Obama preparado para ser realista na Síria e negociar com Rússia e Irão
Abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas prova que Moscovo tem uma das chaves para o fim do conflito. Mas os argumentos de Putin foram desarmados pelo Presidente norte-americano, que lhe limitou o ressurgimento diplomático.
"O realismo exige uma transição planeada de Assad para um novo líder", disse, deixando em aberto a possibilidade de o Presidente sírio ter lugar numa eventual administração provisória – algo não completamente inesperado, visto que Washington tem gradualmente deixado de exigir a partida imediata de Assad. Mas Obama foi mais longe: "Os Estados Unidos estão preparados para cooperarem com qualquer país, incluindo a Rússia e Irão, para resolver o conflito."
Obama reconhecia que uma solução negociada para a Síria tem de passar pelos dois maiores aliados de Bashar al-Assad – o Irão, como sustentáculo militar, e a Rússia, que entrou de surpresa no país com centenas de soldados, dezenas de caças, tanques e outro armamento na sua base síria junto ao Mediterrâneo. O envolvimento reforçado dos aliados de Assad obrigou o Ocidente a olhar para o ditador sírio no mínimo como uma inevitabilidade temporária.
Os contactos diplomáticos aceleram-se. Na manhã desta segunda-feira, Moscovo afirmou que está preparado para construir um "grupo de contacto" para negociar um fim para a guerra na Síria e que esse grupo pode reunir-se já em Outubro. Segundo o ministro-adjunto russo dos Negócios Estrangeiros, o painel seria composto pelos Estados Unidos, Rússia, Irão, Arábia Saudita, Turquia e Egipto. Em Nova Iorque, apesar das críticas mútuas da manhã, Obama e Putin tinham agendado o seu primeiro encontro formal em mais de um ano.
Já se antecipava o discurso de Putin. Ele repetiu-o nos dias que antecederam esta sessão inaugural da Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova Iorque. O Presidente russo esperava que os insucessos da estratégia do Ocidente para a Síria fossem de tal maneira evidentes que a sua entrada militar no conflito não só lhe valeria o fim do isolamento diplomático internacional como também a imagem de líder nas negociações de paz. Estava errado.
Regresso sofrido de Putin
O Presidente russo argumentou que é Assad quem está a lutar contra os grupos extremistas no país, como o autoproclamado Estado Islâmico; que não haveria sequer um grupo jihadista destas dimensões se não fosse pela invasão norte-americana do Iraque, em 2003; e que se o Ocidente – leia-se, os Estados Unidos – insistirem em derrubar Assad, cairão com ele as instituições do Estado sírio e o país cairá num destino semelhante ao da Líbia.
Disse Putin: "Em vez de produzir reformas, a interferência agressiva do estrangeiro acabou na destruição flagrante das instituições nacionais e do próprio estilo de vida [dos países]. Em vez do triunfo da democracia e do progresso, ficámos com a violência, a pobreza e o desastre social." E terminou com um convite ao Ocidente que pouco depois foi repetido por Hassan Rouhani, o Presidente iraniano. É preciso "uma coligação internacional genuinamente abrangente contra o terrorismo."
Mas Obama falou antes. Foi mais convincente e incisivo do que o líder russo, que não nomeou por uma só vez os Estados Unidos, apesar das frequentes críticas veladas. O Presidente norte-americano antecipou os argumentos de Putin, respondeu-lhes com firmeza e usou o capital diplomático na sala – Raúl Castro ouviu-o defender o fim do embargo a Cuba, entre aplausos, e Javad Zarif, ministro iraniano dos Negócios Estrangeiros, a defender o acordo nuclear com o Irão.
Prometeu revisitar os erros do passado. "Não apenas as lições do Iraque mas também o exemplo da Líbia."
"Apesar de termos ajudado o povo líbio a acabar com o reino de um tirano, a nossa coligação poderia e deveria ter feito mais para preencher o vácuo que ficou para trás", disse Obama, que prometeu ajudar "qualquer Governo legítimo na Líbia enquanto este tentar reconstruir o país".
Obama recusou ostensivamente um futuro na Síria para Assad e desconstruiu o argumento de Moscovo em apoiá-lo contra os extremistas. "É-nos dito que esta é a condição para evitar a desordem, que é a única maneira de acabar com o terrorismo ou prevenir a interferência externa. Segundo esta lógica, deveríamos apoiar tiranos como Bashar al-Assad, que largam bombas-barril sobre crianças inocentes, porque a alternativa será seguramente pior."