A Europa é uma mesa para 15 pessoas

Durante mais de duas semanas, os berlinenses Rimini Protokoll assentam arraiais em Lisboa e montam por 33 vezes, em 33 lugares diferentes, Europa em Casa. Um jogo de sociedade disposto a dar sentido este continente a que chamamos casa, na intimidade de uma sala de estar.

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Um continente transportado numa mala e aberto em cima de uma mesa: os Rimini Protokoll já jogaram este jogo em sete cidades PIGI PSIMENOU

São perguntas como estas que o colectivo berlinense Rimini Protokoll tem andado a colocar a vários grupos de 15 pessoas (que se reúnem na casa de uma delas) para dar forma a Europa em Casa, um formato que estará talvez mais próximo da encenação de um jogo do que propriamente de uma peça de teatro. E as respostas, em percentagens – essa obsessão moderna de ler a sociedade empunhando uma calculadora, fazendo de tudo uma batalha de números – que podem ser consultadas no site do projecto (homevisiteurope.org), dizem-nos coisas tão extraordinárias (e tão aleatórias) como: as casas são partilhadas por menos gente na Polónia do que na Dinamarca; um quarto dos noruegueses já se inscreveu num partido político; na Alemanha na Noruega a maioria da população jovem consegue viver do seu salário, apesar de o medo do futuro ser bastante mais acentuado entre os noruegueses; há uma distribuição bastante semelhante de impulsos conflituosos entre alemães, polacos, noruegueses e suecos; num apartamento em Berlim (Alemanha) os bolsos de um grupo podem conter, em média, 73 euros, enquanto em Poznan (Polónia) esse contar de tostões não atinge os 20.

Mas o que pretende, afinal, este jogo dos Rimini, esta ideia de carregar a Europa dentro de uma mala de viagem para poder abri-la sobre uma mesa e pôr um conjunto de participantes a discutir questões triviais ou a negociar hipotéticas decisões com implicações na vida de muitos? Pretende, por um lado, resgatar a Europa dos corredores da burocracia de Bruxelas e atirá-la para a vida de cidadãos comuns, fora do espaço público e de uma sala de teatro, “num lugar tão íntimo e imprevisível quanto a casa de um espectador”, diz Stefan Kaegi, dos Rimini Protokoll. Pretende incitar à discussão, mas não à fixação de verdades absolutas. E pretende perceber como é que a dicionarização pessoal da palavra Europa admite diferentes significados. A Europa, estamos fartos de o saber, é um território, é uma ideia, é talvez uma partilha de valores civilizacionais, é talvez ainda uma utopia, possivelmente demasiado volumosa e disforme para conseguir encolher-se e caber dentro de uma casa anónima e nela fazer sentido.

“Quando chega a cada casa”, acredita Kaegi, “chega sob a forma de regras, de standards, de padrões”. A partir daí emerge de uma experiência que resulta da “interacção entre pessoas que se vão conhecendo, investigando quem é o outro e, aos poucos, transformando essa relação numa forma de negociação entre diferentes partes para tomar decisões que terão consequências sobre todos”. Mas a facilidade e a celeridade na obtenção de consensos ou de alianças estratégicas, naturais numa sessão de duas horas, contrastam com a recolha de dados da investigação levada a cabo pelos Rimini para desenhar Europa em Casa. À companhia foram relatados casos de matérias específicas em que as verdadeiras negociações se arrastam há coisa de duas décadas sem conclusão à vista. Porque a Europa é também, ninguém o ignora, sinónimo de impasse.

33 casas
Não são esses casos concretos, demasiado colados a manchetes (reduzindo as instituições europeias àquilo que falha/não falha), que interessam aos Rimini. A complexidade da máquina europeia é excessiva para ser reproduzida ou caricaturada em duas horas e um empecilho para o tom lúdico que dá forma a Europa em Casa. Stefan Kaegi prefere, por isso, salientar as tendências diferentes na resposta à pergunta "qual o maior benefício colhido junto da União Europeia". “Há alemães que nos falam na paz, enquanto os polacos referem a abertura das fronteiras”, comenta. Certo é que a palavra “europeu” não tem igualmente o mesmo significado em diferentes países. Se em nenhuma das sete cidades em que Europa em Casa já aconteceu uma maioria assumiu sentir que a sua identidade europeia se sobrepõe à nacional, fica também claro que o centro da Europa é-o mais do que apenas geograficamente: parece ser aí mais forte esse sentimento de pertença a um colectivo transnacional. À medida que se avança para a periferia, mesmo os escandinavos não parecem convencidos por essa identidade colectiva.

Só agora os Rimini Protokoll se aventuram, ainda assim, por terras a Sul de Hannover (Alemanha) ou a Oeste de Bergen (Noruega) com este singular espectáculo dividido numa dramaturgia clássica de cinco actos – e em que as regras são introduzidas por uma máquina que imprime papéis com instruções simples que cada grupo de 15 participantes deve seguir. Terras potencialmente causadoras de uma maior assimetria nas respostas que o site do grupo permite espiar. Integrado na programação do Teatro Municipal Maria Matos (bilhetes à venda na sala lisboeta), Europa em Casa acontecerá entre 2 e 18 de Outubro em 33 casas diferentes de Lisboa, cedidas voluntariamente por cidadãos interessados em acolher o espectáculo, e está desenhado de maneira a que as tarefas propostas não vedem a partilha livre de opiniões sobre qualquer assunto que possa ter cabimento nas discussões. Sobretudo quando Europa, hoje, equivale também a crise de refugiados, muros a serem erguidos, vedações e cães a patrulharem tentativas desesperadas de transposição de fronteiras, suspensões do acordo de Schengen ou, naturalmente, austeridade. “Todos esperavam que criássemos uma peça em resposta à questão da Grécia”, diz Stefan. “Não o fizemos, mas a questão está presente através dos espectadores.”

Tal como em Call Cutta in a Box ou Situation Rooms, espectáculos anteriores dos Rimini Protokoll, também aqui o espectador é empurrado para o centro da acção. E é nesse lugar que é convidado a investigar e perceber se, na sua perspectiva, a Europa são eles ou somos nós, se se sente parte de um todo ou uma peça solta desta engrenagem.

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