Turquia rejeita acordo com a UE sobre refugiados sem ter perspectiva de adesão
No terreno, a situação humanitária também se agrava: Hungria fecha mais uma fronteira, com a Croácia; guarda búlgara mata afegão.
O plano de acção conjunto entre a União Europeia e a Turquia, anunciado no final da cimeira de Bruxelas dedicada aos refugiados, não passa de "um projecto", disseram os governantes turcos, que rejeitaram todos os pontos propostos. Se num primeiro momento a Turquia fez exigências para colaborar, agora foi bastante mais longe, com as palavras do Presidente Recep Erdogan a assemelharem-se a um ultimato: ou a Europa aceita os termos de Ancara, ou fica por sua conta e a braços com cada vez mais refugiados.
"A segurança e a estabilidade do Ocidente e da Europa estão relacionadas com a nossa segurança e estabilidade. Nas conversações de Bruxelas aceitaram-no. [A segurança e a estabilidade] não pode acontecer sem a Turquia. E se não pode acontecer sem a Turquia, porque não aceitam a Turquia na União Europeia? O problema é claro, mas eles não estão abertos e dizem que fizeram um erro" ao integrar a Turquia na NATO, disse esta sexta-feira o Presidente turco numa conferência de imprensa. Erdogan considera que a Europa "acordou tarde" para duas realidades: os refugiados e o papel essencial da Turquia.
A Turquia, que desde que a guerra na Síria eclodiu, em 2011, recebeu 2,2 milhões de refugiados, é o país de onde parte a maior parte das pessoas que querem chegar à Europa. É, por isso, um país crucial para a resolução deste problema da União Europeia — que não encontra um caminho para absorver, de forma pacífica, tanta gente; 600 mil pessoas desde Janeiro — e desta crise humanitária.
Nesta sexta-feira, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) anunciou que depois de alguns dias, no início de Outubro, em que parecia que o fluxo de travessias no Mediterrâneo iria abrandar com a aproximação do Inverno, registou-se um novo aumento no tráfico. À ilha grega de Lesbos estão a chegar diariamente entre 75 e 85 embarcações. "Não sabemos ao certo o motivo deste aumento, talvez a melhoria do tempo, talvez uma corrida para chegar antes do Inverno, talvez o medo que todas as fronteiras da Europa fechem muito em breve", disse o porta-voz Adrian Edwards. Ao longo do ano, 3100 pessoas morreram ou desapareceram na travessia do Mediterrâneo.
Na cimeira europeia de quinta-feira em Bruxelas foi enunciado um rascunho de acordo UE-Turquia que previa o financiamento europeu a um plano destinado a vigiar as fronteiras turcas (impedindo a travessia do Mediterrâneo) e melhorar as condições de vida dos refugiados sírios em território turco. Três mil milhões de euros foram disponibilizados, foi anunciado em Bruxelas. Em troca, a Turquia não teria a desejada reabertura das negociações para a adesão deste país à União Europeia, mas veria facilitadas as concessões de vistos. "Temos que estabelecer uma colaboração próxima com a Turquia", disse a chanceler alemã, Angela Merkel. À AFP, uma fonte diplomática em Bruxelas disse que a simples "liberalização dos vistos" de entrada na UE aos turcos "provoca suores frios" em alguns países.
A cimeira não foi perfeita, mas os anúncios que foram feitos pareciam indicar que se abrira a porta a um entendimento. Esta sexta-feira, Erdogan e o seu ministro dos Negócios Estrangeiros, Feridun Sinirlioglu sublinharam que nada foi fechado em Bruxelas. Nada foi acordado. O plano de acção, disse o chefe da diplomacia turco, é apenas "um projecto". Quanto ao financiamento proposto, é "inaceitável". "A UE ofereceu um envelope financeiro e nós dissemos que é inaceitável. Está fora de questão. Se a UE decidir partilhar o fardo financeiro, terá que fazê-lo com um montante adequado e não com o montante insignificante que foi proposto e que já tinha sido mencionado no passado", disse. Falou da necessidade de três mil milhões de euros só num primeiro ano; nas suas declarações, Erdogan disse que desde 2011, quando eclodiu o conflito na Síria, o seu país já gastou oito mil milhões de euros com os refugiados.
Um porta-voz do Ministério turco dos Negócios Estrangeiros, citado pela AFP, explicou que a cooperação da Turquia na resolução do fluxo de refugiados para a Europa é matéria de futuras negociações — no domingo, Angela Merkel estará na Turquia para conversar com Erdogan. O encontro adivinha-se difícil — a chanceler alemã já disse que refugiados e adesão à UE "não se misturam".
À mesa das negociações, os refugiados são usados como moeda de troca política. No terreno, a sua situação também piora — apesar de novos apelos do Governo de Berlim para que surja uma resposta conjunta para um problema comum, e para que sejam acelerados o registo e redistribuição dos refugiados nos pontos de chegada, os países continham a responder isoladamente, pela força e com o encerramento de fronteiras.
À margem da cimeira europeia de quinta-feira, Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia (o grupo de Visegrado, um pacto antigo de não agressão e cooperação) chegaram a um entendimento para colaboração no encerramento das fronteiras aos refugiados.
Assim, a Hungria vai receber da Polónia, República Checa e Eslováquia, equipamento próprio para vigilância de fronteiras, assim como os homens que operam esses veículos e máquinas.
A Hungria anunciou também o encerramento da sua fronteira com a Croácia a partir da meia-noite desta sexta-feira — há um mês encerrou a fronteira com a Sérvia — e a criação de duas zonas nesta fronteira onde os refugiados podem dirigir-se para pedir asilo.
"O conselho nacional de segurança decidiu que a Hungria respeitará as suas obrigações Schengen na fronteira Hungria-Croácia", mas esta será fechada aos refugiados, explicou o ministro dos Negócios Estrangeiros húngaro, Peter Szijjarto. Perto de 240 mil pessoas entraram na Hungria, um país de passagem até ao destino desejado, que na maior parte dos casos é a Alemanha.
Noutra destas fronteiras fortemente militarizadas, morreu o primeiro refugiado atingido por balas de um guarda de fronteira — um afegão. Foi na cidade búlgara de Sredets, a cerca de 30 quilómetros da Turquia, e a presidência búlgara disse ter sido um "trágico acidente"; o guarda disparou tiros de aviso para conter um grupo de 50 pessoas, todas entre os 20 e os 30 anos, que tentavam passar a fronteira ilegalmente.