Bruxelas suspeita de vantagens fiscais da McDonald’s no Luxemburgo
Administração fiscal luxemburguesa aceitou isentar a “quase totalidade do rendimento” da multinacional. Acordos fiscais foram assinados em 2009, quando Juncker era primeiro-ministro.
A Comissão Europeia abriu uma investigação para apurar se o Luxemburgo concedeu à McDonald’s um tratamento fiscal vantajoso, em violação das regras europeias em matéria de auxílios estatais às empresas. Em causa estão dois acordos fiscais aprovados em 2009 pelas autoridades luxemburguesas, que confirmaram que “a McDonald's Europe Franchising estava isenta do pagamento do imposto sobre as sociedades no Luxemburgo, com o fundamento de que os lucros em causa seriam sujeitos a tributação nos EUA”.
Bruxelas decidiu avançar com uma averiguação formal depois de concluir “preliminarmente” que a cadeia de fast food norte-americana recebeu tratamento favorável. O executivo comunitário quer ver confirmado se “as autoridades luxemburguesas aplicaram uma derrogação selectiva das disposições da sua legislação nacional em matéria fiscal e da convenção de dupla tributação celebrada entre o Luxemburgo e os EUA, concedendo assim à McDonald’s uma vantagem não concedida às outras empresas em situação factual e jurídica comparável”.
Bruxelas já desencadeou procedimentos idênticos em relação a acordos estabelecidos com outras multinacionais, por suspeitas de práticas fiscais agressivas em países europeus. Estão em curso investigações que envolvem a Apple na Irlanda e a Amazon no Luxemburgo, sendo já conhecidas as conclusões de outros dois grandes grupos em relação às quais Bruxelas concluiu que foram concedidas vantagens fiscais, a Fiat, no Luxemburgo, e a Starbucks, na Holanda.
A concessão de vantagens fiscais à McDonald’s por parte das autoridades luxemburguesas vem reavivar os contornos do escândalo "LuxLeaks", que veio deixar sob fogo o actual presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, que era primeiro-ministro do Luxemburgo quando foram celebrados mais de 500 acordos fiscais secretos com cerca de 300 multinacionais. O acordo celebrado com a McDonald’s aconteceu precisamente durante o período (2002 e 2010) ao qual dizem respeito os acordos referidos no "caso LuxLeaks", revelado há um ano pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ).
Segundo a Comissão Europeia, dois acordos prévios celebrados em 2009 permitiram à McDonald's Europe Franchising não pagar desde então "nenhum imposto sobre as sociedades no Luxemburgo, apesar de ter registado lucros consideráveis (mais de 250 milhões de euros em 2013)”. Em Portugal, onde a McDonald's tem 147 restaurantes, mais de 80% da rede é gerida em franchising.
Os lucros “provêm dos direitos pagos pelos restaurantes 'franchisados' a operar na Europa e na Rússia pela utilização da marca McDonald’s e os serviços que lhe estão associados. A sede da empresa no Luxemburgo é a entidade designada responsável pela tomada de decisão estratégica, mas a empresa possui também duas sucursais: uma sucursal na Suíça, com actividade comercial limitada, relacionada com os direitos de franchising, e uma sucursal nos EUA, sem qualquer verdadeira actividade comercial. Os direitos recebidos pela empresa são transferidos internamente para a sucursal nos EUA”.
Com base num primeiro acordo, com data de Março de 2009, a McDonald’s “ficou obrigada a apresentar, todos os anos, provas de que os direitos transferidos para os EUA através da Suíça eram declarados e sujeitos a tributação nos EUA e na Suíça”. Mas, meses depois, em Setembro desse mesmo ano, foi aprovado um segundo acordo fiscal em que a multinacional ”deixava de estar obrigada a comprovar a tributação do seu rendimento nos EUA”, o que fez com que a “quase totalidade do rendimento” da McDonald's Europe Franchising fosse isentado de pagar impostos no Luxemburgo. O segundo acordo, explica a Comissão Europeia, confirmou que o grupo não estava sujeita a tributação no Luxemburgo, “mesmo que se confirmasse que também não estaria sujeito a qualquer tributação nos EUA”.
Nova comissão
A notícia de abertura de mais uma investigação formal da Comissão Europeia surge dias depois de o Parlamento Europeu aprovar o relatório sobre práticas fiscais agressivas na Europa, elaborado por uma comissão especial de eurodeputados.
Um dos objectivos do documento, que teve como co-relatora a eurodeputada socialista Elisa Ferreira, passa por pressionar os países europeus a garantirem que os impostos directos sobre os lucros das empresas são calculados de acordo com métodos comuns, que as multinacionais passem a prestar informações sobre as actividades desenvolvidas em cada país e que as administrações fiscais tenham acesso aos acordos fiscais celebrados com empresas.
Os trabalhos da comissão TAXE I, de onde resultou o projecto de resolução, já terminaram, mas deram origem a uma nova comissão, a TAXE II, para dar continuidade ao relatório. O eurodeputado alemão Michael Theurer (dos liberais), co-relator do texto com Elisa Ferreira, considerou há dias, em Estrasburgo, insuficientes as propostas da Comissão Juncker para combater as práticas fiscais agressivas — e ficou um aviso de Elisa Ferreira: “Haverá uma pressão política suficientemente forte sobre o Conselho e sobre a Comissão”.