Ver a Bíblia como Álvaro Siza a vê

Página Sagrada expõe desenhos da série que o arquitecto criou em 2007 para os painéis de azulejos da Basílica da Santíssima Trindade, em Fátima.

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"Queda": Grafite s/papel, 42 x 29,7 cm, Ass.2007 Álvaro Siza Vieira
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"Cristão orante": Grafite s/papel, 42 x 29,7 cm, Ass.2007 Álvaro Siza Vieira
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"Viagens apostólicas": Grafite s/papel, 42 x 29,7 cm, Ass.2007 Álvaro Siza Vieira
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"S. Pedro": Grafite s/papel, 42 x 29,7 cm, Ass.2007 Álvaro Siza Vieira

Uma exposição de desenhos bíblicos da vida de São Pedro e São Paulo assinados pelo arquitecto Álvaro Siza, Página Sagrada, na Galeria João Esteves de Oliveira, em Lisboa, até 7 de Janeiro, tem uma história e o arquitecto conta-a ao PÚBLICO. 

“Houve um concurso em Fátima para construir a Basílica da Santíssima Trindade e o arquitecto grego Alexandros Tombazis ganhou o concurso e convidou-me para fazer uma série de desenhos ilustrando episódios da vida de São Pedro e São Paulo, para uma galeria subterrânea da Basílica”, diz o arquitecto português. 

Depois de algumas conversas com o reitor de Fátima, ficou determinado que episódios seriam os representados para então, o arquitecto Álvaro Siza desenhar os dois painéis de azulejos da galeria da Basílica, que ficam num corredor com 150 metros. É dessa série encomendada ao arquitecto em 2007 que fazem parte os 43 desenhos agora expostos na Galeria João Esteves de Oliveira na baixa lisboeta.

A ideia da exposição, que partiu “de uma proposta do João Esteves de Oliveira”, agradou desde logo a Álvaro Siza.  “Achei interessante fazer esta exposição, até porque a Fátima vai muita gente, mas julgo que não vai assim tanta ver os azulejos à galeria subterrânea. É uma satisfação que o trabalho preparatório dos azulejos seja visto pelo público em geral”. A exposição apresenta ainda um painel em pequena escala que recria os painéis de azulejos na Basílica. 

Feitos em grafite sobre folhas A3, os desenhos ilustram famosos episódios do livro sagrado como o Martírio de São Paulo e a Crucificação de São Pedro e transmitem uma ideia de movimento que o autor diz ser propositada, explicando que “são episódios bíblicos que envolvem vidas muito intensas”.

Álvaro Siza destaca em particular o movimento do episódio em que São Paulo cai a cavalo a caminho de Damasco e que o arquitecto de 82 anos ilustra com quatro desenhos a que chamou Queda, integrados na exposição. Em Fátima, a sensação de movimento ao passar pelos painéis de azulejos é particularmente notória, visto que os desenhos têm cerca de dois metros de altura e estão dispostos ao longo das paredes do corredor.

José Tolentino Mendonça, padre e professor na Universidade Católica, foi o autor do nome da exposição – Página Sagrada , sobre a qual escreveu um texto incluído no catálogo. "Olhando para os desenhos de Álvaro Siza, o que me veio à mente foram as palavras ‘página sagrada’, e por duas razões: porque estes desenhos são de facto uma reflexão sobre a página bíblica que tradicionalmente se chama ‘página sagrada’, mas ao mesmo tempo é uma reflexão que ela própria se torna sagrada, pela qualidade da sua construção", explica ao PÚBLICO. Não é apenas um comentário, a própria reflexão [os desenhos] é uma página sagrada.”

Esta não é a primeira vez que Álvaro Siza se envolve num trabalho de cariz religioso: é autor de igrejas como a Igreja de Santa Maria e centro paroquial (em Marco de Canavezes) e a Igreja de Santa Maria do Rosario alla Magliana (em Roma). Contudo, o arquitecto diz que isso não mudou a perspectiva que tem em relação à religião: “Eu posso ter uma encomenda para fazer um quartel de bombeiros e posso ter uma encomenda para fazer uma igreja. São coisas muito diferentes e exigem uma pesquisa e um desenvolvimento de trabalho diferentes, mas a forma de chegar é a mesma”, diz, recordando as reacções que teve quando fez a primeira igreja. “Diziam que não a podia fazer porque não era frequentador da Igreja e acusaram-me ser ateu, quando eu nunca disse a ninguém se era ateu ou não, nem digo, porque isso é uma coisa pessoal. E realmente há pessoas declaradamente ateias que fizeram as melhores igrejas contemporâneas, como Le Corbusier [arquitecto suíço autor da Capela Notre-Dame-du-Haut].”

Recentemente, o arquitecto definiu três destinos para o seu espólio – a Fundação Calouste Gulbenkian, a Fundação de Serralves e o Centro Canadiano de Arquitectura (Montreal). As três instituições vão digitalizar o acervo de Álvaro Siza e disponibilizá-lo online para consulta.

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