Primeiro teste ao acordo da esquerda com sobretaxa e salários da função pública
PCP e BE não confirmam sentido de voto em relação a essas propostas. Certo é que são matérias que não obtiveram convergência com os comunistas, enquanto que com bloquistas não há acordo para a devolução de metade da sobretaxa.
O PS vai avançar nos próximos dias com dois projectos de lei que colocarão à prova o acordo celebrado com os partidos à sua esquerda. O socialista Pedro Delgado Alves confirmou, na Assembleia da República, que no dia 26 de Novembro serão debatidos uma proposta sobre a reposição de salários da função pública e outra sobre a redução da sobretaxa do IRS.
Tal como constava no programa, o PS deverá propor um corte de 50% na sobretaxa para o ano de 2016. Em relação aos funcionários públicos, deverá constar a redução gradual do corte nos salários, de 25% no primeiro trimestre, de 50% no segundo, de 75% no terceiro, até ao desaparecimento do corte no final do ano.
À partida, as duas propostas parecem representar um risco para a unidade da maioria parlamentar da esquerda. Conforme está reconhecido na posição conjunta assinada pelo PS e PCP, estas duas matérias fazem parte das matérias onde “não se verificou acordo quanto às condições da sua concretização”, mas apenas “convergência quanto aos objectivos a alcançar”.
E em relação ao Bloco de Esquerda, o mesmo acontece em relação à sobretaxa. O corte para metade da medida relativa ao IRS não consta do anexo que elenca as matérias onde se atingiu o acordo entre os dois partidos. Já a reposição dos salários representa uma proposta pacífica para o BE. Essa reposição gradual ao longo de 2016 faz parte das medidas acordadas com o Bloco.
Tanto o BE como o PCP pretendiam que a reposição de salários e a eliminação da sobretaxa fossem imediatos. O risco está na interpretação de que a execução em 2016 de um Orçamento em duodécimos – inevitável nos primeiros meses devido ao atraso na entrega do OE para esse ano – acarretaria o fim dessas medidas austeritárias por serem transitórias.
No entanto, essa não é a leitura que o PCP faz da situação. O líder parlamentar comunista, João Oliveira, lembrou ao PÚBLICO que um “Orçamento em duodécimos tem as limitações, em relação à despesa e à receita, que vêm do Orçamento anterior”. Ou seja, mesmo com um Orçamento em dudécimos, os cortes estariam em vigor.
Essa clarificação foi feita depois de ter sido questionado sobre a não aprovação das propostas do PS não seria mais vantajoso para a pretensão inicial de garantir a resposição intergral dos salários e fim da sobretaxa logo em Janeiro. Uma vez que o PCP entende que o OE em duodécimos perpetua a actual austeridade, as propostas do PS apresentam-se assim como um progresso em relação ao compromisso de dar “uma resposta pronta a legítimas aspirações do povo português de verem recuperados os seus rendimentos”, conforme está escrito na posição conjunta.
João Oliveira não quis, no entanto, confirmar a intenção de voto do PCP em relação a essas propostas. “É provável que na discussão se veja logo qual é a posição do PCP”, disse o líder parlamentar comunista. Antes disso, a bancada teria de avaliar as propostas em concreto.
Os sinais do salário mínimo
Ao mesmo tempo, PCP e o BE não anunciaram a apresentação de qualquer iniciativa em torno da questão do aumento salário mínimo que é debatida em plenário no dia 26. Na conferência de líderes desta quarta-feira, foi agendado o debate de uma petição sobre o aumento do salário mínimo, que já foi entregue na Assembleia em 2013 por um conjunto de personalidades da sociedade civil, encabeçado por Alfredo Bruto da Costa, presidente da comissão nacional Justiça e Paz.
Desta vez, o BE e o PCP não apresentaram até ao momento qualquer iniciativa (nem anunciaram que iriam fazê-lo) para ser discutida em conjunto, como aconteceu em anteriores legislaturas quando eram agendadas petições sobre a matéria. Só que a questão não consta do acordo entre PS e o PCP, por ter sido uma divergência que não foi ultrapassada. Os comunistas defenderam o aumento para os 600 euros já em 2016, enquanto o BE aceitou que essa subida fosse feita gradualmente até ao fim da legislatura.
Ao PÚBLICO, um deputado da bancada comunista disse não haver ainda qualquer projecto sobre o salário mínimo que pudesse ser arrastado para o debate da petição. O líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, disse ainda estar a ponderar avançar com uma iniciativa sobre o aumento do salário mínimo.
O tema não consta nem no acordo assinado com Jerónimo de Sousa, nem no acordo assinado com Heloísa Apolónia, dirigente do PEV, que defendem que o salário mínimo deve subir dos actuais 505 para os 600 euros logo no início do próximo ano.
Só o documento que teve o aval da coordenadora do BE, Catarina Martins, prevê uma subida gradual do SMN "com aumentos de 5% nos dois primeiros anos". Ou seja, passará para os 530 euros em 2016 e para os 557 euros em 2017.
Assim, a 26 de Novembro se verá se o acordo à esquerda tem um alcance maior do que aquilo que está escrito nas “posições conjuntas” assinadas na terça-feira. Afinal, os textos revelavam também os pontos onde houve desacordo e permaneciam dúvidas sobre o decorrer da legislatura que agora arranca.
Fragilidades dos acordos
A dúvida reflecte-se logo na forma como são referidas eventuais moções de censura. Não fica estipulado que os partidos mais à esquerda prescindam desse instrumento parlamentar durante a legislatura. Costa apenas conseguiu que se examinasse “em reuniões bilaterais” essa possibilidade.
Sobre esse assunto, à saída do debate que fez cair Passos Coelho, o líder do PS lembrou que o BE, PCP e Verdes assumiam as “condições de governação na perspectiva da legislatura”, pressupondo por isso que haveria “condições de eles próprios não apresentarem moções de censura”. Mas admitiu a possibilidade. “No dia em que qualquer deles sentir a necessidade de apresentar uma moção de censura é como o dia em que qualquer um de nós mete os papéis para divórcio. Nesse dia, o casamento acabou, nesse dia o Governo acabou.”
Da mesma forma, as posições conjuntas assinadas com o PCP e os Verdes incluem um excerto onde se referem os assuntos onde não foi possível um acordo. É aí que fica explicitada a visão dos comunistas e Verdes sobre a forma como os cortes salariais dos funcionários públicos serão eliminados no próximo ano.
Os acordos com estes dois partidos frisam, no entanto, que a inexistência de acordo não implica um desentendimento insanável. Ambos reconhecem nessas matérias uma “convergência” em relação aos “objectivos a alcançar”. O que, traduzido, quer dizer que existe a predisposição para votar favoravelmente os assuntos em que não se verificou “acordo quanto às condições para a sua concretização”.
Entre estes assuntos em aberto estão a reposição dos salários da função pública que virá a ser proposta pelo PS. Em situação semelhante estão o regresso às 35 horas semanais no Estado, o fim da sobretaxa do IRS, o aumento da progressividade deste imposto, o alargamento dos apoios sociais e a diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social.
No caso da diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social, outro dos pontos em relação ao qual não houve acordo quanto aos detalhes, o BE e o PS comprometem-se “a trabalhar em conjunto numa proposta a apresentar pelo Governo ao Conselho Económico e Social”. Já o acordo do PEV diz que a diversificação do financiamento será feita através “da contribuição de novas bases fiscais, da penalização da rotação excessiva de trabalhadores (...) e da consignação de parte da tributação sobre lucros ou sobre o valor acrescentado bruto”.
A diferença entre os partidos também se tornou visível na forma como estes justificaram as suas moções de rejeição ao programa do governo PSD/CDS. O PS, por exemplo, justificou o chumbo com a apresentação de um Governo alternativo, elencando as prioridades desse Executivo “gizadas em torno de quatro ideias fundamentais”. De entre estas surgia o compromisso de “conduzir uma estratégia de consolidação das contas públicas”, embora “assente no crescimento e no emprego e aumento do rendimento das famílias”.
A moção comunista não referia o acordo, embora definisse, de forma indirecta, o caderno de encargos para uma “alternativa”. E aí, os comunistas não faziam qualquer referência à necessidade de contenção orçamental. Em vez disso, o PCP defendia que a “solução para os problemas do país” implica, não só a “recuperação para o país dos seus recursos e sectores estratégicos”, mas também a “afirmação do direito de Portugal a um desenvolvimento soberano”. O Bloco de Esquerda nem isso escreveu, centrando-se nas razões para o chumbo do Programa de Governo de Passos Coelho.
Apenas a moção d'Os Verdes faz referência ao acordo e à constituição “de um Governo de iniciativa do PS”, acrescentando que o “viabilizarão”. Ainda assim, sem qualquer referência a uma estratégia de consolidação financeira, frisando aquele partido que a “convergência” atingida é sobre “questões urgentes e imediatas que dessem resposta aos problemas mais emergentes do país”.
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