17 arguidos – há também duas mulheres acusadas que estiveram todo este tempo em liberdade – em Janeiro o julgamento recomeça com a audição de declarantes. O tribunal quer ouvir militares, investigadores policiais e responsáveis dos serviços de segurança. A pedido da defesa foi também convocado o general António José Maria, Zé Maria, chefe do Serviço de Inteligência e Segurança Militar das Forças Armadas. Deverão também ser ouvidos dezenas de “declarantes”, entre os quais aqueles cujos nomes constam do hipotético “Governo de Salvação Nacional”.
“Acho escusado, não sei o que se pretende”, comentou ao PÚBLICO o advogado Luís Nascimento, prevendo que a longa lista de declarantes dê origem a uma “maratona” judicial. Rui Verde, especialista em Direito, que tem escrito sobre a detenção dos activistas no site Maka Angola, do activista e jornalista Rafael Marques, considera que “a primeira consequência” do caso foi “descredibilizar o sistema constitucional jurídico que estava a ser criado desde as eleições de 2008 e a Constituição de 2010, que queriam dar um aspecto de normalidade democrática a Angola”. Para ele, “em termos simbólicos” marca “o início do fim do regime”.
O suposto “governo”, uma das provas contra os activistas, reproduz uma discussão lançada em Maio na rede social Facebook por Albano Pedro, um advogado e professor de Direito de Luanda. Teria como Presidente da República interino José Kalupeteka, líder de um grupo milenarista dissidente da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Rafael Marques seria o ministro da Justiça e Direitos Humanos e Luaty Beirão ficaria com o cargo de Procurador-Geral da República. Ele que, por ora, tem apenas olhos para Luena.
Com Joana Gorjão Henriques