Ex-ministra autorizou inspector-geral das Finanças a receber mais 1110 euros desde Janeiro

Decisão surge já depois das eleições, e após dez meses de o pedido ter sido feito. Autorização assenta em norma legal que PGR diz estar revogada.

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Maria Luís Albuquerque Miguel Manso

A ex-ministra das Finanças autorizou o inspector-geral de Finanças, já depois das eleições de Outubro, a optar pela sua anterior remuneração de auditor-chefe no Tribunal de Contas com base numa norma legal que a Procuradoria-geral da República considerou revogada no final do ano passado. Graças a esta autorização, Vítor Braz, que tal como Maria Luis foi assessor do gabinete do secretário de Estado das Finanças em 2001, ficou a ganhar mais 1110 euros mensais.

O despacho da ex-ministra, que não refere o nome de Vítor Braz, tem efeitos a partir de Janeiro deste ano, data da sua designação como inspector-geral. A aplicação retroactiva da decisão é justificada no documento com o facto de a autorização ter sido requerida “antes daquela data”. O que significa que Maria Luis levou mais de dez meses a decidir sobre o pedido do inspector-geral sem se lhe levantarem dúvidas — pelo menos não as fez constar no despacho — sobre a aplicabilidade da norma que a PGR considera revogada.

“Na sequência do meu despacho nº 442/2015, de 6 de Janeiro de 2015, e face ao pedido apresentado antes daquela data, autorizo o dirigente nomeado por esse despacho a optar pela remuneração do cargo de origem, determinada nos termos dos nºs 3 e 5 do artigo 31º da Lei nº 2/2004, de 15 de Janeiro, com efeitos à data da respectiva designação.” Estes são os termos exactos do despacho assinado pela então ministra no dia 22 de Outubro e publicado no Diário da República a 5 deste mês. O dirigente nomeado pelo despacho nº 442/2015 é precisamente o inspector-geral de Finanças.

A primeira questão suscitada pela decisão ministerial — independentemente de ela ser retroactiva, ter levado dez meses a tomar e responder a um pedido feito antes da designação — reside na diferença existentes entre os despachos de nomeação de Vítor Braz e aqueles que, dois meses depois, nomearam os quatro subinspectores-gerais da IGF.

Ao contrário destes, que referem expressamente a autorização ministerial para optar pela remuneração do cargo de origem, o despacho que designou o inspector-geral não fez qualquer referência ao assunto, que só agora foi tratado.

Entre a situação dos quatro subinspectores e a de Vítor Brás havia, porém, uma diferença: no caso dos quatro primeiros, o cargo de origem (aquele que era ocupado à data da nomeação) pertencia à própria IGF, enquanto o novo inspector-geral vinha do Tribunal de Contas.

Quanto aos subinspectores, verifica-se que a opção pela remuneração anterior — que suscita tantas dúvidas quanto a do inspector-geral — teve o mesmo objectivo que a de Vítor Brás: Antes da nomeação, todos eles auferiam vencimentos superiores ao do cargo de subinspector-geral, que é actualmente o de um qualquer subdirector-geral. Embora estranha, esta situação decorre das labirínticas regras que regulam as remunerações na IGF e que contrariam o princípio da uniformização dos regimes remuneratórios do Estado.

O parecer da PGR
A questão da legalidade das decisões da agora deputada Maria Luis Albuquerque prende-se com o artigo da Lei 2/2004 que fundamenta a autorização de opção concedida aos cinco responsáveis máximos pelo organismo ao qual compete o controlo da administração financeira de todos os serviços da Administração Pública. Nos termos do nº 3 do artº 31º daquele diploma, “o pessoal dirigente pode, mediante autorização expressa no despacho de designação, optar pelo vencimento ou retribuição base da sua função, cargo ou categoria de origem, não podendo, todavia, exceder, em caso algum, o vencimento base do primeiro-ministro”. E o nº 5 do mesmo artigo esclarece que o vencimento em causa corresponde à média do valor recebido “durante o ano anterior à data do despacho de designação”.

Sucede que o nº 3 do artº 31º da Lei 2/2004 foi revogado tacitamente pela Lei 12-A/2008, que impôs (artº72º, nº1) uma condição à opção pela remuneração do cargo de origem: só podem optar desse modo aqueles cuja “situação jurídico-funcional” anterior “esteja constituída por tempo indeterminado”. Esta mesma formulação foi depois transposta para a Lei 35/2014, a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, actualmente em vigor.

Face a algumas dúvidas surgidas quanto à interpretação de vários diplomas relacionados com estas matérias, o Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República (PGR) emitiu em Dezembro do ano passado um parecer em que salienta: “o nº1 do artº 72º da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, revogou o nº 3 do artº 31º da Lei 2/2004, de 15 de Janeiro, o que significa que os trabalhadores designados em comissão de serviço podem optar a todo o tempo pela remuneração base devida na situação jurídico-funcional de origem que esteja constituída por tempo indeterminado.”

Ora Vítor Braz, oriundo dos quadros da IGF, onde era Inspector Superior Principal, foi nomeado em 2009, em comissão de serviço, para o lugar de auditor-chefe do Tribunal de Contas. A sua nomeação foi renovada várias vezes, a última das quais ocorreu em Janeiro de 2014 — altura em que o termo da comissão de serviço foi fixada em 31 de Dezembro de 2016.

Estamos assim perante uma situação jurídico-funcional que não se encontrava constituída por tempo indeterminado e que, ao que tudo indica, não poderia dar origem à opção pela remuneração do lugar de origem.

Este é o entendimento que parece ressaltar do parecer da PGR e é também aquele que defendem os juristas do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado. “O preceito legal invocado pela ministra está revogado pela Lei 12-A/2008 e pela Lei 35/2014, pelo que, em termos legais, nada permite, neste caso, a opção pela remuneração do Tribunal de Contas”, respondeu a presidente daquela estrutura sindical, Maria Helena Rodrigues, dias depois de ser contactada pelo PÚBLICO. 

Maria Helena Rodrigues manifestou também a sua estranheza pelo facto de a opção do inspector-geral de Finanças ter sido requerida antes da sua nomeação, conforme escreveu a ministra. “Parece-nos estranho que a ministra tenha demorado dez meses a tomar uma decisão destas”, acrescentou.

Já o Tribunal de Contas limitou-se a informar que Vítor Braz “cessou a sua comissão de serviço para assumir o cargo de Inspector-geral de Finanças”, não tendo neste momento “qualquer vínculo ao Tribunal de Contas”.

A remuneração mensal do cargo de auditor-chefe do Tribunal de Contas ronda os 4844 euros (brutos), sem direito a despesas de representação. Já a remuneração do cargo de inspector de Finanças fica-se pelos 3734 euros (brutos), a que acrescem 778 euros de despesas de representação (4512 euros no total).  Estes últimos valores são os que constam do anúncio do concurso da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública (CRESAP) no âmbito do qual foram seleccionados os três nomes entre os quais a ministra das Finanças escolheu Vítor Braz para o lugar que agora ocupa.

Somando os 4844 euros que recebia no lugar de origem aos 778 das despesas de representação, o Inspector-geral de Finanças recebe agora 5622 euros mensais, 1110 acima do que receberia sem o despacho de Maria Luis.

Vítor Braz e a ex-ministra não quiseram responder às perguntas que o PÚBLICO lhes dirigiu, por escrito, há várias semanas e acerca das quais contactou repetidamente, e em vão, os respectivos secretariados. Vítor Braz mandou dizer apenas que “o património e o pessoal da IGF são geridos pela secretaria-geral do Ministério das Finanças”.

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