Luaty Beirão prescinde de assistência médica se o seu estado se agravar

Angolano já cumpriu 26 dias de greve de fome e mantém determinação. Prestigiado médico de Luanda apela a que pare: “Estás a enfraquecer o campo dos que pensam como tu”.

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Activista angolano está "mais fragilizado e continua lúcido" Miguel Manso

O activista angolano Luaty Beirão decidiu prescindir de assistência médica, “na eventualidade de atingir o estado de coma ou desorientação cognitiva”. Só aceita ser assistido se ele e os outros 14 detidos desde Junho, sob acusação de preparação de golpe de Estado e atentado contra o Presidente José Eduardo dos Santos, forem libertados para aguardarem julgamento.

Numa declaração com data de quinta-feira, 15 de Outubro, partilhada nas redes sociais, e cuja autenticidade o PÚBLICO confirmou, Luaty diz estar consciente “das consequências da decisão”.

Se a libertação dos detidos ocorrer num momento em que a sua “recuperação seja ainda realizável sem danos” que o obriguem a uma “existência vegetativa”, o músico e activista de 33 anos – que esta sexta-feira cumpriu o vigésimo-sexto dia de greve de fome – aceita ser tratado.

Luaty, conhecido no meio artístico como Ikonoclasta e Brigadeiro Marta Frakus, continua na Clínica Girassol, em Luanda, para onde foi transferido na quinta-feira, para lhe serem feitos exames médicos. “Está mais amarelado, mais fragilizado, continua lúcido”, disse ao PÚBLICO a mulher, Mónica Almeida, depois da visita desta sexta-feira. “Ainda não temos nenhuns resultados médicos concretos.”

Horas antes, o chefe nacional do departamento de saúde dos Serviços Prisionais angolanos, Manuel Freire, disse à Lusa que o detido “não está em risco de vida” e que o seu estado de saúde “continua estável”. “Neste momento passa bem, preferiu-se mandá-lo para uma unidade mais diferenciada, por uma questão de precaução”, afirmou, sem adiantar pormenores.

A declaração em que prescinde de assistência médica se a sua situação se agravar foi escrita quando estava ainda no Hospital Prisão de São Paulo, em Luanda, de onde foi transferido para a clínica. A posição expressa pelo cidadão luso-angolano, que há anos se empenha no activismo anti-regime, confirma a determinação de não desistir que tem sido relatada por familiares e outras pessoas próximas.

“Ele é assim, uma pessoa muito convicta, muito vertical no que toca à defesa dos seus direitos. Nada mais podemos fazer em relação a isso”, disse à Lusa Mónica Almeida. “Sabemos que, quando ainda estava em Calomboloca, pediu desculpas à mãe por lhe estar a causar sofrimento, mas pediu que a família respeitasse a sua escolha”, afirmou na quinta-feira ao PÚBLICO Felizardo Epalanga, do Grupo de Apoio aos Presos Políticos Angolanos, que não espera uma mudança de posição do Governo neste caso.

Declaração de Malta
No seu texto, Luaty invoca a Declaração de Malta, um documento sobre pessoas em greve de fome adoptado pela Assembleia Médica Mundial em 1991 e revisto em 1992. A passagem para que remete prevê que “a última decisão de intervenção ou não-intervenção deve partir do próprio indivíduo” que esteja a recorrer a essa forma de protesto.

Confrontado com a declaração do detido em greve de fome, Pedro Coquenão, músico e amigo de infância, disse ao PÚBLICO que se trata de um procedimento normal que “defende o médico e o defende a ele para não ser forçado a comer” e ilibar de responsabilidades “os médicos e pessoas que o assistem”.

Um apelo para que Luaty Beirão interrompa a greve de fome foi esta sexta-feira feito pelo médico angolano Luís Bernardino, professor aposentado da Faculdade de Medicina da Universidade Agostinho Neto. “Ao prolongares esse comportamento até às últimas consequências, estás a enfraquecer o campo dos que pensam como tu, estás a deixar sem resposta as acusações que te fizeram, estás, em resumo, a desistir da tua luta, ainda que de uma forma heróica”, escreve numa carta “aberta a assinaturas”, divulgada no semanário angolano Novo Jornal.

“À luz do Direito Angolano vocês deviam ter sido libertos, aguardando julgamento. A manutenção das medidas coercivas só pode explicar-se por uma ‘vendeta’ do Executivo, que quer punir (extrajudicialmente) os jovens que têm posto em causa a governação do Presidente da República”, escreveu. “O teu perfil é o do cidadão exemplar de que Angola precisa para ser uma nação feliz e próspera.”

“Querido Luaty, queremos com esta mensagem desobrigar-te do teu compromisso. Rogamos-te para que termines a tua greve, para recuperares a tua força física e juntar[es]-te a Nós”, termina a carta partilhada pelas páginas do Facebook Liberdade aos Presos Políticos em Angola e Central Angola 7311, com o objectivo de recolher assinaturas.

 

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