São os Coldplay a banda que mais gente adora odiar?

Esta sexta-feira os ingleses Coldplay lançam novo álbum, polarizando apaixonadamente opiniões, muito para lá da música.

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Chris Martin no concerto que a banda deu no Estádio do Dragão, em Maio de 2012 Manuel Roberto
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O gosto não é desinteressado. Amar ou odiar a banda inglesa Coldplay não é apenas escolha estética. É também ética. Forma de afirmarmos que pertencemos a um mundo e não queremos pertencer a outro. Hoje existem poucos grupos da área pop-rock que provoquem posicionamentos tão desencontrados.

Nos últimos anos sempre que lançam um novo álbum, como acontece esta sexta com Head Full Of Dreams, a pergunta surge: porque é que adoramos odiá-los? Quando dizemos que gostamos ou não deles, o que estamos realmente a querer dizer? O que é que isso expressa do que somos ou queremos ser?

“Sempre gostei dos Coldplay não só por causa dos discos e dos concertos, mas também pela forma humilde como estão na música, apesar de reconhecer que no meu grupo de amigos não é muito popular afirmar isto” diz-nos Mário Abrantes, advogado de 36 anos, que já viu em concerto o grupo por sete vezes, incluindo a primeira que estiveram em Portugal (Festival Paredes de Coura de 2000) e a última (Estádio do Dragão, no Porto, em 2012).

“Nem que me pagassem iria a um concerto dos Coldplay. A música é uma seca, grandiosa mas oca, e percebe-se à distância que estão sempre a ver o que está a dar para se posicionarem em vez de serem eles a investir de si qualquer coisa. E o cantor é péssimo, sempre com a voz esganiçada nos limites, para além de passar o tempo a comportar-se para que toda a gente goste desesperadamente dele”, resume assim Joana Carliz, designer de interiores de 31 anos, os seus sentimentos acerca do grupo.

Não é nova esta polarização. E os próprios têm consciência dela. Não é à toa que têm uma canção intitulada Us against the world. Claro que esses sentimentos vêm à tona em momentos como este, em que existe um novo álbum e o grupo está em todo o lado – nas revistas, nas televisões, nas redes sociais e um dia destes num estádio perto de si – fazendo com que parte do mundo festeje o seu reaparecimento e outra parte arremesse muito fel.

O crítico do PÚBLICO Mário Lopes diz do novo álbum que "é uma festa de clichés". Há dez anos o conhecido crítico americano do New York Times, Jon Pareles, escrevia que “eram a mais insuportável banda da década”, enquanto o ano passado outro crítico, o americano Philipe Sherburne, resumia-os assim: “são sinónimo de tudo o que é seguro e sentimentalmente fácil na pop contemporânea.” Ou como ironiza Joana Carliz, “correr riscos é uma das últimas coisas que Chris Martin faz, a não ser que cantar sempre sobre estrelas e a forma como brilham constitua um grande risco.”

“Por vezes oiço dizer que são calculistas, mas a encenação faz parte da música e da arte desde sempre, quem é que o não faz? Algumas coisas têm de fazer bem para serem uma das bandas mais populares do mundo ao lado dos U2 ou dos Rolling Stones”, afirma por sua vez Mário Abrantes. É verdade. O seu sucesso é proporcional ao número de detractores. Nada de novo. É sempre assim. Nos últimos anos venderam mais de 70 milhões de discos, o que faz deles a mais popular banda de guitarras dos nossos dias.

“Às vezes as pessoas parecem não gostar deles apenas porque têm êxito”, exprime Mário Abrantes. Possivelmente. Mas é mais complexo. Os problemas começam no plano artístico. Nunca lançaram um álbum impactante que signifique um antes e um depois na carreira ou na cena musical: um Achtung Baby dos U2, um Nevermind dos Nirvana ou um OK Computer dos Radiohead.

Por outro lado, parte dos problemas junto de uma fatia significativa de público, começam no facto de serem uma das mais bem-sucedidas bandas desde os anos 2000 e, ao mesmo tempo, parecem-se com uma banda rock alternativa. Compõem e tocam as suas canções e trabalham com produtores credíveis (Brian Eno ou Jon Hopkins). Definitivamente não são os One Direction. Estão mais próximos dos Radiohead, por exemplo.

Podiam ser uma banda rock alternativa, mas não actuam como tal. Desejam agradar às audiências de forma universal. Escrevem sobre experiências gerais – amor, devoção, corações partidos – e as melodias que espelham essas experiências são de apelo imediato. Ao mesmo tempo incorporam os sons mais em voga no momento mas nunca saem da sua zona de conforto. E Chris Martin – que se divorciou da actriz americana Gwyneth Paltrow – ainda personifica o genro perfeito: polido, agradecido e modesto, sendo o primeiro a dizer que não será recordado pelas letras.

Há dois anos não se cansou de contar que, numa viagem de táxi em que não foi reconhecido, o condutor terá dito que vivia no mesmo bairro “que o tipo dos Coldplay, que como sabemos escreve letras de merda.” Contada pelo próprio a história é reveladora de humildade. Mas a modéstia exagerada nem sempre é bem vista e por vezes Chris Martin parece perfeito de mais.

Mas a verdade é que o facto de os Coldplay estarem mais próximos dos Radiohead do que dos One Direction torna-os ameaçadores junto de uma parcela significativa de melómanos. Na obra relançada o ano passado (Let’s Talk About Love: A Journey To The End of Taste) o jornalista e crítico canadiano Carl Wilson, a partir da cantora Céline Dion, reflectia sobre a maneira como determinamos os nossos gostos e os significados sociais dos mesmos, e uma das suas conclusões era que reagimos de forma mais visceral aos artistas com quem nos podemos identificar do que com aqueles de quem nos sentimos totalmente distantes.

Os Coldplay não estão assim tão distantes dos que os dizem odiar. A proximidade assusta. E é por isso que muitos querem distância. Podiam apenas encolher os ombros à sua passagem. Mas não. Têm que dizer em voz alta que não gostam deles. Não querem ser confundidos. Os Coldplay são esse género de banda: o tipo de grupo que os que os odeiam até podiam gostar.

Se descontextualizarmos o grupo e começarmos a ouvi-los pelo que são (um grupo de puro pop) em vez da banda rock alternativa que por vezes parecem ser a relação com eles será bem mais pacata. No fim de contas amor e ódio não são opostos. O oposto de amor é indiferença. Amar ou odiar algo significa sempre que existe um forte investimento emocional. Os Coldplay não se podem queixar. Há muita gente a investir emoções fortes neles.

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