Nesta escola, a comida é vegetariana há 42 anos e ninguém estranha ou reclama

Colégio Adventista de Oliveira do Douro, em Gaia, desmistifica preconceitos à mesa e mostra alternativas alimentares. Na cantina a religião fica à porta, a decisão é de cada um.

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Fotos Nelson Garrido
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A ementa da semana está afixada na secretaria. Bife de seitan no forno com batata assada, sopa, salada, pão e fruta é o menu de sexta-feira. Os mais pequeninos do pré-escolar do Colégio Adventista de Oliveira do Douro, em Vila Nova de Gaia, chegam para o almoço. As funcionárias ajudam na hora da refeição, alguns trazem comida de casa. Há quem traga arroz com cogumelos, arroz com feijão preto, rissóis vegetarianos. Nada do que chega ao estômago é imposto, mas salienta-se os benefícios de uma alimentação sem carne ou peixe.

A esta cantina chega fruta do pomar ali ao lado e produtos de hortas comunitárias a dois passos do colégio. Fritos apenas uma ou duas vezes por mês, no máximo. Organizam-se seminários para falar do valor nutricional dos alimentos e mostrar como se confecciona uma refeição sem carne nem peixe. Na semana da Europa, replicam-se pratos tradicionais de vários países à boa maneira vegetariana e esmera-se na apresentação. Há campanhas para consumir menos doces e mais fruta. E quando se fala na roda dos alimentos, lembra-se que também existe a pirâmide da comida vegetariana, que coloca os cereais na base, frutas e legumes no mesmo patamar, gorduras vegetais no topo e inclui, na lateral da pirâmide, o exercício físico e a água.   

Há 42 anos, desde a existência da escola, que esta cantina só se serve comida vegetariana, ou melhor, ovolactovegetariana porque são usados ovos, leite, sobretudo de soja, e seus derivados. A filosofia adventista recomenda este tipo de alimentação e, portanto, o recente alerta da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o consumo de carnes processadas e de carnes vermelhas, como “provavelmente” cancerígenos, não provocou qualquer alteração no dia-a-dia. O colégio é adventista, as refeições vegetarianas, mas não há qualquer imposição ou tentativa de conversão alimentar. Mostra-se simplesmente, a cada almoço, que há opções à carne e ao peixe que até são fáceis de confeccionar.

Dos 150 alunos, do pré-escolar ao 9.º ano, 70% não são adventistas e nem todos os adventistas são vegetarianos. A escolha é de cada um. Por dia são servidos entre 70 a 80 almoços na cantina. Dinis Vasconcelos tem quatro anos, não é adventista, e é parcialmente vegetariano. Quis trazer comida de casa para experimentar e a mãe preparou-lhe arroz com açafrão, cenoura, tomate. A irmã Catarina Vasconcelos tem nove anos, anda no 4.º ano, também é parcialmente vegetariana e vai almoçar rissóis de queijo e tomate e tarte de coco à sobremesa. “Desde pequenina que como diferente, já estou habituada”, diz Catarina. Todos os dias, a família atravessa uma ponte sobre o Douro e faz 20 minutos de carro para chegar a Oliveira do Douro. A alimentação é muito importante lá em casa. “A minha mãe é vegetariana desde os 25 anos”, conta. O cuidado nota-se em preparar duas ementas diferentes para os dois irmãos. “Não gostamos das mesmas coisas”, explica Catarina, que adora tomate e esparguete. A mãe Fátima Pereira, superatenta à nutrição, 100% vegetariana, considera que os filhos não podiam estar em melhores mãos. Não se trata de religião. “É um colégio de excepção quer em termos educativos quer no cuidado que tem com a nutrição de crianças em desenvolvimento, e não tem nada a ver com ser ou não vegetariano”, refere. “A base adventista da escola recomenda uma alimentação vegetariana, mas aqui estamos a falar do cuidado que tem com a nutrição e de todo um trabalho que é feito com muita qualidade”.

Vegetarianos apenas na escola
Almôndegas de requeijão e nozes, almôndegas de aveia e panadinhos de soja são pratos que também entram na ementa e que, desde o início do ano lectivo, são confeccionados noutra instituição de Gaia e transportados para o colégio, desde que o cozinheiro partiu para a Suíça. Beatriz Pinhel tem 14 anos e frequenta o colégio desde os três. Há 11 anos que, no período escolar, os seus almoços são vegetarianos. Já se habituou, não há qualquer problema. Beatriz não é vegetariana, nem adventista. “Apenas como pratos vegetarianos na escola”, revela, garantindo que é fácil habituar-se às diferenças. “As duas alimentações são muito saborosas”, avalia. O aviso da OMS não a deixou preocupada. “Sinceramente, é uma coisa de que já ouvimos falar antes, foi só um alerta mais geral”. Lá em casa já se prefere carnes brancas, de vez em quando entra bife de vaca, e os pais gostam de saber o que almoça na escola para diversificar ao jantar. Beatriz aprecia lasanha vegetariana e destaca os benefícios dos almoços. “Esta alimentação ajuda-nos a ser mais saudáveis, ganhamos mais energia e ajuda-nos na concentração”. Mais energia, como assim? “Quem consome mais carne e fast-food tem tendência a não querer praticar exercício físico”, responde. Milânio Azevedo, com 15 anos e no 7º ano, é um dos 13 alunos internos do colégio. Chegou há três anos de Angola, é adventista, e “90% vegetariano”.

“Sinceramente, não sinto saudades da carne. Esta alimentação vegetariana é saudável e permite viver mais tempo”, observa. As saudades são “da comida da terra”, de Angola. Já o colega Pedro Lobo, de 13 anos, não acha grande piada a esta comida. Não é adventista, nem vegetariano, e não desenvolve o assunto. Prefere os pratos feitos pela família. “A comida sabe melhor em casa do que aqui”, afirma. E o alerta da OMS? Não ouviu falar.

“A nossa preocupação é a promoção da saúde”, adianta o director do colégio, Samuel de Abreu, vegetariano e adventista. Os adventistas defendem uma educação holística, em que uma alimentação mais saudável e sustentável é importante. Ter uma ementa sem carne nem peixe é uma coisa natural: “É endémico, faz parte da nossa natureza enquanto escola”. Alimentação saudável em nome do bem-estar físico e também psicológico. “O bem-estar físico é fundamental para o desenvolvimento de outras competências”, refere. O colégio tem as portas abertas a todos os alunos e não fez estudos que permitam aferir se esta dieta tem implicações no desempenho escolar. “Não podemos dizer isso, não excluímos ninguém, trabalhamos com todos”. Mas ali, à mesa da refeição, alguém lembra que a turma do 9.º ano que há dois anos frequentou o colégio ficou, no mais recente ranking das escolas, em segundo lugar em Vila Nova de Gaia e em 28.º a nível nacional.

Há seis anos que Sónia Barbosa, professora de Inglês, Espanhol e Português no colégio almoça na cantina. Não é adventista. Primeiro estranhou, depois os pratos sem carne nem peixe entranharam-se na sua alimentação. Assume-se como meio-vegetariana, prefere agora carnes brancas, frangos caseiros e perus, passou a usar tofu. Garante que nota diferenças, depois de estranhar a textura de alguma comida e de sentir que o seu organismo estava a adaptar-se a outra alimentação. Notou melhorias. As borbulhas na pele, que apareciam quando exagerava no consumo de carnes vermelhas, já não a incomodam. “O meu marido diminuiu drasticamente o colesterol quando comecei a introduzir este tipo de alimentação”, garante. A filha Inês, de três anos, também almoça no colégio e nunca estranhou. “Aprendi alguns pratos e já cozinho em casa, utilizo muito o tofu”, relata.

Raquel Cordeiro, professora do 1.º ciclo no colégio, também almoça na cantina. Está grávida e sempre teve cuidados com a alimentação. Não se assume 100% vegetariana, mas andará lá perto. Carne e peixe são substituídos por frutos secos, leguminosas. A comida não é sempre igual, há diversidade nos pratos vegetarianos, vai deitando o olho a vários. “Aumento o leque de pratos e vou explorando em casa”. O marido, 100% vegetariano, agradece. Por ali, na cantina, já ouviu comentários curiosos. “Há alunos que costumam dizer que a vitela está mesmo boa. Sabem que não é carne, mas confundem o sabor”.

 

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