O futuro que se vê a partir do Barreiro Rocks

The Routes e The Parkinsons podem ser os maiores nomes da 15º edição, mas não roubam atenção às novas bandas portuguesas que desfilam pelo festival. Uma ocasião privilegiada para medir o pulso ao rock nacional, entre sexta e domingo.

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Nesta 15ª edição, a selecção de novos talentos nacionais está particularmente pertinente MIGUEL MANSO

“Ir tocar ao Barreiro Rocks está no top cinco das coisas que queria fazer na vida”, diz Rui Fonseca, 19 anos. É baterista dos 800 Gondomar, banda de Rio Tinto dada a chafurdanços garage traçados a punk, que anunciou a data no Facebook com um entusiasta “Nossa Senhora Santa Mãe de Jesus Cristo” em caps lock.

“Estava no sofá e o Carlos perguntou-me ‘queres ir tocar ao Barreiro Rocks?’ e eu respondi ‘claro que quero, isso nem se pergunta”, conta, por sua vez, Carolina Brandão, 21 anos, dos portuenses The Sunflowers, duo de garage rock em (merecida) ascensão completado por Carlos de Jesus, 22, que quer ir ao festival “desde 2010, quando foi o Ty Segall”.

“De todos os festivais que existem em Portugal, o primeiro que punha na lista era o Barreiro Rocks”, confessa Shelley Barradas, 32 anos, que se estreia lá em dose dupla com Clementine e Vaiapraia & As Rainhas do Baile, bandas com postura feminista, inspiradas no movimento riot grrrl (mas não só), “para mostrar também que o rock não é definido por questões de género”.

Quatro bandas que tocam pela primeira vez no Barreiro Rocks e que cresceram a gostar do festival. Quatro bandas que, juntamente com os Cave Story, Postcards from Wonderland, Mighty Sands, Calcutá, Tiger Picnic e Conan Castro & The Moonshine Piñatas, vão mostrar a vitalidade crescente da música portuguesa nesta instituição rock’n’roll (com acento agudo no garage) que celebra 15 anos de vida de sexta a domingo no sítio do costume, o pavilhão do Grupo Desportivo Ferroviários, e em dois novos locais: a ADAO – Associação Desenvolvimento Artes e Ofícios e a antiga escola primária Conde de Ferreira.

Nesta 15ª edição, a selecção de novos talentos nacionais está particularmente pertinente (sobretudo tendo em conta o que parece ser um pico do garage e do lo-fi por terras lusas), mas não é a primeira vez. Há muito que o Barreiro Rocks se assume como um palco de descoberta e de revelação – e também ao nível de nomes internacionais.

Afinal, estamos a falar do festival que trouxe cá os Black Lips e Ty Segall quando ainda eram uns ilustres desconhecidos, antes de se terem tornado nos dois nomes cardeais do garage rock dos últimos anos. Que em 2001 só não trouxe os The White Stripes porque não tinha 600 euros na conta. Que apresentou ao mundo uma série de bandas do Barreiro, de The Act-Ups a The Jack Shits ou PISTA. E que mostrou, no momento certo, outra série de nomes portugueses: Green Machine, The Glockenwise e Killimanjaro, rapazes do rock de Barcelos; filiados da FlorCaveira, como Os Pontos Negros e Tiago Guillul; ou as Pega Monstro.

“Há duas vertentes pelas quais nós agimos: trazer bandas emergentes e aqueles gajos que são do caraças e que têm uma carreira do caraças mas que ainda não vieram a Portugal”, resume Carlos Ramos, mais conhecido por Nick Nicotine, um dos fundadores da Hey, Pachuco!, associação que organiza o festival. Contudo, admite que é cada vez mais difícil “manter esse equilíbrio”. O apoio da Câmara Municipal do Barreiro continua, mas têm 20% do orçamento que tinham dantes.

Não admira, portanto, que este cartaz possa parecer tépido para uma festa de 15 anos. Há heróis nacionais como The Parkinsons e os d3ö e bandas internacionais recomendáveis – entre eles os ingleses The Baron Four, uma espécie de The Kinks abastardados por garage rock americano, os japoneses The Routes e os revivalistas soul The Jay Vons, americanos que têm tudo para transformar o Palco Ferroviários num (bom) baile de finalistas – mas não há figuras de peso como os The Strange Boys, Black Lips, Billy Childish ou Kid Congo, que passaram pelo Barreiro em anos anteriores. “O festival começa a tornar-se muito mais na comemoração do que é novo e depois um pouco do que anda aí na Europa que nós conseguimos agarrar com as nossas limitações financeiras”, sintetiza Nick Nicotine.

O legado
Apesar de os cartazes estarem menos fortes, o público cresce de ano para ano. “Isto tornou-se numa festa que foge um bocado ao nosso controlo. Há muito aquela coisa do traz outro amigo também.” Há um espírito de festa popular (com os locais incluídos, mesmo os que não são “cromos da música”) e de comunidade, numa cidade historicamente ligada ao associativismo.

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800 Gondomar DR
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Postcards from Wonderland: garageiros que com menos de vinte anos já têm uma grandiosa canção-comentário social, País do Fado a Arder DR
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The Sunflowers, duo de garage rock em (merecida) ascensão jeremy pouivet

Rui Fonseca, o baterista dos 800 Gondomar que foi pela primeira vez ao festival no ano passado com o colega baixista, na condição de espectadores, dá o seu testemunho. “Não tínhamos sítio onde ficar. Levámos dois sacos-cama e dormimos na estação de comboios depois de termos tido uma noite incrível de rock’n’roll. Na segunda noite espalhámos o rumor de que estávamos a dormir na rua e acabámos por ficar na casa de um músico de lá. Dormimos quatro pessoas numa cama [de solteiro]. Isto é o Barreiro, basicamente. O espírito de entreajuda e comunidade.”

E depois há o legado Barreiro Rocks. Nick Nicotine acredita que há miúdos que começaram a formar bandas mais a sério por causa do festival e de outro projecto da Hey, Pachuco!, o Programa Jovens Músicos, que permite aos miúdos do Barreiro ensaiar gratuitamente no Estúdio King. Um dos grupos que participou nesse programa vai tocar nesta edição. São os Postcards from Wonderland, garageiros que com menos de vinte anos já têm uma grandiosa canção-comentário social, “País do Fado a Arder”. Um dos elementos, Johnny Pinha Jr, é filho do veterano barreirense Johnny Pinha, que tocará no mesmo dia e no mesmo palco com The Brooms. Não haverá muitos festivais assim.

“Pela primeira vez sinto que há uma continuidade, pelo menos a nível organizacional. Estes miúdos também gostam de organizar coisas e isso dá-me algum descanso. Se calhar daqui por uns anos arrumo as botas, compro um barco de pesca e vou ver os concertos organizados por eles”, conta Nicotine. Cláudio Fernandes, dos PISTA, diz no novíssimo filme Barreiro Rocks – Documentário, realizado por Eduardo Morais, que em vez de estarmos preocupados com o mundo que vamos deixar a Keith Richards devíamos era estar preocupados com o mundo que vamos deixar ao Crooner Vieira, herói local com 87 anos e mestre-de-cerimónias do festival. Por agora, no Barreiro, esse mundo parece bastante promissor.

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