Propostas diferentes do PS e PCP empurram desfecho da sobretaxa de IRS
PS desce sobretaxa de IRS para 1% para quem está no segundo escalão. PCP fez contraproposta. Cláusula de salvaguarda evita que, por causa das alterações, alguns contribuintes subam de patamar.
Depois de o PS e o PCP terem apresentado nesta terça-feira duas propostas distintas para reduzir a sobretaxa de IRS em 2016 em função dos escalões de rendimento, só nesta quarta-feira deverá ficar clarificada a solução encontrada entre os partidos à esquerda para garantir a aprovação desta medida no Parlamento ainda esta semana. O assunto terá de ficar resolvido já na votação na especialidade na comissão de orçamento e finanças (onde apenas têm assento os grupos parlamentares do PSD, CDS, PS, Bloco de Esquerda e PCP), para que a redução da sobretaxa seja aprovada em votação final global no plenário de sexta-feira.
O líder da bancada comunista, João Oliveira, escusou-se a antecipar o sentido de voto do PCP, caso as suas propostas sejam chumbadas na especialidade. Até ao final desta terça-feira ainda não era claro se os dois partidos se preparam, na discussão na especialidade, para conciliar as duas propostas ou se vingará a solução do PS que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, apresentou no Parlamento, onde foi ouvido na comissão de orçamento e finanças.
Para os rendimentos mais baixos, do primeiro escalão de rendimento, já decorre para a esmagadora maioria das pessoas a isenção da sobretaxa por causa das regras de tributação do IRS (no ano passado abrangeu cerca de 3,4 milhões de agregados familiares). O valor exacto do rendimento anual que actualmente está isento é de 7070 euros (valor que consta da proposta do PS), mas com o aumento do salário mínimo em 2016 para os 530 euros ficam isentos os contribuintes com um rendimento colectável até aos 7420 euros anuais.
Em resposta a questões enviadas pelo PÚBLICO, o Ministério das Finanças assegurou que quem está isento da sobretaxa “não fará retenção na fonte”, da mesma forma que todas as “retenções na fonte serão ajustadas aos escalões e isenções que a lei determinar”.
Na proposta do PS, para os contribuintes do segundo escalão (rendimento colectável dos 7000 aos 20 mil euros), a sobretaxa de IRS desce dos actuais 3,5% para 1%. Neste patamar, onde estão cerca de um milhão de agregados familiares, a descida é maior do que a prevista na primeira proposta apresentada pelos socialistas. Na prática, a sobretaxa de 1% aplica-se assim a quem tiver um rendimento colectável que vai dos 7420 euros aos 20 mil euros por ano.
Para o terceiro escalão, os rendimentos colectáveis entre 20 mil a 40 mil euros por ano, a sobretaxa é reduzida a metade, descendo para 1,75%. Nesta situação estão cerca de 364 mil agregados familiares.
Já para quem tem rendimentos entre 40 mil e 80 mil euros, a redução será menor do que a prevista inicialmente pelos socialistas. A sobretaxa desce para 3%. Há cerca de 80 mil famílias neste quarto escalão de rendimento. No patamar mais alto, para quem tem rendimento colectável acima dos 80 mil euros por ano, a sobretaxa vai manter-se nos 3,5% no próximo ano, estando apenas previsto o fim da medida no ano seguinte.
Já o PCP propôs que, para além de quem está no patamar de rendimento mais baixo, também os contribuintes do segundo escalão deixem de pagar já a sobretaxa; e ainda para que quem está no terceiro patamar pague 1,75%, mantendo a taxa nos 3,5% para rendimentos acima dos 40 mil euros anuais.
Linhas vermelhas
O ponto de partida para estas alterações foi o projecto inicial do PS que previa reduzir a sobretaxa de 3,5% para 1,75% para todos os contribuintes em 2016, sem diferenças entre os cinco escalões de rendimento, e tendo em conta o princípio da neutralidade orçamental.
Na audição do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, o deputado do PCP Miguel Tiago questionou o governante sobre o que representaria em termos orçamentais o fim imediato da sobretaxa no primeiro e no segundo escalão. Fernando Rocha Andrade assumiu que aquele cenário foi testado. “Um dos exercícios foi o de estender essa isenção à totalidade” até aos 20 mil euros, mas para isso o terceiro escalão teria de ter uma tributação de pelo menos 2,75% em vez dos 1,75%, respondeu.
Para evitar que alguns contribuintes, por causa do desagravamento da sobretaxa e o aumento do rendimento, passem para o escalão de rendimento seguinte e fiquem prejudicados, o Governo vai aplicar uma cláusula de salvaguarda relativa a estas situações, esclareceu ao PÚBLICO o Ministério das Finanças, depois de a questão ter sido suscitada na audição parlamentar.
Em declarações aos jornalistas, o líder parlamentar comunista, João Oliveira, escusou-se a assumir falta de entendimento e dizer qual será a posição do PCP sobre as propostas do PS. “Vamos fazer tudo para que estas propostas sejam aprovadas, correspondem a objectivos de justiça social”, disse, remetendo para a discussão do Orçamento do Estado para 2016 a procura de outras fontes de receita que possam compensar este esforço.
Certo é que o Bloco de Esquerda já deu o seu acordo e vai votar favoravelmente a proposta do PS (foi o acordo possível, segundo os bloquistas). Se Os Verdes e o PAN não estão presentes na comissão de orçamento e finanças, o sentido de voto dos dois partidos pode ser determinante para aprovar as propostas dos socialistas em plenário, caso o PCP não as vote favoravelmente. A posição do PEV será favorável às propostas do PS, tendo em conta o que foi estabelecido no acordo com os socialistas. O PÚBLICO tentou perceber qual o sentido de voto do deputado do PAN - Pessoas Animais Natureza, mas sem sucesso. Do lado do executivo, a ideia é que, estando em causa uma proposta, ainda pode sofrer alterações.
Durante o debate, os deputados do PSD e do CDS-PP colocaram a tónica nas bandeiras eleitorais de cada um dos partidos à esquerda, acusando o BE e o PCP de terem recuado em relação às suas pretensões. “Eu estive aqui foi muitos anos a debater com quem achava que não tinha [de haver modelação na redução da sobretaxa]”, ironizou Cecília Meireles.
À acusação da deputada centrista de que o BE inverteu os compromissos eleitorais, Mariana Mortágua respondeu que o Bloco “não está a governar” e argumentou que PS, BE, PCP e Os Verdes já conseguiram “mais nas negociações” à esquerda do que o que aconteceu quando o CDS “teve de romper todas as linhas vermelhas” para manter a anterior coligação de Governo.
Para Cristóvão Crespo, do PSD, a proposta dos socialistas é a “prova da falha do compromisso do PS, para não falar da falha de compromisso do PCP e do BE”.