Pescadores culpam Marinha pelo atraso no resgate que “custou mortes”

Marinha garante que enviou os meios possíveis, mas estes só chegaram mais de uma hora e meia após o alerta e um dos pescadores que não sobreviveram esteve 45 minutos a gritar por ajuda. Associação de pescadores denuncia ter sido um oficial da Marinha nos Açores a activar os meios.

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Sérgio Azenha

Dezenas de pessoas juntam-se na barra. Pedro liga ao 112 e aos bombeiros, enquanto o irmão contacta o Comando Naval do Continente, mas os meios de socorro marítimos não aparecem. Durante “45 minutos”, um pescador agarra-se ao casco do navio e segura-se à vida. “Eles estavam a 30 metros de nós. Foi angustiante ouvi-lo a gritar por socorro e não chegarem meios durante tanto tempo”, acrescenta. Anoiteceu e Pedro Daniel Nossa deixou de ouvir e de ver o pescador.

As buscas continuavam ao final desta quarta-feira com quatro pescadores ainda desaparecidos. Têm entre 40 e 56 anos e são maioritariamente oriundos das povoações da Cova Gala, Costa de Lavos e Leirosa. Pelas 18h desta quarta-feira, as autoridades esperavam a chegada de uma empresa de salvação marítima para retirar o barco do mar e verificar se os corpos dos quatro pescadores desaparecidos estariam na ponte do navio. Os mergulhadores da Marinha tentaram antes, sem sucesso, verificar se ali estavam, mas foram impedidos pelas redes em redor do barco.

O presidente da Associação Pró-Maior Segurança dos Homens do Mar, José Festas, responsabiliza a Marinha e o Instituto Socorro a Náufragos (ISN) pelo atraso “de mais de uma hora” no resgate “que custou mortes”. O líder da associação, que representa 600 embarcações e 8000 pescadores em todo o país, sublinha que “a Marinha falhou” e exige que seja feito um inquérito ao que aconteceu.

A situação está a revoltar a comunidade piscatória e os ânimos exaltaram-se esta quarta-feira durante uma vigília silenciosa que contou com a presença de três centenas de pessoas em frente à Capitania do Porto da Figueira da Foz. Ao início da noite, dezenas de pescadores continuavam ali concentrados a exigir a colocação da bandeira nacional a meia haste e explicações sobre a operação de socorro após o naufrágio.

O porta-voz do ISN, Nuno Leitão, desmente o atraso no resgate e recorda que “foram activados os meios adequados face às condições do mar”. Por outro lado, insiste que será feito um inquérito, “como é de lei haver sempre um inquérito nestas circunstâncias”. O alerta para o naufrágio foi dado pelas 19h13 e só pelas 21h chegou ao local um helicóptero da Força Aérea vindo do Montijo e o navio patrulha oceânico Figueira da Foz, confirmou a Marinha num comunicado em que sublinhava que os pescadores estavam “todos sem colete”.

Momentos após o naufrágio, dezenas de pessoas e inúmeros agentes da Polícia Marítima mantinham-se em terra à espera que chegassem os meios do ISN. Enquanto isso, o presidente da Associação Pró-Maior Segurança dos Homens do Mar, que arrancava de carro da Póvoa de Varzim para aquele local, ligava para o comandante do Porto da Figueira da Foz, Paulo Inácio. Estava desligado, garantiu ao PÚBLICO, e, em desespero face aos colegas que lhe pediam que fizesse algo, decide usar os contactos pessoais. Liga a um oficial da Marinha que se encontrava esta terça-feira nos Açores. Pede-lhe que interceda. “Disse-lhe que ninguém enviava socorro e que não percebia o que estava a acontecer. Implorei-lhe por ajuda por que estavam homens a morrer no mar e ele disse-me que também não conseguia contactar o comandante do Porto da Figueira da Foz.”

A associação organiza uma conferência de imprensa na manhã desta quinta-feira e só então revelará o nome do oficial da Marinha a quem José Festas ligou. “Iremos denunciar todos os pormenores do que aconteceu”, referiu o dirigente.

É depois deste contacto com o oficial que, pelas 20h30, surge Carlos Santos, agente da Polícia Marítima em Aveiro que mora na Figueira da Foz e estava de folga. “Esse oficial disse-me que contactou esse polícia e lhe disse para ir para a barra”, conta José Festas. O agente aparece próximo da barra e, de calças de ganga e descalço, monta uma mota de água, faz-se ao mar e resgata dois pescadores que estavam numa balsa de salvamento. Um terceiro foi retirado do mar já sem vida.

É aqui que as versões se dividem. Pescadores e fontes próximas do agente garantiram ao PÚBLICO que este agente da Polícia Marítima, face à inércia das autoridades responsáveis pelos meios de socorro no mar, agiu por sua conta e risco e motivado, aliás, por conhecer alguns dos náufragos. Acrescentam ainda que o agente foi entretanto pressionado pelos seus superiores para alinhar a sua versão com a oficial. Carlos Santos é natural de Costa de Lavos, uma típica aldeia de pescadores na Figueira da Foz, de onde também é natural o mestre do Olivia Ribau.

O próprio agente, porém, desmente esta versão, apesar de confirmar alguns dados. “É um facto que sou natural dessa aldeia e que o conheço”, diz, acrescentando que “soube” do sucedido e falou com o comandante do porto que lhe pediu para ser ele a avaliar a situação e decidir. Carlos Santos decidiu e arriscou. E se não estivesse de folga na cidade? O porta-voz do ISN diz que “a mota de água fez parte dos meios de socorro oficiais activados”.

Também o comandante regional do Norte da Autoridade Marítima, Martins dos Santos, salientou que “foram empenhados todos os meios possíveis e que estavam disponíveis no momento”. Não desmentiu, porém, que fora afinal um oficial da Marinha nos Açores que ordenou a saída da moto de água. A Câmara da Figueira da Foz decretou esta quarta-feira três dias de luto municipal na sequência do naufrágio.

 

Notícia corrigida. O nome correcto do barco é "Olivia Ribau" e não "Oliva Ribau".

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