Fim dos exames do 4.º ano: as crianças andaram três anos a treinar “para nada”?

A maioria parlamentar de esquerda deverá pôr fim às provas nacionais de fim do 1.º ciclo nesta sexta-feira. Um balde de água fria para algumas crianças, a quem pais e professores convenceram de que elas eram importantes.

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Adriano Miranda / Público
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Quando os seus alunos agitam os dedos no ar, a assinalar que sim, que querem fazer os exames de Português e de Matemática daqui a alguns meses, a professora do 4.º ano diz baixinho: “Estou admirada!...”. Reformula-se a pergunta, para detectar qualquer mal-entendido, mas não há dúvidas: nesta sexta-feira, quando a maioria parlamentar aprovar o fim das provas nacionais de final do 1.º ciclo, naquela sala de aulas e na do lado, onde estão as restantes crianças do 4.º ano da escola Quinta das Flores, de Coimbra, vai ouvir-se um estrondoso “ohhhhhhhhh” de desilusão e desagrado.

Estão há três anos a ouvir falar da importância dos exames e a trabalhar para eles: “E agora vão acabar?! A sério!?” Por entre as exclamações de protesto ouve-se um “yessssssssssss!”. É Pedro quem o solta, triunfante.

Pedro é um dos dois alunos da sala do 4.º A que concordam com o fim das provas instituídas em 2013 pelo ex-ministro da Educação e Ciência Nuno Crato. Se fosse deputado, estaria nesta sexta-feira com a maioria parlamentar, a votar favoravelmente os projectos de lei do Bloco de Esquerda e do PCP. Os seus argumentos: já faz “provas que bastem” ao longo do ano lectivo, a professora sabe se ele está ou não preparado para seguir para o 5.º ano e “finalmente” a sua mãe vai deixar de poder recorrer “à conversa dos exames” para o convencer estudar tempo extra ao fim-de semana.

“Se era para isto por que é que não disseram logo?”
Mas, como não está no Parlamento mas naquela escola, Pedro está mais do que em minoria – está praticamente isolado. Se pudessem votar, quase todas as crianças do 4.º ano estariam ao lado do PSD/CDS, apesar de todas se dizerem, também, que estavam “muito preocupadas com os exames”.

Há quem se sinta frustrado, como Sofia Rosa: “Desde o 2.º ano que estou a trabalhar para fazer exames e agora não há? Isto tudo para nada?”; e quem se indigne, que é o que faz Inês, que nem pede a palavra antes de contestar a oportunidade da iniciativa legislativa: “Vão a acabar? A sério!? Mas se era para isto por que é que não disseram logo!?”

Muitos reproduzem alguns dos argumentos de Nuno Crato, que também terão ouvido aos pais e aos professores. André diz que os exames são importantes para saber se os alunos estão “realmente preparados para seguir para o 5.º ano” e mantém que um exame nacional é mais seguro, nesse aspecto, do que a opinião da professora; Tiago confessa que se não fizer as provas não fica “descansado”; Inês lembra que vão ter exames no 6.º ano e, assim, já se vão preparando para enfrentar este tipo de prova nacional.

Há outras explicações para a desilusão dos alunos, como as de Filipa e Beatriz, do 4.º B. A primeira diz que depois de ter “passado tanto tempo preocupada com os exames, já agora” quer “saber como é fazê-los”; a segunda comenta que acabou por “achar divertido” “treinar para os exames”, principalmente quando se trata de “detectar ratoeiras”. “Nos exames há sempre ratoeiras, coisas para nos enganar e darmos as respostas erradas, e é divertido descobri-las”, explica.

A treinar desde o 2.º ano
Os alunos usam muito a expressão treinar. E as professoras das duas salas confirmam: desde o 2.º ano que fazem provas tipo exame, com perguntas do mesmo género e critérios de correcção semelhantes, com o tempo para as realizar contado ao minuto e as regras rígidas (“não falar com o colega, não pedir esclarecimentos”), como se de facto estivessem a fazer as provas que em 2013 contaram 25% para a média final e depois passaram a ter um peso de 30%.

Como os exames são de Português e de Matemática, aquelas são também as disciplinas privilegiadas. E o treino não é feito apenas na escola: os pais também compram livros de provas tipo exame para as crianças fazerem em casa, aos fins-de-semana, independentemente de os professores mandarem ou não, confirmam os alunos e as duas docentes do 4.º ano da Escola Quinta das Flores, Clara Lages e Sandra Costa.

Todos estes factos têm sido citados como justificação por quem contesta os exames – associações e sindicatos de professores e confederações de associações de pais – e serão, provavelmente, recuperados nesta sexta-feira, na Assembleia da República.

No preâmbulo do projecto de lei que apresentou, o PCP refere que “com a criação das provas finais de ciclo foram relegadas para segundo plano competências como a de análise, a criatividade e o espírito crítico” devido à “necessidade, (…) sentida pelos professores, de dedicar grande parte do tempo lectivo a trabalhar para os exames”. No outro projecto de lei, o Bloco de Esquerda sustenta que “os exames tornaram-se no centro das práticas educativas nas escolas”.

Ambos os partidos prometem discutir, mais tarde, a eliminação de outras provas nacionais, mas optaram por restringir as propostas às do 4.º ano. Assim, garantiram o apoio do PS, que no programa de Governo prometia reavaliar a sua realização.

A notícia da iniciativa parlamentar provocou manifestações de regozijo dos dirigentes das Associações de Professores de Matemática e de Português, e da Confederação Nacional Independente de Encarregados de Educação. A Confederação Nacional das Associações de Pais e a Federação Nacional de Educação, através das direcções, questionaram o facto de a alteração ser feita de forma isolada, com o ano lectivo a decorrer e sem que a questão fosse alvo de debate; e a Sociedade Portuguesa de Matemática, de que Nuno Crato foi presidente, contestou a eliminação pura e simples dos exames.

“Pais mais responsabilizados”
Na escola Quinta das Flores, de Coimbra, a coordenadora do agrupamento de que ela faz parte, Eugénia Carriço, e as duas professoras do 4.º ano não estão satisfeitas. Se há dois anos eram liminarmente contra os exames, hoje reconhecem-lhes “vantagens indirectas”.

“Eu sei que isto é triste, mas é assim: aqueles pais que não acompanhava os filhos, que desvalorizavam a escola, que punham as actividades extra-curriculares à frente dos trabalhos de casa e do estudo, passaram a preocupar-se, ficaram mais responsabilizados”, explica Eugénia Carriço. Admite que talvez não seja “pelos melhores motivos”, ou seja, “pela aprendizagem”, mas “porque não querem que os filhos façam má figura”, mas o resultado, sublinha, “é o mesmo”.

As professoras Sandra Costa e Clara Lages concordam. Adivinham que “mal o fim dos exames seja definitivo a pressão dos pais sobre os filhos vai baixar e, nalguns casos, desaparecer.” “Pode ser negativo, em termos de motivação e do comportamento das crianças”, admite Sandra Costa.

Se estivessem no Parlamento, apesar de divididas interiormente entre as vantagens e as desvantagens das provas nacionais, Eugénia Carriço e Clara Lages votariam com o PSD/CDS. Sandra Costa proporia o adiamento da votação e “promoveria um debate, ouvindo quem está no terreno”.

O presidente da associação de pais da escola, Paulo Vaz, também apostaria num adiamento da medida. Apoia o fim das provas nacionais no 4.º ano, mas não percebe “tanta urgência”. “Podia esperar-se por 2017. Para os alunos que foram 'formatados' para fazerem os exames, isto é tirar-lhes o tapete. São atletas de alta competição, em treino intensivo há três anos, que na véspera da prova ouvem que ela foi anulada – é natural que se sintam confusos e defraudados”, compara.

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