Nas ruas, Catarina Martins teve um palco quase só dela

Francisco Louçã falou mesmo, durante a campanha, no renascimento do Bloco e considerou a porta-voz como o “melhor valor que a esquerda tem”.

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Miguel Madeira

O renascimento do Bloco foi mesmo referido nestes dias pelo ex-coordenador Francisco Louçã, quando defendeu que o BE “conseguiu relançar-se, renascer, reconstruir a sua base, ser mais forte, mais amplo, ouvir mais as pessoas”. Numa outra ocasião, mas também durante a campanha, Louçã disse ainda que Catarina Martins é o “melhor valor que a esquerda tem” e que a campanha eleitoral do Bloco realçou isso mesmo.

A chegada de Catarina Martins ao lugar de porta-voz não foi um processo consensual dentro do partido. De um lado estavam Catarina Martins e João Semedo, apoiados por Francisco Louçã, José Manuel Pureza e Marisa Matias. Do outro, Pedro Filipe Soares, com Luís Fazenda e grande parte da estrutura da UDP que fundou o BE. Mas as palavras que Catarina Martins usou, no ano passado, quando esse processo chegou ao fim, terminando a liderança bicéfala e chegando ela ao lugar de porta-voz, parecem hoje confirmar-se. Catarina Martins falou, então, em “enterrar a disputa interna e construir um bloco unido”.

A porta-voz não será, porém, a única a contribuir para este renascimento. Não é só ela a arrancar elogios nas ruas e a receber oxigénio para continuar o trabalho que tem feito no Parlamento. Também a número um por Lisboa Mariana Mortágua, que sobressaiu na Comissão de Inquérito do BES, os recebe. Ambas são elogiadas pelas pessoas com quem se cruzam por não terem medo de incomodar quem está no poder. A Catarina Martins dizem-lhe ainda, como várias vezes numa feira no concelho de Felgueiras, que gostam de ver uma mulher a enfrentar os homens, na Assembleia da República e nos debates.

O destaque que as mulheres têm neste momento no Bloco, e os direitos das mulheres, entraram mesmo na campanha. Catarina Martins criticou vezes sem conta as afirmações do líder do CDS Paulo Portas que disse que “as mulheres sabem que têm de organizar a casa e pagar as contas a dias certos, pensar nos mais velhos e cuidar dos mais novos”.

E, apesar de o Bloco ser um partido de causas feministas, Catarina Martins sublinhou sempre que é um partido de homens e de mulheres. Neste momento, porém, são elas que se destacam. Além da porta-voz e de Mariana Mortágua, há ainda, entre outros exemplos, Joana Mortágua, cabeça de lista por Setúbal, e a eurodeputada Marisa Matias, que também marcou presença na campanha.

Na campanha do Bloco não faltaram, claro, ataques ao trabalho feito pelo Governo e à coligação Portugal à Frente. Mas o Bloco assumiu também uma estratégia em relação ao PS. Por um lado, mostra disponibilidade para uma solução de Governo, impondo, porém, algumas linhas vermelhas em torno de temas como pensões ou despedimentos.

Por outro lado, ataca os socialistas por não darem uma resposta a este apelo, mas, sobretudo, por não terem propostas que o Bloco considere de esquerda. Aliás, usando a expressão do realizador Nanni Moretti, também Catarina Martins apelou ao PS para que dissesse qualquer coisa de esquerda.

O BE tem lutado muito nesta campanha contra o voto útil, apelando directamente também a todos os desiludidos e a quem se sentiu traído pela direita. Útil é o voto no BE, têm repetido os bloquistas.

Catarina Martins teve oportunidade de repetir estas ideias várias vezes em comícios e chegou a fazê-lo mesmo nas ruas, quando lhe disseram que se devia coligar com o PS. Já em relação ao PCP, e em breves declarações aos jornalistas, Catarina Martins disse apenas que a CDU estava a fazer uma boa campanha e esperava que o continuasse a fazer.

Além da abstenção, que não tem um peso reduzido em Portugal, neste sufrágio o BE não disputa os votos só com os socialistas e com a CDU, mas também com alguns dos novos partidos e que têm, nos seus principais rostos, antigos bloquistas.

A denúncia e os bons exemplos
O Bloco de Esquerda não tem juventude partidária nem se caracteriza por ser um partido que arraste apoiantes para arruadas ou comícios. O que o Bloco leva sobretudo para as ruas é a disponibilidade da porta-voz e dos cabeças de lista em falarem com quem se cruzam, o que, de uma forma geral, aconteceu ao longo da campanha. Catarina Martins conseguiu chegar às pessoas e passar a mensagem anti-austeridade do Bloco. Criou empatia e ainda colheu elogios pela forma como enfrenta o Governo, quem está ou tem relações com quem está no poder.

Uma das opções do BE nesta campanha foi a de, ao mesmo tempo que denunciava os problemas que o país enfrenta, fazer questão de visitar todos os dias um bom exemplo do que existe em Portugal. A maternidade Alfredo da Costa, o Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, uma fábrica de calçado feito para pessoas com deficiência, no concelho de Santa Maria da Feira, ou o Teatro do Bolhão foram alguns destes pontos de paragem da caravana bloquista.

Duas esperanças
Há uma grande expectativa no Bloco de Esquerda em torno da eleição do cabeça de lista por Coimbra e professor universitário José Manuel Pureza. O ex-deputado, que em 2011 não foi reeleito, garante que está a lutar para voltar a sê-lo agora. Durante a passagem do Bloco de Esquerda por Coimbra, no comício, a necessidade de voltar a eleger José Manuel Pureza foi referida por quase todos os intervenientes. Sem o docente no Parlamento, a cidade e o distrito de Coimbra têm sido esquecidos, em questões como a Cultura ou o projecto do metro que nunca foi cumprido, entre muitos outros exemplos. Nessa noite, em Coimbra, gritou-se várias vezes: “Chegou o momento, Pureza ao Parlamento!”.

Figura emergente nesta campanha é a irmã gémea de Mariana Mortágua, Joana, que embora mais discreta, tem feito alguns dos discursos com mais ironia da campanha. Cabeça de lista por Setúbal, tem como uma das adversárias a ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque, candidata por este círculo eleitoral pela coligação Portugal à Frente. As críticas à governante estiveram, em diferentes momentos, presentes nos discursos que fez. Dos casos dos swaps, passando pela operação do Novo Banco ou pelo tema do défice, foram vários os exemplos usados por Joana Mortágua – recorrendo com ironia a metáforas religiosas ou outras – para colocar em causa o trabalho feito por este Governo e defender que a austeridade não funcionou e só criou foi desemprego, emigração, e pobreza. 

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