Jonah Lomu nunca foi saudável, mas foi o melhor

Morreu aos 40 anos aquele que é considerado a primeira superestrela do râguebi mundial.

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O Mundial de râguebi em 1995 ficou para a história, porque um triunfo desportivo ajudou a reconstruir um país. Nelson Mandela queria uma Nação Arco-Íris e a selecção de râguebi foi uma arma fundamental para ajudar a África do Sul a ultrapassar o trauma do apartheid. Mas também foi neste ano que o mundo reparou num jovem com 20 anos, com 1,96m de altura e 120kg de peso, ponta do Nova Zelândia. Ninguém sabia muito bem quem era Jonah Tali Lomu. Depois desse Mundial, nunca mais ninguém se esqueceu dele. Infelizmente para o râguebi e para ele próprio, nem a sua carreira, nem a sua vida foram muito longas.

Lomu era um homem que impressionava pelo físico. Rápido, forte, imparável, mas que, aos 40 anos, seria derrotado pelo próprio corpo. O ataque cardíaco que provocou a sua morte na última terça-feira, em Auckland, na Nova Zelândia, foi, tão-só, a consequência de décadas de convivência com a síndrome nefrótica, uma doença rara nos rins que lhe foi diagnosticada aos 20 anos, que o obrigava a hemodiálise regular e que o forçou a um transplante. Quando espantou o Mundo em 1995 com a camisola dos All-Blacks, Lomu já sabia que o seu corpo não era perfeito e que se cansava mais depressa que os outros. “Agora imaginem o que eu não teria feito se fosse saudável”, contava numa entrevista recente ao Telegraph, uma das últimas que concedeu antes de morrer.

Lomu foi a primeira superestrela do râguebi mundial e um dos grandes responsáveis por tornar a modalidade um dos grandes espectáculos desportivos do planeta – o Mundial de râguebi é considerado o terceiro maior evento desportivo, depois do Mundial de futebol e dos Jogos Olímpicos. Nunca foi campeão mundial com os All Blacks, ao serviço dos quais somou “apenas” 63 jogos entre 1994 e 2002, o primeiro com apenas 19 anos e 45 dias, na altura o mais novo de sempre a estrear-se na equipa principal da Nova Zelândia.

Foi naquele Mundial da África do Sul que Lomu explodiu. Antes do torneio, era um jovem de quem muitos duvidavam que tivesse estofo para jogar pelos lendários All-Blacks, mas entrou a matar logo no primeiro jogo com a República da Irlanda, com dois ensaios – viria a marcar 15 durante os dois Mundiais em que participou, um recorde igualado este ano pelo sul-africano Bryan Habana.

A final desse Mundial seria para a África do Sul, num triunfo difícil sobre a Nova Zelândia. Lomu não teve um grande impacto nesse jogo, ao contrário do que acontecera poucos dias antes, na meia-final com a Inglaterra. Quatro ensaios e uma demonstração de potência eram bem a prova de que Lomu estava preparado. Palavra ao inglês Mike Catt, que tentou fazer-lhe uma placagem antes de Lomu arrancar o primeiro ensaio: “Lembro-me de pensar: ‘Eu tenho 90kg, ele tem 120kg, vai ser como parar um comboio em andamento.’ Tentei fazer o que me ensinaram, mergulhar e fazer a placagem pelo tornozelo. Depois só me lembro de cair para trás, olhar pelo ombro e vê-lo a marcar um ensaio.”

Da delinquência ao desporto
Lomu não teve apenas de jogar contra o seu corpo. O seu início de vida podia ter facilmente descarrilado para algo muito pior, não fosse a sua aptidão natural para o desporto. Nascido em 1975, em Auckland, filho de emigrantes do Tonga, Jonah Lomu ainda não tinha um ano de vida quando foi viver com os tios para uma das ilhas deste arquipélago da Polinésia. Aos sete anos, regressou à Nova Zelândia, mas sentia-se desenraizado e nem falar inglês sabia. E teve de lidar com um contexto familiar difícil. O pai era alcoólico e batia-lhe, e o jovem Jonah procurava passar o menor tempo possível em casa – acabaria por sair de casa aos 15 anos e não falou com o pai durante 17.

Passou a alinhar com gangs dos arredores de Auckland e, durante a adolescência, conviveu bem de perto com a violência. A única coisa que tinha a seu favor era a habilidade atlética. Enquanto aluno de liceu, Lomu fazia uns excepcionais 10,89s nos 100m e, aos 14 anos, já era indiscutível no principal XV da escola. Aos 16, já jogava nos sub-17 da Nova Zelândia, aos 18 estava na equipa de sub-21 e, aos 19, estreava-se pela equipa de sevens dos All-Blacks. Nesse mesmo ano, Lomu cumpriu os seus dois primeiros jogos contra a França, ambos derrotas para o XV neozelandês.

Depois, veio o “estrelato” obtido no Mundial 1995 e que se prolongou quatro anos mais tarde, no Mundial que se repartiu pelas nações britânicas e pela França – pelo meio, teve ofertas para jogar futebol americano na NFL, mas esteve quase sempre em equipas neozelandesas, só jogando episodicamente em Gales e França. Lomu marcou mais oito ensaios nesse torneio, mas a Nova Zelândia ficou-se pelas meias-finais, perdendo com a França, apesar de mais uma estrondosa exibição de Lomu.

Tudo o que Lomu fazia em campo sugeria uma condição física perfeita, mas ele sabia as limitações do seu corpo, que os médicos tentavam gerir da melhor forma. No início de 2003, exames ao sangue mostraram que os rins estavam a funcionar abaixo do que era normal para ele e, a 31 de Maio desse ano, começou a fazer hemodiálise e, no ano seguinte, foi submetido a um transplante, que lhe daria mais sete anos de vida saudável, e ainda alguma vida desportiva (mas nunca mais voltaria aos All-Blacks).

Em 2011, o seu corpo rejeitou o rim e Lomu voltou a fazer hemodiálise, três vezes por semana e seis horas de cada vez ligado a uma máquina que lhe limpava o sangue. “Todas as pessoas que fazem diálise têm uma coisa em comum: não temos alternativa. A segunda hipótese não é propriamente uma alternativa. É desistir”, contava Lomu ao Daily Mail durante o recente Mundial de râguebi em Inglaterra, que acabou com um triunfo dos All Blacks. Lomu, o homem que rompia uma defesa como se ela não existisse, aguardava por um dador compatível que lhe desse mais tempo de vida, o suficiente para ver os filhos chegarem à maioridade.

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