Prémios em horas: apostar em Português e Matemática, que “o resto é paisagem”

O ministério de Nuno Crato criou uma espécie de prémio para as escolas que se destacam na eficácia educativa e na redução do abandono. Escolas aplicam-no nas disciplinas que dão prémio.

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Este ano foram premiadas com horas extra 274 escolas ou agrupamentos – cerca de um terço do total Cláudia Ribeiro/NFactos

Imagine que estava a gerir uma escola e de repente lhe ofereciam um crédito extra correspondente ao pagamento de 50 horas de trabalho. Com ele poderia pagar a um psicólogo ou a um assistente social, contratar mais dois professores, pedir aos que já estão na escola que dessem apoio a alunos com dificuldades, que partilhassem a sala de aula com um colega (para oferecer um ensino mais personalizado) ou que dinamizasse um clube, por exemplo. O que faria? 

Aquela foi a questão que se colocou a António Mendes, que dirige o agrupamento de Escolas General Humberto Delgado, em Loures. E a resposta foi: reforçar os apoios ao ensino de Matemática e de Português – as disciplinas com exames no 6.º, no 9.º e no 12.º ano cujos resultados, por sua vez, são decisivos para voltar a receber parte das tais 50 horas extra.

A situação não é ficcionada. Todas as escolas recebem um determinado número de créditos horários – é assim que se designa o pagamento de horas que as direcções podem gerir – em função do número de alunos, de turmas, de professores e de outros factores mais ou menos objectivos. 

Mas, em 2012, o Ministério da Educação de Nuno Crato decidiu atribuir 20 horas extra, em jeito de prémio ou de incentivo, tendo em conta aquilo a que chamou eficácia educativa de cada escola – a evolução ao longo do tempo dos resultados escolares; a aferição dos resultados internos (as notas atribuídas pelos professores) com os externos (as classificações nos exames) e o sucesso (taxas de conclusão). Mais tarde somou-lhe outro prémio de mais 30 horas para a redução da percentagem dos alunos em abandono escolar ou em risco de abandono (quando faltaram mais, por exemplo). 

Este ano foram premiadas 274 escolas ou agrupamentos – cerca de um terço do total. Destas, oito conquistaram o máximo possível de créditos – 50. Aplicaram-nos em quê? Responderam os directores do agrupamento de Escolas General Humberto Delgado, em Loures, do agrupamento de Pinhel e do de Paços de Brandão, de Santa Maria da Feira – usam as 50 horas extra (bem como parte das restantes), principalmente, no reforço de Matemática e Português.

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As estratégias são diversas. No agrupamento de Loures, graças ao total dos créditos, por semana todas as turmas do 5.º ao 9.º ano passaram a ter dois professores em sala, numa das aulas de 90 minutos das disciplinas de Matemática e de Português; Pinhel também apostou nas duas disciplinas e, entre outras iniciativas, na criação de aulas de apoio extra, semanais, para grupos homogéneos (um de alunos de todas as turmas a quem faltam pré-requisitos, outro de estudantes que têm dificuldades apenas a determinados conteúdos e um terceiro para alunos muito bons que podem ser excelentes), exemplifica o director, José Vaz. Nas escolas de Paços de Brandão, conta a directora, Luísa Cortesão, alargou-se a aplicação de métodos que ajudaram a melhorar resultados no passado e a conseguir os tais créditos: no 2.º e no 3.º ciclos, os elementos dos grupos de professores de Matemática e Português passaram a ter, cada um, uma hora nos respectivos horários para semanalmente reunirem com os colegas da mesma disciplina e partilhar boas práticas, identificar problemas e definir estratégias para os ultrapassar; foi também criado um clube de Matemática, em que o ensino é promovido de forma lúdica.

O aspecto comum às três escolas é a aposta nas duas disciplinas a que maior número de alunos faz exame, o que o director do agrupamento de Loures explica com humor: “Agimos de acordo com as regras definidas pela tutela e, em particular, pelo ministro Nuno Crato: com ele ficou claro que o que importa é Matemática e Português e o resto é paisagem”.

O ciclo vicioso de investimento nas disciplinas que dão créditos, em detrimento de outras, não será a única desvantagem do sistema de créditos. O director do agrupamento de Pinhel admite que “o incentivo foi importantíssimo para a motivação dos professores”, mas, ainda assim, “de justiça questionável” – “Haverá outros que se esforçam tanto como nós e que, devido a inúmeros factores, não conseguem melhorar resultados – para esses, o sistema é frustrante”, admite. Outra fragilidade: não sabe bem o que aconteceu para ter merecido o crédito por redução do abandono: “Um ano antes abandonaram a escola dois alunos e no ano seguinte um? E se este ano voltar a sair um? A escola passa a ser péssima e já não merece o apoio?”, exemplifica.

O facto de este “incentivo” ser anual e de premiar uma melhoria pontual foram precisamente duas das críticas feitas por Joaquim Azevedo e Conceição Portela, da Universidade Católica, que concluíram que “os créditos beneficiam escolas de contextos mais favorecidos”.

“O ME deveria ser capaz de dar condições de recuperação das dificuldades às escolas que mais são incapazes de o fazerem por si sós, criando, como contrapartida, exigências em termos de metas a atingir e estratégias e prioridades a implementar”, afirma Joaquim Azevedo. José Vaz, de Pinhel, diz o mesmo. “Isso cumpriria as duas funções. De apoio e de incentivo”, considera.

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