Gerir um porto de mapa na mão

A ferramenta portuguesa 3Port é uma inovação mundial que já está a funcionar nos portos de Leixões e de Viana. Permite colocar num só sistema todas as necessidades de gestão e negócio das autoridades portuárias através da georreferenciação. Segue-se a exportação.

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Falar de georreferenciação pode dizer pouco a muita gente. Talvez falar de Google Maps e pensar nas imagens reais que nos devolve o street view, ou falar de sistemas colaborativos e pensar na forma como cada um dos utilizadores de aplicações como o Waze, que não só mostra mapas como indicam tempos de percurso em função do tráfego actual, ajuda a dar fiabilidade e segurança à informação recolhida, ou, até, falar de interoperabilidade e pensar que, apesar de distintos, os diferentes sistemas de informação podem coexistir e alimentar-se mutuamente.

Talvez todos estes termos ajudem a perceber melhor o grau de inovação tecnológica com que estão equipados alguns portos nacionais, e que assentam na organização sistematizada de todos os sistemas necessários à gestão portuária, sempre assentes numa base georreferenciada. Trata-se da ferramenta 3Port, uma inovação mundial, desenvolvida pelo Inesc Tec (Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência), que se especializou na transferência de tecnologia para a empresas e que desde Setembro está a ser utilizada pela APDL – Administração dos Portos de Douro e Leixões. Está operacional nos Portos de Leixões e de Viana do Castelo e ainda em fase de desenvolvimento para o canal fluvial do Douro – actualmente falta concluir a georreferenciação dos 208 quilómetros de margem do rio, já que a APDL ficou com a tutela de todo o canal fluvial, até à fronteira com Espanha. A Triede, a empresa tecnológica que é dona desta solução, pretende agora exportá-la para o Brasil, Angola, Peru e Chile.

É comum dizer-se que os portos são um dos espaços mais estratégicos do território de um país, e o número de operações e de entidades envolvidas no seu funcionamento diário implica alguma complexidade e uma ainda maior dose de responsabilidade. Com o 3Port não chega a ser brincadeira de crianças, mas quase parece. Basta ter um dispositivo móvel com acesso à internet e abrir a base geográfica (o sistema trabalha com os mapas do Google e do Google Earth, do Bing ou o OpenStreetMap) e fazer a gestão do trafego portuário, verificando em tempo real onde andam os navios e onde deverão atracar e proceder às suas descargas, ou como estão os níveis de dragagens e onde é necessário fazer alguma operação de segurança.

Um utilizador comum pode experimentar as potencialidade da ferramenta e ir espreitando o endereço http://livemap.apdl.pt, onde poderá aceder em tempo real ao que está a acontecer no Porto de Leixões ou no de Viana do Castelo. Não é preciso descarregar nenhuma aplicação, já que o sistema é adaptável ao browser de qualquer dispositivo móvel, para conseguir ver os navios a aproximar-se, abrir as fotografias que o ajudarão a identificá-los e a caracterizá-los, saber de onde vêm, com que tipo de carga, para onde vão. E também poderá ver as imagens que as câmaras públicas estão a captar no momento, por exemplo, aquelas que são usadas pelos surfistas para monitorizar o estado do mar.

Para um utilizador registado, as potencialidades que a ferramenta lhe dispensa são bem mais potencializadas, sobretudo nas diversas áreas em que as autoridades portuárias têm de gerir informação, seja ao nível das infra-estruturas marítimas e terrestres, seja nas questões de navegabilidade de ambiente e segurança.

Luís Marinho Dias, director de Informática da APDL, reconhece que a solução tradicional que existia em Leixões e em Viana do Castelo (à semelhança da que existe na generalidade dos portos pelo mundo fora) era já de si uma solução eficaz. “Era um conjunto de sistemas de informação. Mas não chegava. Tinha uma reutilização limitada”, explica, referindo-se por exemplo à informação que é carregada no sistema por quem está a gerir a movimentação de navios que não era imediatamente cruzada com aquela que é produzida por quem está a fazer cálculos de taxas de assoreamento e a mapear as cotas de serviço, associadas à navegabilidade propriamente dita. Outro exemplo, na caracterização ambiental e ecológica que é feita na área de influência do porto: os dados recolhidos pelos sensores em tempo real, que medem a qualidade da água, a pressão atmosférica, os níveis de ondulação, permitem a produção imediata de indicadores e alertas, numa informação que pode ser útil e é utilizada por outras áreas de gestão do porto.

Por isso, Marinho Dias refere-se ao 3Port como “um sistema que agrega todos os outros sistemas”, numa lógica de interoperabilidade, que “lhe acrescenta valor”. “A informação só precisa de ser carregada uma vez, é informação qualificada e vai ter impacto num conjunto de utilizadores”, explica. A consequência imediata será medida em ganhos de eficiência e na diminuição dos custos de operação, que potenciam o crescimento sustentável do porto. Mas, acima de tudo, destaca Marinho Dias, a concretização do 3Port é reveladora dos bons resultados a que pode chegar a articulação entre quem investe na tecnologia, quem a desenvolve e quem a utiliza.

Inovação com apoios comunitários
A tecnologia propriamente dita pertence à Triede, uma habitual fornecedora dos Portos de Viana do Castelo e de Leixões. Quem a desenvolveu foi o Inesc Tec, já com 30 anos de existência. “O que este laboratório associado faz é um verdadeiro serviço público às empresas”, elogia Manuel Vaz da Silva, presidente do conselho de administração da Triede. Lino Oliveira, investigador do Inesc Tec, e que coordenou uma equipa que envolveu seis elementos, agradece os elogios, mas, sobretudo, reconhece os resultados. “A missão de um laboratório associado como o nosso é mesmo essa, a de dar respostas concretas e apresentar soluções para os problemas”.

É difícil isolar no tempo quando é que surgiu a ideia concreta de criar uma ferramenta como o 3Port. E nenhum dos vértices deste triângulo inovador reclama a paternidade sozinho. O que todos concordam é que o maior impulso ao projecto foi dado com a aprovação do co-financiamento comunitário, no âmbito do Quadro Comunitário de Apoio, e que foi executado em pouco mais de dois anos. O investimento do projecto ascendeu aos 800 mil euros e a comparticipação atingiu os 65%.

Agora, com a ferramenta implementada, e com exemplos práticos para dar, seguem-se as fortes expectativas em termos de exportação da tecnologia. Manuel Vaz da Silva afirma que o reconhecimento internacional tem sido bastante elevado. “Já apresentámos o projecto em quatro estados brasileiros, no Porto de Luanda (Angola), em Valparaíso (no Chile) e em Callao (no Peru). E há boas perspectivas de venda, nomeadamente, no porto de Itajaí, no Estado de Santa Catarina”, enumera.

Em números grosseiros, Vaz da Silva diz que o porto estrangeiro que quiser comprar a ferramenta terá de suportar integralmente os seus custos – e que rondará um milhão de euros. Já aos restantes portos nacionais, onde também já foi apresentado, o preço será mais modesto, “porque o risco e os custos [de manutenção da ferramenta] é muito menor” e vai depender do número de módulos adquiridos. 

O grau de inovação e de pioneirismo que é reconhecido aos portos nacionais não se esgota no exemplo desta ferramenta, e existem outros projectos em curso que demonstram a quase perfeita articulação entre investigadores, investidores e utilizadores da tecnologia. Luís Marinho Dias recorda que o sector portuário tem várias particularidades que o distinguem de outros onde a inovação também é um imperativo, mas onde os esforços de Investigação e Desenvolvimento podem ser feitos de uma forma particular, algo isolada. “No sector da logística não é assim. Tem de ser a entidade pública a puxar a carruagem quase até à estação”, argumenta.

E, neste momento, existem várias “carruagens” a ser trabalhadas, sendo, talvez, o exemplo da Janela Única Logística aquele que irá dar lugar a melhores notícias a curto prazo. Este projecto será muito mais do que uma actualização à Janela Única Portuária, que já existe de forma consolidada nos portos nacionais e, na qual, o Porto de Sines foi pioneiro. A Logistic Single Window, a sigla em inglês de um projecto que é comunitário, tem nos portos portugueses os verdadeiros pontas de lança.

A ideia, que envolve as sete administrações portuárias nacionais, a Refer e a CP Carga, 16 entidades participantes e outras tantas apoiantes, é permitir dar às empresas de transporte de mercadorias as mesmas soluções de pesquisa que são dadas aos passageiros. Ou seja, assim como um passageiro que se quer deslocar do ponto A para o ponto B pode pesquisar em várias plataformas qual é a forma mais rápida, ou mais barata, de efectuar esse transporte, também os transportadores poderão vir a fazê-lo, assim como acompanhar em tempo real onde está a sua mercadoria. A APDL e o Inesc Tec também estão envolvidos no projecto-piloto que está a desenvolver este sistema.

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