Benfica dá machadada final na centralização dos direitos televisivos em Portugal
Liga nacional continuará a ser a única entre as dez primeiras do ranking da UEFA a não negociar conjuntamente as transmissões dos jogos de futebol. Dois últimos presidentes daquele organismo lamentam este desfecho e criticam inacção de Pedro Proença.
A possibilidade de os direitos televisivos dos jogos de futebol em Portugal poderem vir a ser centralizados na Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) morreu com o acordo do Benfica com a NOS para os próximos dez anos, que pode atingir os 400 milhões de euros. Esta é a opinião de dois ex-presidentes do organismo que regula as provas profissionais, contactados esta quinta-feira pelo PÚBLICO, que lamentam o impacto negativo que esta e outras negociações individuais com os operadores de telecomunicações terão para os pequenos clubes. Ambos consideram que a LPFP e as próprias competições irão sair fragilizadas deste processo.
“Acabou a centralização”, garantiu Luís Duque, antecessor de Pedro Proença na presidência da LPFP (entre 2014 e 2015), que critica ainda a inacção da actual direcção do organismo que, do seu ponto de vista, terá conduzido a este desfecho: “A Liga não fez nada. Esteve completamente ausente neste processo e foi ultrapassada pelos acontecimentos. Perdeu-se uma oportunidade, até porque foram criadas as condições para a centralização, durante a minha gestão, com o próprio Benfica a ser um dos grandes impulsionadores. Esta é uma machadada enorme para a Liga, que fica mais fraca.”
Opinião idêntica tem Mário Figueiredo, presidente da LPFP entre 2012 e 2014, que fez da centralização dos direitos televisivos uma das principais bandeiras do seu mandato. “A Liga fica mais fraca. Este processo é a consolidação de uma Liga feita pelos “grandes” clubes e a sua menorização enquanto competição. Há um prejuízo brutal para os clubes mais pequenos e irá manter-se o desequilíbrio que caracteriza a Liga portuguesa”, defendeu, considerando que o Governo deveria ter intervindo nesta matéria, como aconteceu em Espanha, onde foi imposta a venda colectiva dos direitos dos jogos de futebol, em Maio deste ano.
“Em Espanha, os clubes grandes, ou seja o Real Madrid e o Barcelona, perceberam que, não obstante receberem 80% do total das receitas totais do bolo televisivo, este era pequeno e que, sobretudo, ao nível dos direitos internacionais, a Liga espanhola poderia rentabilizar muito mais. Mas mesmo no mercado interno, verificou-se logo uma valorização brutal, à semelhança do que aconteceu em Inglaterra. Os clubes portugueses continuam a olhar para o seu umbigo e a pensar pequeno”, aponta Mário Figueiredo.
A centralização dos direitos televisivos em Espanha acabou por potenciar as receitas, como se verifica pelo encaixe financeiro de 2,65 mil milhões de euros anunciado na última quarta-feira (dia em que foi comunicado à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários o acordo entre a NOS e o Benfica) com a venda deste valioso activo no mercado interno, válido para as próximas três temporadas (2016-19). Já em Inglaterra, onde os direitos televisivos dos clubes são negociados colectivamente desde 1992, a Premier League alcançou, em Fevereiro deste ano, um valor recorde de 6,9 mil milhões de euros, pelas mesmas três épocas. Na realidade, Portugal continuará a ser o único país, entre os primeiros dez que figuram no ranking da UEFA, a não negociar conjuntamente os direitos televisivos.
“Haveria toda a lógica e necessidade de uma intervenção do Governo em Portugal”, garante Mário Figueiredo, que diz ter mantido encontros com o Executivo de Pedro Passos Coelho, quando liderava a Liga, mas que encontrou resistência a uma intervenção nesta área para encontrar uma solução que conduzisse à centralização. O PÚBLICO procurou obter um comentário do novo secretário de Estado do Desporto e Juventude, João Wengorovius Meneses, sobre este assunto, mas este responsável não quis adiantar nada “nesta fase”, remetendo para mais tarde uma posição sobre esta matéria.
Já o Benfica considera que deixou de haver condições para uma centralização dos direitos televisivos das partidas de futebol com a nova direcção da Liga, liderada por Pedro Proença. Fonte do clube revelou ao PÚBLICO que esteve empenhado nesta possibilidade durante a presidência de Luís Duque, que contribuiu para uma pacificação do futebol português, ao contrário do que se tem verificado com o seu sucessor (que não foi apoiado pelos “encarnados”) que não terá demonstrado grande sensibilidade nesta questão. A mesma fonte desdramatiza eventuais efeitos negativos que o acordo com a NOS possa vir a ter para os restantes clubes portugueses, considerando que o contrato que celebrou até será positivo para o futebol nacional, já que os valores envolvidos nesta negociação colocaram a fasquia mais alta para todos.
O PÚBLICO procurou também obter esta quinta-feira uma reacção de Pedro Proença ao contrato celebrado pela NOS com o Benfica, mas não obteve resposta. O único comentário da Liga sobre esta matéria surgiu ao princípio da noite, com um breve comunicado, onde se refere que a negociação dos direitos televisivos “foi um dos pontos do programa eleitoral” do presidente do organismo e “continua a ser um dos temas de interesse prioritário para o quadriénio”. “As recentes notícias apenas vêm demonstrar o que já era nossa convicção: a dimensão e o potencial do mercado português são ainda maiores do que apontavam as expectativas iniciais”, prossegue o comunicado, que termina a anunciar que o tema será debatido “em sede de reunião de direcção”.
Venda centralizada foi o caminho seguido pelos principais campeonatos europeus