Bruxelas quer que refugiados registados na Turquia possam vir para a UE
“Ao tratar a Turquia como guardião das fronteiras europeias na crise de refugiados, a UE pode ignorar e até encorajar novas violações de direitos humanos”, avisa a Amnistia Internacional.
Na Turquia há 2,5 milhões de refugiados, incluindo 2,2 milhões de sírios, a maioria a viver em condições de grande precariedade. Depois da nova parceria com o país candidato à adesão desde 2004, a Comissão Europeia quer agora que os estados membros aprovem um esquema de admissão humanitário que permita a refugiados registados na Turquia serem reinstalados em países da UE. Denunciando detenções e deportações de refugiados, a Amnistia Internacional avisa que a UE se está a tornar-se cúmplice dessas violações, ao tratar os turcos como parceiros na crise dos refugiados.
A recomendação que a Comissão fez antes da Cimeira Europeia desta quinta e sexta-feira não estabelece nenhum objectivo em relação ao número de refugiados a acolher por esta via já que este estará dependente “de acções turcas que provoquem a redução sistemática do número de pessoas que atravessam ilegalmente as fronteiras da Turquia com a UE”. Ou seja, se o país diminuir as travessias ilegais será beneficiado com o novo esquema. Este ano, mais de 750 mil requerentes de asilo ou imigrantes fizeram este caminho.
Um grupo de oito estados membros, liderados pela chanceler alemã, Angela Merkel, vai reunir-se com o primeiro-ministro turco, Ahmet Dovotuglu, na quinta de manhã para debater o acolhimento de refugiados e a Comissão acredita que “serão feitos progressos até à próxima semana”. O novo esquema permitirá agilizar o processo de pedido de asilo, que não poderá demorar mais de seis meses.
O sistema é voluntário – e não seria expectável que não fosse, depois de os estados membros terem chumbado as quotas que a Comissão queria impor para redistribuir 160 mil refugiados que já estão na Grécia e Itália – e a grande dúvida será o número de pessoas que os países se disponibilizarão para receber, quando as ofertas de lugares para os 160 mil estão muito atrasadas.
Vários eurodeputados têm dúvidas que a Turquia seja um parceiro confiável para esta tarefa e a Amnistia Internacional avisa que a UE “se arrisca a ser cúmplice numa série de violações de direitos humanos contra refugiados e requerentes de asilo”.
Centros de detenção
Num novo relatório, a ONG descreve como o país tem detido ilegalmente muitos refugiados e obrigado outros a regressar para zonas de guerra, ao mesmo tempo que colocou centenas em autocarros, transportando-as para centros de detenção isolados – um deles em Erzurum (uma província no Leste) – onde não podem comunicar com ninguém. Destes, alguns passaram dias acorrentados e foram espancados antes de serem levados à força para os países de origem.
“Documentámos a detenção arbitrária de algumas das pessoas mais vulneráveis. Pressionar refugiados e requerentes de asilo a regressarem a países como a Síria e o Iraque não é só questionável, é uma violação da lei internacional”, disse esta quarta-feira John Dalhuisen, director da AI para a Europa e a Ásia Central.
Quando a ONG fala de “cumplicidade” não está só a referir-se a este novo plano de admissão voluntária, mas à nova parceria assinada em Novembro. Os estados membros decidiram dar ao país 3 mil milhões de euros (ao longo dos próximos dois anos), facilitar os vistos para turcos e relançar o processo de adesão em troca do reforço do controlo das fronteiras e da melhoria de vida dos refugiados. “Ao tratar a Turquia como guardião das fronteiras europeias na crise de refugiados, a UE pode ignorar e até encorajar novas violações de direitos humanos”, defende Dalhuisen, que pede a Bruxelas para “cessar esta colaboração até estas violações serem investigadas e deixarem de acontecer”.
De acordo com a AI, a Turquia só começou a deter e deportar refugiados de forma sistemática em Setembro – até aí demonstrava “uma abordagem geralmente favorável e humanitária".
Grande parte do dinheiro que a União decidiu dar a Ancara deve ser usado na construção e melhoria de campos e centros de acolhimento. Ora a AI diz ter visto etiquetas de camas e armários do centro de detenção de Erzurum onde se publicita que foram comparados com fundos do programa de pré-adesão à UE. Mais: “Responsáveis da UE em Ancara confirmaram à Amnistia que os seis centros de recepção financiados com o dinheiro europeu vão ser realmente campos de detenção”.
Citando exactamente notícias de deportações forçadas e ilegais vindas da Turquia, Malin Björk, eurodeputada sueca (Esquerda Verde Nórdica), afirmou-se preocupada com um plano deste tipo. “A União Europeia preocupa-se menos com as questões humanitárias quando os problemas acontecem fora das suas fronteiras, por isso penso que seria muito perigoso”, disse Björk num encontro com jornalistas europeus, a semana passada em Bruxelas. Para Björk, esta é uma forma de pôr outros países “a fazer o nosso trabalho sujo”.