“Ranking alternativo” mostra que em muitas escolas é raro chegar-se ao 9.º sem chumbar

Em 181 escolas do país — 17% do total —, nem um quarto dos alunos consegue ter um “percurso limpo” de chumbos, tal como ele é definido pelo ME. Há escolas onde ninguém consegue.

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Os colégios também estão à frente neste novo ranking Foto: Miguel Manso

A Secundária Públia Hortênsia de Castro, em Vila Viçosa, e a Básica D. Dinis, em Quarteira, foram as duas escolas onde menos alunos tiveram um “percurso de sucesso” quando comparadas com outras que receberam, à partida, alunos com o mesmo nível de desempenho. É o que mostra o Indicador da Promoção do Sucesso Escolar, este ano divulgado pelo Ministério da Educação (ME). A primeira destacou-se, pela negativa, no 3.º ciclo do ensino básico. A segunda, no 2.º ciclo.

O que mede, no essencial, este indicador, é isto: qual a percentagem de alunos de cada escola que obtém classificação positiva nas duas provas finais do ensino básico (Português e Matemática), após um percurso sem retenções nos anos anteriores? Ou seja, quantos alunos conseguem em cada escola “percursos limpos”, como lhes chama o ME, sem chumbos?

O Indicador da Promoção do Sucesso Escolar permite, na prática, criar um “ranking alternativo” — e foi o que fez o PÚBLICO a partir dos valores fornecidos pelo ME. Aqui não são as médias nos exames que contam. Aparecem em primeiro lugar as escolas básicas que têm um Indicador da Promoção do Sucesso Escolar mais alto e, no fim, as que têm um indicador mais baixo.

Em 181 escolas do 3.º ciclo (17% das 1042 para as quais há dados) menos de um quarto dos alunos que entraram para o 7.º ano de escolaridade em 2012/13 conseguiu chegar a 2015 com um “percurso limpo”, medido desta forma. Há escolas que têm mesmo 0% de “percursos limpos”, como se verá adiante.

O ME também forneceu dados para o 2.º ciclo. Mostram que houve 56 escolas (cerca de 6% das 1001 para as quais há dados) onde a percentagem de “percursos limpos” foi igualmente inferior a 25% — são escolas onde a esmagadora maioria dos alunos entraram no 5.º ano em 2013/14 e, das duas, uma: ou chumbaram logo nesse ano; ou chegaram ao 6.º ano mas não conseguiram positiva nos exames finais.

Quem fica bem na fotografia
Explica o ME na nota metodológica que acompanha estes dados: com este novo indicador, “o desempenho dos alunos de uma escola A é comparado, não com uma média nacional única e absoluta, mas sim com uma média nacional construída especificamente para grupos de alunos que, em termos de desempenho escolar anterior, eram semelhantes”.

Outra vantagem: um dos efeitos perversos frequentemente apontado ao “ranking de escolas tradicional”, feito a partir da comparação de médias de exames, é o de poder levar algumas escolas a sentirem-se tentadas a chumbar os alunos mais fracos para que eles não lhes “estraguem” a média de escola se forem a exame. “O indicador não premeia a retenção excessiva na escola e também não premeia a selecção de alunos à entrada”, escreve o ME.

No topo deste “ranking alternativo”, a Didáxis - Escola Cooperativa de Vale S. Cosme, em Vila Nova de Famalicão, e o Colégio Miramar, em Mafra, duas privadas, ocupam o primeiro lugar. A primeira, no 3.º ciclo. A segunda, no 2.º.

As escolas públicas que melhor ficam na fotografia são, no 3.º ciclo, a Básica de Pampilhosa n.º 2, na Mealhada, e a Básica de Manhente, em Barcelos, e, no 2.º ciclo, a Básica de Ribeirão, Vila Nova de Famalicão, e a Básica de São João da Madeira.

Neste especial Rankings encontrará uma reportagem onde se conta que escolas são estas — que ambiente se vive nelas, que percurso têm feito, quantos alunos conseguem um “percurso limpo” e quantos seria expectável que tivessem esse percurso?

0% de “percursos limpos”
Os dados do ME mostram ainda, como se disse, que há escolas com 0% de “percursos limpos”. No 3.º ciclo acontece na Secundária de Sacavém e na Escola Básica Professor Óscar Lopes, em Matosinhos. Ainda assim, o valor dado a estas duas escolas no Indicador da Promoção do Sucesso Escolar está longe de ser tão baixo como noutras. Essencialmente por duas razões: o que se esperava delas já era pouco (houve escolas que ficaram muito mais aquém da média expectável para o tipo de crianças e jovens que receberam) e o número de alunos com que lidaram foi mais reduzido — o número de alunos é ponderado na “classificação” que cada escola recebe do ME neste indicador.

Na escola de Matosinhos ninguém se mostrou disponível para falar ao PÚBLICO porque o agrupamento a que pertence tem sido dirigido, desde 24 de Agosto, por uma comissão administrativa provisória. Já na Secundária de Sacavém, Carlos Candeias, o director do Agrupamento Eduardo Gageiro, onde a escola se insere, explica detalhadamente o impacto de estar situado “numa zona mesmo muito complicada”.

Mas antes, os números. A média “esperada” de “percursos de sucesso” nesta escola era de apenas 7% — ou seja, apenas 7% dos alunos do resto do país com perfis idênticos ao da escola de Sacavém tiveram um “percurso de sucesso”.

A fasquia era baixa, mas, segundo os dados do ME, nenhum dos 21 alunos que em 2012/13 entraram no 7.º ano na Secundária de Sacavém conseguiu uma classificação positiva nas duas provas (Português e Matemática) no final do 9.º, em 2015. Os restantes que prestaram provas ou entraram na escola há mais tempo (já haviam chumbado), ou não foram simplesmente contabilizados pelo ME por, a meio do ciclo, terem sido transferidos de outras escolas — é essa a regra do ME neste estudo, se há mudanças a meio do ciclo, os percursos dos alunos entram na escola de origem.

Carlos Candeias discorda deste método. Diz que a escola teve cerca de uma dezena de alunos com percursos limpos, que iniciaram o 3.º ciclo, na maioria dos casos, na Escola Básica Bartolomeu Dias, e que a meio do ciclo foram para a Secundária de Sacavém. “Mas a Bartolomeu Dias é uma escola do mesmo agrupamento da Secundária de Sacavém, fica quase do outro lado da rua, os professores que davam aulas lá, dão cá. As turmas mantiveram-se, simplesmente decidimos que os alunos do 3.º ciclo deveria concentrar-se na Secundária de Sacavém... por isso, é injusto que esses alunos não entrem no estudo do ME, porque a escola aparece com 0% de percursos limpos quando teve 12%.”

É certo que há dificuldades. Famílias marcadas pelo desemprego, de “bairros com conflitos”, como a Quinta do Mocho, alguns alunos com história de “ocorrências disciplinares graves”, que são transferidos de outras escolas, marcam o dia-a-dia deste estabelecimento. “Temos trabalhado muito a questão da melhoria da indisciplina, com uma série de medidas de tolerância zero, que têm sido compreendidas pelos alunos. Por exemplo, se um professor manda um aluno sair da sala de aula e esse aluno se opõe à saída, tem um dia de suspensão e hoje são os próprios alunos a dizer aos que não querem sair: ‘Sai, senão levas um dia de suspensão!’”, conta Carlos Candeias.

“Depois, há um gabinete de apoio, que trabalha com estes alunos. Temos conseguido. E temos melhorado a imagem da escola. Deixou de haver confusões à porta — havia muitas vezes, era preciso vir a polícia de intervenção, o que dava a pior imagem possível.” E continua: “Os dados da Escola Segura, no seu balanço sobre as escolas da zona oriental de Loures, mostram que em quatro anos conseguimos deixar de ser das escolas com mais roubos, furtos e conflitos e estamos no topo da tabela — é outro ranking.”

“Agora, o que mais nos desanima são os resultados escolares”, prossegue. Tem havido um “aumento da exigência”, criaram-se salas de estudo (porque os pais destes alunos não têm dinheiro para pagar explicações), a escola até recebeu do ministério créditos horários para ter mais docentes disponíveis, diz Carlos Candeias.

Os efeitos começam a ver-se. No 9.º, em 2013, a escola teve 1,66 de média nos exames de Português e Matemática; em 2014 teve 2,22; em 2015 teve 2,36. No secundário, a média nos oito exames mais concorridos foi 6,57, em 2013, 8,04, em 2014, 9,61, em 2015... Mas tudo acontece muito devagar nesta escola que, por estar integrada num “território educativo de intervenção prioritária”, consegue ter uma verba para garantir lanches e pequenos-almoços aos que passariam fome de outro modo. “Gostávamos muito de estar melhor nos rankings porque o esforço que fazemos não é pior do que o de outras escolas. Mas vamos conseguir, com certeza, melhorar.”

“Retenção é um sério problema”
Maria Álvares, investigadora Instituto Universitário de Lisboa, tem estudado as questões do insucesso. Sobre os novos indicadores que o ME passou agora a fornecer diz que são uma boa notícia. Mas que é preciso esperar algum tempo até termos uma série temporal de dados para cada escola que nos permita identificar “casos crónicos” de insucesso.

“As escolas convivem com realidades sociais e económicas muito diferentes e possuem estratégias distintas para fazer frente aos problemas que enfrentam. Agora, com estes novos indicadores, podemos comparar o que é comparável”, diz Maria Álvares. E podemos “analisar os efeitos de programas nacionais” de combate ao insucesso, sublinha.

Uma coisa parece certa: “O uso excessivo da retenção é um sério problema em Portugal mas o ME não tem feito um esforço à altura para criar alternativas. É necessário um reforço de competências e de recursos das escolas e das comunidades locais que lhes permita responder ao insucesso escolar com mais e melhor trabalho pedagógico e social. Dando as condições certas, as escolas podem ser responsabilizadas pelo uso excessivo da medida facilitista — e perniciosa em muitos casos — que é a reprovação.”

Retenções para quê?

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