Foi você que pediu uma série de TV de artes marciais? Into the Badlands estreia em Portugal
Da produtora de Quentin Tarantino e com equipas de O Tigre e o Dragão e Kill Bill, o AMC continua o seu catering para os nichos. Estamos outra vez numa Terra pós-apocalíptica — e à conversa com os autores.
Alguns dos produtos televisivos de maior sucesso da televisão global dos últimos anos vêm de sítios inesperados – das terras da fantasia, dos pântanos do horror ou do quadriculado dos poderes sobre-humanos. E no pós-Mad Men e pós-Breaking Bad, o canal que tem como jóia The Walking Dead andava à procura de companhia para os zombies. Entramos Into the Badlands, seis episódios de pós-apocalipse e feudalismo do Sul norte-americano com artes marciais para o nicho, no AMC.
Nas Badlands vive-se um drama estilizado em que as lutas são filmadas por Master Dee Dee de O Tigre e o Dragão e de Kill Bill 1 e 2 e coreografadas por Stephen Fung, e onde a história que se entrelaça entre golpes é criada por Alfred Gough e Miles Millar (autores de Smallville, o mergulho na adolescência do Super-Homem que se tornou na mais duradoura série de ficção científica nos EUA). No centro está o lutador imbatível Sunny (Daniel Wu) e o jovem fugitivo M.K. (Aramis Knight), bem como o “barão” Quinn (Marton Csokas) ou A Viúva (Emily Beecham), que lutam por poder ou liberdade em terras de desolação e da lei do mais forte. “Aqui ninguém é inocente. Bem-vindos às Badlands”, diz Sunny no monólogo que abre a porta ao primeiro episódio, transmitido às 3h30 da madrugada de domingo para segunda-feira, em simultâneo com a estreia nos EUA, e que repete segunda às 23h15 no canal AMC (presente nos operadores Meo e Cabovisão).
“Não queríamos fazer o que já vimos um milhão de vezes – ‘polícia de Hong Kong vem à América e tira as armas das mãos de toda a gente’”, diz ao PÚBLICO Alfred Gough sobre a paixão da dupla que forma com Millar por filmes de artes marciais. Por isso a sua história é no inevitável futuro-pós-apocalíptico, e também porque “queríamos criar uma sociedade que não fosse sobre género ou raça, mas sobre força e fraqueza”. Influenciados pelos “filmes japoneses de samurais, como os de Kurosawa”, pelas “artes marciais de Hong Kong e pela ficção científica”, escreveram Into the Badlands para um canal que estava mesmo a pedi-las.
A ideia surgiu “há cerca de dois anos e meio” e levou-os até Stacey Scher, produtora de Quentin Tarantino [Django Libertado, Pulp Fiction, The Hateful Eight], que por seu turno tinha um acordo com o canal por subscrição norte-americano AMC - que se estava a preparar para o fim dos seus êxitos de prestígio (Mad Men e Breaking Bad). “Eles estavam à procura de uma série de artes marciais que fosse um companion piece para The Walking Dead“, o seu blockbuster de domingo à noite (exibido em Portugal no canal Fox), explica Gough, que conta com Scher como produtora executiva nas Badlands. Zombie procura companheiro, ou o canal que começou cedo a perceber que os nichos podem ser as novas massas - e que têm à partida um público mais ou menos garantido interessado em por lá passar.
“O trabalho do AMC é inovador. Antes de The Walking Dead não havia séries de horror na televisão e eles viram uma oportunidade - de servir um público que ainda não estava servido. E não há outras séries de artes marciais na televisão”, atenta Miles Millar ao telefone juntamente com Gough. “Foi sempre esse o objectivo: trilhar novos caminhos com esta série ao ter autênticas artes marciais ao estilo de Hong Kong na televisão. É algo que o AMC quis fazer porque havia um público que adorava filmes de artes marciais que ainda não estava a ser atendido”, prossegue – ressalvando, como showrunner preocupado com as audiências, que “obviamente é uma série que qualquer pessoa pode ver”.
Esta é portanto uma ideia original sem um romance ou um comic a servir-lhe de base – como acontece com Guerra dos Tronos ou The Walking Dead – mas com tons de narrativa de BD. A sua gramática é típica da criação de mitologias: num futuro pós-apocalíptico mas pleno de reminiscências do passado (da agricultura e cultivo de papoilas de ópio às motorizadas ou carros clássicos), sete “barões” controlam o povo através dos seus braços armados, os Colts, chefiados pelos guerreiros regentes Clippers. Não há armas de fogo (foram banidas) mas há poderes misteriosos, simbologia a convidar à exploração do mundo como nuns Jogos da Fome, lutas à chuva e câmaras Matrix e histórias de origem a desabrochar nos campos.
Neste futuro longe de Blade Runner ou Mad Max – “os dois filmes que definiram o aspecto do futuro pós-apocalíptico nos últimos 30 anos”, reconhece Gough – “as pessoas recorrem ao passado para as ajudar a definir o futuro, tanto nas suas estruturas sociais quanto no guarda-roupa… é um futuro usado, de coisas recuperadas. Não há electrónica complexa, é um mundo que voltou à Idade Média. É quase como um começo de uma nova revolução industrial”. Palco ideal para as viagens espirituais das personagens ao jeito do conto tradicional chinês do século XVI Journey to the West, para já tem seis episódios “esperançosos” de mais temporadas. A crítica parece dividida, entre aquela que fala de "clichés" e a que saúda como "bem-vinda".
Os autores e produtores já trabalharam em títulos como Shanghai Noon ou A Múmia - O Túmulo do Imperador Dragão com Jackie Chan e Jet Li, essa geração herdeira da destreza de Bruce Lee na penetração do cinema de artes marciais no mercado americano (e, depois, global), e quiseram dar igual peso às duas equipas de filmagem. Em simultâneo, a de luta e a de acção dramática trabalharam no estado da Luisiana depois de terem submetido o elenco a seis semanas de campo de treino “em torno de força e flexibilidade”, descreve Miles Millar. Ver o resultado final “é como dançar, é ver bailarinos. É com isso que as artes marciais de Hong Kong contribuem”.