Jornal de Angola diz que visita de embaixador português a Luaty é "precedente grave"
“A ingerência desabrida que Portugal faz nos assuntos da soberania de Angola está a ultrapassar todos os limites”, diz o jornal oficial.
A breve visita que o embaixador português em Luanda fez na quinta-feira ao activista angolano Luaty Beirão, em greve de fome há 35 dias, abre “um precedente grave”, escreveu no seu editorial deste domingo o Jornal de Angola.
“O diplomata português acaba de legitimar toda a ingerência personificada nas manifestações em Portugal. O Governo português, depois de tanto tempo, volta a cair na asneira de se pôr do lado errado”, lê-se no editorial intitulado “De Portugal nada se espera”.
“A ingerência desabrida que Portugal faz nos assuntos da soberania de Angola está a ultrapassar todos os limites”, diz o texto do jornal oficial, assinado pelo director, José Ribeiro.
O embaixador, João da Câmara, não fez qualquer declaração pública após a visita que na quinta-feira fez a Luaty Beirão, activista político e rapper de 33 anos, também com nacionalidade portuguesa, em greve de fome para poder aguardar em liberdade – ele e outros 14 activistas detidos – o julgamento já marcado para dia 16 de Novembro.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal emitiu no mesmo dia um comunicado onde o Governo de Lisboa declarava que continuaria a acompanhar a situação do activista em greve de fome e dos outros detidos desde Junho, acusados de rebelião e de tentativa de assassinar o Presidente José Eduardo dos Santos, quer através de contactos junto das autoridades angolanas, quer em coordenação com os parceiros da União Europeia (UE).
Um diplomata da embaixada de Portugal em Angola tinha já visitado Luaty Beirão numa deslocação à clínica onde se encontra de uma delegação integrada por diplomatas do Reino Unido, Espanha, Suécia e o representante da delegação da UE na capital angolana. Houve também um encontro de diplomatas europeus com os outros 14 detidos, no Hospital-Prisão de São Paulo.
Num texto em que não refere uma única vez a expressão “greve de fome”, o jornal estatal escreve que sobre o activista pendem “acusações gravíssimas” de “envolvimento em actos de perturbação de ordem pública em Angola, no quadro de uma acção mais vasta de transformar o país numa nova Líbia em África”.
O diário entende que “a cruzada anti-angolana já não pode ser ignorada” e diz que aquilo que vê como “ ingerência portuguesa nos assuntos estritamente angolanos só encontra paralelo em duas ocasiões: quando Angola proclamou a sua independência em 1975 e quando se aproximava a derrota da UNITA de Jonas Savimbi, antes de 4 Abril de 2002”.
“Os ataques diários e injustos desferidos a partir de Portugal surgem agora revestidos da fina película da luta pelos direitos humanos”, escreve também o director, que fala em “guerra feroz, lenta mais sistemática, que vem diariamente de Portugal contra o Estado angolano e que se aproveita agora do caso judicial que envolve o angolano Luaty Beirão”.
Em Portugal, e noutros países europeus, têm-se realizado vigílias e manifestações de apoio Luaty Beirão e aos outros detidos.
“Esperar pela compreensão dos portugueses para se trilhar um caminho comum de cooperação mutuamente vantajosa é pura perda de tempo e prova que foi correcta a decisão tomada pelo Governo de Angola de suspender a construção dessa parceria estratégica com Portugal”, diz também o editorial.
São ainda feitas críticas ao grupo de comunicação Impresa e a políticos, principalmente do Bloco de Esquerda, que têm contestado a detenção dos activistas.
Noutro texto, o jornal angolano reproduz declarações feitas há dias pelo embaixador do Governo de Luanda em Lisboa, José Marcos Barrica, segundo o qual “o problema do cidadão Luaty Beirão apenas é um pretexto para fazer ressurgir aquilo que em Portugal sempre se pretendeu: diabolizar Angola”.